O paradoxo da tolerância: O caso Monark
A filósofa alemã Hannah Arendt nos alertou, na sua obra Eichmann em Jerusalém, que o mal não estava intrínseco apenas em vilões e sujeitos vistos e descritos pela sociedade como maldosos, mas também habitava naqueles sujeitos comuns, ordinários, do cotidiano.
Nessa semana fomos bombardeados na mídia pela repercussão das declarações do Youtuber Bruno Aiub, conhecido no mundo do streaming por Monark, onde o mesmo defendia a criação de um partido nazista no Brasil e o direito do sujeito ser antijudeu, pois, nas palavras do youtuber, tudo isso faz parte de uma conclamada “liberdade de expressão”.
A partir de tal acontecimento, nos surge uma dúvida, que em tempos tão extremos como este que nós vivenciamos se sobrepõe aos nossos julgamentos diários, muitas vezes rasos e com ênfase no “cancelamento”: Até que ponto devemos tolerar os intolerantes?
O filósofo austríaco Karl Popper nos agraciou, no livro intitulado The open society and it enemies com o chamado “paradoxo da tolerância”, onde o mesmo formula a teoria de que, a tolerância ilimitada pode levar ao desaparecimento da tolerância. Em casos como o de Monark devemos prestar muita atenção, pois o mesmo já havia feito outras declarações polêmicas, como a defesa da “liberdade em ser racista”. No mundo contemporâneo, existem linhas muito tênues entre o tolerável e o intolerável. Com a ascensão meteórica dos chamados podcasts, muitos sujeitos (entrevistadores e entrevistados) se acharam no direito de causar polêmica com declarações absurdas, e este não é um caso exclusivamente brasileiro. Nos EUA, o apresentador de um dos maiores podcasts do mundo, o norte-americano Joe Rogan, já se envolveu nos mais variados tipos de polêmicas, bradando aos quatro ventos comentários misóginos, homofóbicos e de desprezo a determinadas minorias.
Analisando os casos de Rogan e Monark, percebemos que os mesmos não fazem esse tipo de prática para “causar” e trazer mais audiência para seus determinados podcasts, tendo em vista que estes já alcançam uma grande leva de pessoas em seus respectivos países. Trata-se de sujeitos que, ao utilizar o microfone e seu poder de alcance, buscam disseminar ideias que trazem dentro de si, e com o aporte de serem “celebridades”, acreditam numa impunidade quase certa. No caso Brasil/Monark, temos o agravante de um deputado, dito representante do povo, o paulista Kim Kataguiri, fazer parte e ratificar os comentários do apresentador.
Tendo um representante público envolvido em tal polêmica, vem à tona mais uma vez o paradoxo da tolerância: O deputado citado acima, que faz parte do MBL (Movimento Brasil Livre) faz esse tipo de comentário para agraciar seu eleitorado (formado majoritariamente por jovens que se identificam com a ideologia no neoliberalismo), que prega a “liberdade de expressão” acima de tudo, mesmo que essa liberdade passe a ferir diretamente os direitos humanos e o estado democrático de direito. A dúvida que envolve o paradoxo da tolerância é, em suma: será que vale a pena passar de todos os limites acordados socialmente para poder falar tudo que vem na cabeça? E será que este deputado será criminalizado e “cancelado” assim como o youtuber foi?
O episódio envolvendo o Monark foi apenas a gota d’água numa seara de acontecimentos que acercam o país desde meados de 2013, quando, com as jornadas de junho (protestos contra a então presidenta Dilma Roussef), grupos como o MBL passaram a combater as ditas “ideologias de esquerda” e entraram num delírio coletivo, semelhante à “Caça aos comunistas” empreitada nos EUA entre as décadas de 1950 e 1980. Nesse entremeio, aqui no Brasil, tivemos a ascensão de um aporte ideológico extremo e enraivecido, que respinga seu ódio em pessoas pouco esclarecidas (como o próprio Monark) e estes acabam por endossar os discursos de ódio que os verdadeiros interessados propõem.
Monark foi “cancelado”, chegando até a perder seu emprego no canal do Youtube, mas quantos Monark temos na nossa família, nos nossos grupos de whatsapp, no nosso trabalho, no nosso círculo de amizades?
É preciso combater esse tipo de discurso e enfraquecer o projeto de nazificação que ronda o Brasil há quase uma década, e com combate não falo sobre violência, e sim mostrando acontecimentos históricos e tragédias na humanidade que só foram possíveis por causa de ideias disseminadas e toleradas demais, até o ponto que não se havia mais controle. E lembre-se: “Se um nazista senta numa mesa com 10 pessoas e nenhuma se levanta, então temos 11 nazistas ali sentados”.
Autor: Thiago Rafael Oliveira – Professor e Mestre em História