Em livro, físico analisa astros, desmistifica “poderes” e revela o que de fato é ciência
Deu na Folha de S. Paulo:
Desde a composição do corpo humano até a construção de grandes civilizações, devemos nossa existência e nossa evolução às estrelas e à observação do céu. Os astros, então, têm uma influência enorme na nossa vida. Curiosamente, porém, é comum que as pessoas atribuam à posição de planetas, Lua e estrelas outros “poderes” que, do ponto de vista científico, eles não têm —como moldar nossa personalidade ou comportamento.
Quem explica isso é Marcelo Girardi Schappo, doutor em Física Atômica e Molecular, professor do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e autor de “Astronomia – Os Astros, a Ciência, a Vida Cotidiana” (ed. Contexto), livro recém-lançado que aborda a importância dos céus no nosso dia a dia.
SOMOS ‘POEIRA DAS ESTRELAS’
A maioria dos elementos que compõem o corpo humano foi formada em estrelas, ao longo de bilhões de anos.
Nesse processo, explica Schappo, as estrelas formaram uma “nuvem inicial”, que deu origem ao Sol —a principal estrela do nosso Sistema Solar—, aos planetas como a Terra e à combinação de elementos que permitiu que gases, minerais, água e a vida surgissem e evoluíssem por aqui.
É um processo que se estende por cerca de 13 bilhões de anos e que permitiu a riqueza de elementos químicos da Terra.
Por isso, estudiosos de astronomia costumam dizer que nós, seres vivos, somos feitos de “poeira das estrelas”.
As estrelas, explica Schappo, “fazem um processo de fusão nuclear e vão juntando esses elementos pequenos, que viram elementos mais pesados. Esses tijolinhos (elementos) fundamentais à nossa vida aqui vieram do interior de estrelas, que explodiram ou expandiram as suas camadas externas e enriqueceram quimicamente o ambiente interestelar. É esse material que vai acabar se aglomerando e dar origem a novas estrelas, planetas e novos sistemas onde eventualmente a vida pode florescer.”
CONSTRUÇÃO DAS CIVILIZAÇÕES
Para além da base fundamental da vida, foi graças aos céus —mais especificamente, à capacidade de nossos antepassados em observar os céus— que pudemos construir as civilizações humanas, afirma Schappo.
Ele se refere especificamente às estações do ano.
As diferentes estações existem— e se opõem nos hemisférios Norte e Sul— por causa da inclinação da Terra em relação ao Sol, enquanto dá a volta em torno do Sol.
Como a Terra é inclinada em seu eixo, os raios solares incidem de forma diferente em diferentes partes do mundo, a depender do momento do ano —assim, a energia do Sol incide com mais intensidade nos meses de verão e menos intensidade nos de inverno.
Muito antes de adquirirem esse conhecimento científico, nossos antepassados aprenderam sobre os padrões climáticos observando o céu. Há constelações de estrelas que só aparecem no céu noturno nos meses de verão, enquanto outras são visíveis no inverno, detalha Schappo. Várias civilizações também identificaram as datas de solstícios e equinócios (dias com mais ou menos luz diurna no ano), o que lhes permitiu identificar a troca de estações.
Com esses padrões astronômicos, foi possível se antecipar a períodos de secas ou chuvas, e perceber os melhores momentos de plantar e colher.
“Se antever a isso ajudou na transição de um sistema nômade para um sedentário”, em que sociedades puderam se desenvolver e prosperar, argumenta o físico. “É obrigatório conhecer esse ambiente e esses padrões da Terra.”
Por isso, ele argumenta que entender astronomia foi uma “questão de sobrevivência”.
Esse conhecimento evoluiu para o calendário —o Gregoriano, que vigora atualmente, foi criado há 440 anos para acompanhar os pouco mais de 365 dias que a Terra demora para dar sua volta em torno do Sol.
Agora que a humanidade está diante de mudanças nos padrões climáticos da Terra por conta do aquecimento global, Marcelo Schappo argumenta que o conhecimento astronômico também será fundamental —por conta de sua capacidade de analisar os padrões do Sol e a forma como a nossa atmosfera absorve sua energia.
DAS NAVEGAÇÕES AO GPS
Além de ensinar nossos antepassados a entender os ciclos climáticos, a observação dos céus foi crucial em outro ponto importante na história humana: as navegações.
“Muitas navegações e métodos de navegação importantes na história foram guiados pelas estrelas”, afirma Schappo.
Uma das estrelas da constelação do Cruzeiro do Sul, por exemplo, “aponta quase no polo Sul celeste —é um bom indicativo de onde está o sul, e a partir daí sabe onde estão os outros pontos cardeais”, explica o físico.
No hemisfério Norte, a Estrela Polar, na constelação da Ursa Menor, é usada como indicativo do norte.
Hoje, a nossa navegação via satélite também se apoia no conhecimento astronômico —tanto no envio de satélites ao espaço quanto na utilização desses satélites para você definir, no GPS do celular, o trajeto que vai fazer de casa para o trabalho.
“O sistema do GPS funciona com vários satélites, colocados em órbita da Terra”, explica Schappo.
“Quando quero usar meu celular para saber minha posição no planeta, o que ele (aparelho) faz é trocar informações com esses satélites —e o sinal leva um tempo para sair do celular, chegar no satélite e retornar. É com essa diferença de tempo de sinal que ele troca com pelo menos dois ou três satélites que ele calcula exatamente a posição em que você está no planeta em latitude, longitude e altitude. Portanto, é uma superferramenta para navegação aérea, marítima e exploração terrestre.”
CICLOS BIOLÓGICOS
Nossos ciclos biológicos também são obviamente ligados ao Sol: temos mais sono nos períodos em que não estamos expostos à luz do Sol, e mais disposição durante o período diurno, por exemplo.
As plantas também dependem da exposição ao Sol para fazer fotossíntese.
“Existem ciclos nos seres vivos, e a biologia estuda como o indivíduo muda conforme a época do ano ou do mês, o que pode ter a ver com a mudança na iluminação, com a variação entre o dia e a noite”, afirma Schappo.
No entanto, essa influência biológica ligada a variações na exposição à luz do Sol não pode ser confundida com a influência comportamental geralmente atribuída aos astros, afirma Schappo. “Isso não tem nada a ver com (a suposição de que) ‘a Lua influencia o meu estado emocional’. Aí a gente começa a transitar por uma zona pseudocientífica”, diz ele.
É desses mitos que falaremos agora.
NÃO É CIÊNCIA: ASTROLOGIA
“Quando você vai fazer um mapa astral, ler um horóscopo, ou acha que está agitado por causa da lua cheia, que tem que cortar o cabelo em tal lua, ou que bebê vai nascer na virada da lua, isso não é baseado em evidências”, explica o físico.
“Ou seja, que não pode ser corroborado. A gente acredita nas afirmações de (Albert) Einstein sobre a relatividade porque é (uma teoria) muito corroborada. Já quanto a mapa astral, cabelo, nascimento dos bebês —isso já foi testado por experimentos científicos que mostram que essas afirmações não têm fundamento. Por isso, chamamos de pseudociência —é algo que fala de planetas, usa dados astronômicos reais, mas leva a conclusões que não têm fundamento. Parece ciência mas não é.”
Um dos experimentos que testaram cientificamente a astrologia foi descrito pela astrofísica Sabrina Stierwalt no podcast Everyday Einstein.
No experimento, publicado no periódico Nature, foi conduzido um teste duplo-cego para averiguar se mapas astrais poderiam descrever nossa personalidade com precisão. O físico Shawn Carlson pediu a 30 astrólogos que revisassem o mapa astral de 116 pessoas que não conheciam pessoalmente.
Carlson deu aos astrólogos três descrições para cada uma das 116 pessoas: uma descrição correta e duas descrições erradas (ou melhor, que descreviam outras pessoas que não aquelas). E pediu aos astrólogos que identificassem qual das três era a descrição correta, segundo o mapa astral.
O resultado é que os astrólogos do experimento fizeram a identificação correta em um terço dos casos. “Se você recebesse três descrições de personalidade, (também) teria uma entre três chances de selecionar a correta”, diz Stierwalt. Portanto, conclui ela, os astrólogos do estudo não se saíram melhor do que se tivessem escolhido os perfis ao acaso.
“A astrologia também não é capaz de oferecer um mecanismo que explique como ela poderia funcionar. Qual é exatamente a conexão entre as estrelas sobre a sua cabeça quando você nasceu e se você deve ou não tomar grandes decisões durante o verão?”, questiona a cientista.
Muitos entusiastas da astrologia, por sua vez, argumentam que as descrições de personalidade ligadas ao zodíaco fazem sentido para si e acham reconfortante acompanhar seu horóscopo. O importante aqui é destacar que não há nenhum embasamento científico nele.
NÃO É CIÊNCIA: INFLUÊNCIA DA LUA
E quanto à influência da Lua na nossa vida —desde nosso comportamento até corte de cabelo e nascimento de bebês? Mais um mito, argumenta Marcelo Schappo.
A princípio, argumentar que a Lua nos influencia diretamente pode até soar factível. Afinal, a Lua influencia diretamente as marés dos oceanos da Terra. Se nosso corpo é composto majoritariamente de água, por que não seria igualmente influenciado pela Lua?Para rebater, isso é preciso entender como funciona a gravidade.
Estamos falando de uma força que interage entre dois corpos com massa. Quaisquer corpos. Mas a força da gravidade é mais forte quanto maior for a massa dos corpos, e quanto menor for a distância entre eles.
“Seguindo esse raciocínio, uma pessoa atrai uma cadeira em uma sala vazia? Sim! Mas a força de atração desse par é muito pequena, pois as massas da pessoa e da cadeira são pequenas, de modo que elas não geram efeitos práticos significativos”, escreve Schappo.
No caso da Lua e das marés, a influência gravitacional é grande porque os oceanos formam uma massa gigantesca em nosso planeta.
Já nossos corpos são muito pequeninos em comparação, e a Lua está muito distante de nós para exercer um efeito gravitacional significativo, diz o físico.
“Tanto que uma piscina olímpica, que tem muito mais água que o nosso corpo, não tem maré”, detalha. “Então, na vida cotidiana, o que vai influenciar o comportamento do meu corpo é a gravidade da Terra.”
Fonte: folha.uol.com.br
Foto de Luis Kuthe no Pexels