Aperto salarial: militares escapam com folga, mas civis só perdem
Deu na Folha de S.Paulo:
Sob holofotes no governo de Jair Bolsonaro (PL), os militares brasileiros escaparam do aperto salarial aplicado sobre os gastos com o funcionalismo na gestão do capitão reformado do Exército.
Segundo dados do Tesouro Nacional já corrigidos pela inflação medida pelo IPCA, houve uma queda de 8,4% no dispêndio do Executivo com servidores civis da ativa de 2018, ano anterior à posse de Bolsonaro, para 2021. No mesmo período, o gasto com os inativos caiu 3,3%.
Os militares foram em mão inversa: os do serviço ativo custaram 5,7% a mais no período, enquanto os inativos mereceram um aumento no gasto federal de 4,2%. Em 2021, os fardados em serviço representaram gasto de R$ 34,6 milhões para os cofres públicos, enquanto os civis na mesma condição geraram despesa de R$ 137,2 milhões.
Quando são colocados valores nominais, a diferença na variação fica ainda maior. O grupo militar ativo viu o gasto do governo com ele subir 26,8%, enquanto o civil registrou um aumento de 9,9%. Nos inativos, 25,1% e 16,1%, respectivamente.
Foi decisiva para a boa situação relativa dos militares a reforma de carreira e da Previdência do setor, aprovada em 2019 pelo Congresso a partir de uma iniciativa do Ministério da Defesa.
Sob o comando do então ministro Fernando Azevedo, a pasta aproveitou o capital político do primeiro ano do governo e obteve uma vitória, após quase duas décadas de demandas não atendidas.
Não houve, no período, uma mudança expressiva de contingente. O pessoal ativo flutua em torno de 360 mil homens, mais da metade no Exército. Servidores civis da ativa na folha de pagamento são 575 mil, outro número semelhante ao do fim de 2018.
A reforma sofreu críticas por favorecer mais militares de alta patente. Em alguns penduricalhos associados ao soldo básico, como o chamado adicional de disponibilidade, promoveu-se 5% de aumento para praças e até 32% nos escalões superiores.
De forma geral, contudo, houve aumentos para todos os níveis hierárquicos (20 na Força Aérea, 19 no Exército e 16, na Marinha). Alguns chegaram a 49% de aumento.
A Folha procurou ouvir a Defesa sobre os dados, mas não obteve resposta. A argumentação usual dos militares é o de que, em vez de ser lida como uma benesse para uma categoria politicamente elevada de status sob o governo de Bolsonaro, a reforma visava corrigir distorções históricas.
Pode ser, mas de todo modo as vantagens sempre são lidas no conjunto da reinserção dos militares como atores políticos no país.
Bolsonaro cercou-se de oficiais-generais, alguns do serviço ativo, em altos cargos na Esplanada dos Ministérios. Mais de 6.000 fardados ocupam cargos civis na gestão federal, o que não é ilegal, mas é visto como uma distorção.
Os militares também foram incluídos no reajuste linear de 5% ao funcionalismo, anunciado pelo governo, o que foi alvo de críticas de outros servidores do Executivo.
Houve outras vantagens pontuais. Portaria assinada pelo presidente em abril do ano passado permitiu que cerca de mil servidores que tinham desconto na remuneração acumulada de salários e aposentadorias para respeitar o teto constitucional recebessem valores integrais.
Com isso, como a Folha mostrou, membros militares do alto escalão foram beneficiados, como Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão (Republicanos) e os generais da reserva do governo.
O maior aumento foi o de Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), que ganhou R$ 350 mil a mais no ano a partir da publicação da portaria.
Manobras adotadas pela Defesa para driblar limitações com o teto de gastos acabaram não sendo reproduzidas para todos os programas prioritários da pasta, como os militares gostariam.
Politicamente, o preço de tal associação entre fardados e Bolsonaro é mensurado na especulação constante acerca da disposição dos militares de apoiarem arroubos autoritários do presidente, como sua intenção declarada de tumultuar o processo eleitoral ao divulgar suspeitas sobre as urnas eletrônicas.
Fonte: folha.uol.com.br