Tarcísio expõe desbolsonarização com diálogo e presença na tragédia do litoral
Ao longo de uma semana em São Sebastião (SP) em razão da tragédia das chuvas no litoral norte, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) procurou se mostrar um gestor solidário, presente, disposto ao diálogo e especialista em obras —o oposto do seu padrinho Jair Bolsonaro (PL). (via Folha de S. Paulo)
Políticos próximos de Tarcísio e de Bolsonaro minimizam o processo de desbolsonarização do governador, em curso desde a campanha eleitoral e intensificado após a posse, sob o argumento de que ambos têm estilos distintos, o que não significa que não sejam aliados.
A avaliação é a de que o desastre deu a chance para que a população conhecesse Tarcísio, que sempre marcou suas diferenças em relação a Bolsonaro, embora tenha abraçado o ex-presidente para ser eleito.
Especialmente a aproximação com o presidente Lula (PT) gerou críticas entre os mais conservadores, que veem uma ação coordenada para afastar o governador do ex-presidente tendo a tragédia como ensejo. Com o radicalismo em baixa após a derrota de Bolsonaro e o 8 de janeiro, aliados dizem que a postura de Tarcísio diante da tragédia deve render ganhos em popularidade e vantagem eleitoral, mas o discurso geral é o de que o governador não mira a carreira política ao definir suas ações.
Diante da crise humanitária, as comparações imediatas em relação a Bolsonaro lembram seu desdém na pandemia e o fato de que ele não interrompeu passeios de jet-ski no final de 2021 quando cidades da Bahia enfrentavam calamidade por causa de chuvas.
Na oposição, que também vê discrepância nas atitudes de Tarcísio e Bolsonaro, a leitura é a de que o governador está cumprindo com sua obrigação e que, após quatro anos de bolsonarismo, isso acaba sendo visto como algo positivo. Deputados do PT, contudo, não deixam de traçar caminhos para vigiar e criticar o governo.
Na última semana, Tarcísio transferiu seu gabinete para São Sebastião, onde tem passado os dias ao lado de seus secretários vistoriando obras, fazendo reuniões e dando entrevistas a jornalistas –os elogios à imprensa, aliás, são outro ponto em que se afasta de Bolsonaro.
Na segunda-feira (20), o governador esteve ao lado de Lula, do prefeito Felipe Augusto (PSDB) e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede) –numa união que, conforme destacou o presidente, é “uma cena que há muito tempo vocês não viam no Brasil”.
“É uma demonstração específica de que é possível exercer a nossa função na democracia mesmo quando a gente pertence a partidos diferentes e pensa diferente ideologicamente. O bem comum do povo é muito mais importante do que qualquer divergência”, discursou Lula na cidade, emendando com “acabou a eleição”.
Tarcísio agradeceu a presença do presidente. “Isso nos dá amparo, nos dá conforto no momento em que a gente precisa trabalhar em um regime de cooperação”, disse.
No início do mês, o governador chegou a dizer que ele e Lula agora são sócios. Antes disso, após eleito, declarou que não era “bolsonarista raiz”.
Questionado sobre a comparação com Bolsonaro, Kassab diz à Folha que prefere olhar para frente. “O governador e o Brasil estão enlutados, ninguém ganha com o que aconteceu, muito menos ele”, afirma o presidente do PSD sobre os dividendos políticos do episódio.
Para o deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), Tarcísio “se comporta como devem se comportar os eleitos, cumprindo o pacto federativo”. “Talvez, depois de quatro anos de Bolsonaro, as pessoas estranhem isso.”
Tatto duvida de que a popularidade de Tarcísio suba após a tragédia, pois avalia que o governador faz apenas sua obrigação. Ele também diz não acreditar em um descolamento de Bolsonaro: “Está cedo para avaliar, temos que ver seu comportamento na eleição municipal de 2024”.
“Realmente Tarcísio teve uma postura diferente do Bolsonaro. Presença e solidariedade são importantes, mas é preciso ações concretas, porque muitas vezes há um movimento de ajuda e depois a questão é esquecida”, diz o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT), cobrando novas moradias e ações de prevenção.
Seguindo a linha de Kassab, o entorno do governador tem tirado o foco da pretensão política de Tarcísio e de sua relação com Bolsonaro –o discurso se concentra nas ações de governo, o que, de forma velada, tem no horizonte a perspectiva de uma candidatura à reeleição em 2026.
“O objetivo da ação do governador desde o primeiro dia de governo não é se aproximar ou se distanciar de estilo de qualquer outro político, incluindo Bolsonaro, mas sim trabalhar pelo estado”, diz o vice-governador Felicio Ramuth (PSD).
Ramuth afirma que “num momento triste, o estado teve o privilégio de ter um governador com a experiência de um engenheiro militar, que já atuou em outros locais críticos, como Amazônia e Haiti”.
“Se isso se reflete em ganho político é o menos importante para ele”, diz ainda.
O bolsonarista Filipe Sabará (Republicanos), secretário-executivo da Secretaria de Desenvolvimento Social, diz que, apesar de haver diferenças, não existe uma traição de Tarcísio a Bolsonaro.
“O governador sempre menciona Bolsonaro e o elogia. Ele não precisa ser igual a Bolsonaro para demonstrar fidelidade e gratidão”, diz à Folha. Sabará pondera ainda que o ex-presidente tem um “jeito rude de falar”, mas tomou medidas diante de crises semelhantes.
Outros secretários ouvidos pela reportagem também dizem não haver conflito entre Tarcísio e o bolsonarismo, já que o ex-presidente sabe que seu apadrinhado não segue a totalidade de sua cartilha e ainda assim o apoiou na eleição.
“Tarcísio sempre foi diferente [de Bolsonaro]. Ele tinha alinhamento apenas nas entregas na economia e infraestrutura”, completa Sabará.
Foto: Governo do Estado de SP/Divulgação
Texto transcrito do site da Folha de S. Paulo