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Imprensa brasileira debate e redefine cobertura de ataques para evitar efeito contágio

O recente aumento de casos de ataques a escolas no Brasil levantou um debate sobre como deve ser a cobertura de crimes dessa natureza, e veículos de imprensa têm anunciado que deixarão de divulgar o nome dos agressores, imagens e outros detalhes das ações. (Via Folha de S. Paulo)

A decisão foi tomada a partir da orientação de estudiosos que sustentam que esse tipo de conteúdo incentiva outros jovens a cometer crimes semelhantes. A tese central do chamado “efeito contágio” é a de que esses agressores, normalmente pessoas isoladas socialmente, buscam justamente a notoriedade.

O tema já é amplamente discutido nos EUA, onde esse tipo de violência é mais antigo e muito mais frequente do que no Brasil –foram mais de 370 ataques a escolas desde o massacre em Columbine, em 1999, quando dois alunos mataram a tiros 12 estudantes e um professor.

No Brasil, os holofotes novamente se voltaram a essa discussão a partir do ataque, em 27 de março, realizado na escola estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, que trouxe à tona a explosão de violência no ambiente escolar. Desde agosto, foram nove ataques, mais de um por mês. Essa mesma quantidade acontecia a cada dois anos, entre 2002 e julho de 2022, segundo um levantamento feito por pesquisadores da Unesp e da Unicamp.

Na edição em que noticiou a tragédia na creche, o Jornal Nacional, da TV Globo, falou sobre a adoção de novos critérios da cobertura. “Os veículos do grupo Globo tinham como política publicar apenas uma vez o nome e a foto de autores de massacres”, disse William Bonner.

“O objetivo sempre foi evitar dar fama aos assassinos para não inspirar autores de novos massacres. Essa política muda hoje e será ainda mais restritiva”, anunciou. “O nome e a imagem de autores de ataques jamais serão publicados, assim como vídeos das ações”, afirmou o jornalista, informando que não serão noticiados “ataques frustrados subsequentes, para conter o efeito contágio”.

O mesmo foi feito no Jornal da Band. “Você deve ter notado que, em momento algum aqui, a gente citou o nome do assassino”, disse o apresentador, Eduardo Oinegue. “É uma decisão que o Jornal da Band tomou: não dar o nome dele, não mostrar a cara dele. Por mais absurdo que pareça, muitas vezes esses caras querem é isso, é a fama, é o holofote. Eles gostam desse palco macabro. Aqui no Jornal da Band, não!”

Já a Record, por exemplo, optou por divulgar o nome e a foto do assassino tanto nos programas de TV quanto no seu site de notícias, o R7.

Na direção de um cenário mais unificado, a Abert (associação de TVs e rádios do Brasil) prepara um protocolo para essas coberturas. “Há muito tempo nos preocupa dar palco para essas loucuras”, disse à Folha o presidente da entidade, Flávio Lara Resende.

“O documento será uma sugestão, não podemos impor. Mas a maioria está preocupada e deve seguir.”
Ele diz que é preciso considerar o papel das fake news no efeito contágio. “É urgente uma regulação das plataformas que as responsabilize por propagar conteúdos assim.”

O presidente da ANJ (Associação Nacional de Jornais), Marcelo Reich, também joga luz sobre as redes sociais. “Vi uma série de pseudoveículos, muitas vezes formados por uma pessoa só e que buscam cliques sem pudor, hipervalorizando a figura [do assassino]”, disse. “A imprensa profissional tem códigos de conduta para evitar danos maiores. Mas como controlar o que se prolifera como um esgoto digital?”

Professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP Eugênio Bucci avalia que, apesar do crescente impacto das redes sociais, os veículos de imprensa devem, sim, se reunir para pensar a cobertura dos ataques. “Uma postura mais reflexiva ajuda a imprensa, inclusive, a se diferenciar de conteúdos irresponsáveis das redes sociais.”

Há 12 anos, após o massacre em uma escola em Realengo, no Rio, Bucci analisou a cobertura desses crimes no Observatório da Imprensa, no texto intitulado “Deixar a vida para entrar no espetáculo”. “Um sujeito vai lá, mata uma porção de crianças e ainda ganha de presente a fama adorada, e vazia, pela qual matou —e morreu. E sabemos todos que virão outros”, escreveu.

Afirmou, no entanto, que “o jornalismo não dispõe de argumentos para se recusar a dizer o nome desses criminosos”. “Não tem como não dar a foto. Não pode sonegar às pessoas o que as pessoas querem saber. E têm o direito de saber.” É uma posição que reavaliou com a ocorrência de novos ataques. “Hoje a gente reuniu argumentos para não dar o nome e a fotografia”, disse à Folha.

Essa é a base da campanha No Notoriety (sem notoriedade), dos EUA, que defende que os assassinos não protagonizem a cobertura em respeito às vítimas e para evitar o efeito contágio.

A omissão do nome e da imagem dos agressores foi defendida por Telma Vinha e Catarina de Almeida Santos, professora da UNB, em um webinário da Jeduca, a associação de jornalistas de educação, em 31 de março. “Há uma competição nos fóruns extremistas para ver quem consegue mais atenção da mídia”, disse Telma.

À Folha ela ponderou que “a fronteira é delicada” entre o efeito contágio e o papel de informar e gerar debate, inclusive em busca de soluções. “O caminho é refletir sobre como informar e gerar o debate sem provocar o contágio.”

Presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), Katia Brembatti defende que se discutam protocolos, mas que as regras não sejam taxativas. “Não se pode proibir a divulgação de nomes, até porque é preciso analisar caso a caso”, defendeu. “Se o criminoso foge, por exemplo, muitas vezes é importante divulgar as informações para que seja encontrado.”

Mas ela acha saudável a reflexão sobre essas coberturas, que ainda não foram amplamente debatidas, como as de suicídio e sequestros. No caso de suicídios, a Organização Mundial da Saúde orienta a mídia a não divulgar métodos e cartas de despedidas, por exemplo.

Para os sequestros, após uma série de casos em que a cobertura foi relacionada aos seus desfechos, parte dos veículos definiu protocolos internos. A Folha, por exemplo, evita publicar sequestros em andamento e quando a família pede sigilo. Já o Grupo Globo, em 2011, redigiu uma carta de princípios em que explica que divulga sequestros por acreditar que isso protege a vítima, mas que há uma série de cuidados com a forma com que a notícia deve ser veiculada.

“Agora, para os ataques, precisamos de uma nova reflexão. As pessoas têm o direito de saber o nome do criminoso? Têm. Mas deve-se analisar as consequências de se divulgar essas informações”, disse. “Que pontos positivos haverá em informar o nome, os métodos e manifestos, tendo em vista que muitas vezes o criminoso quer isso? Qual é o benefício versus o prejuízo de levar essas informações a público?”

Brembatti defende que jornalistas sejam preparados previamente. “É difícil refletir no calor da cobertura se devemos, por exemplo, entrevistar ou não parentes que acabaram de perder seus entes queridos”, disse.
“Não podemos nos vergar ao interesse mórbido do público, até por respeito às vítimas e para evitar o pânico. Coberturas sem cuidados também geram uma imagem ruim da imprensa.”

Para a cobertura de crimes em geral, o Manual de Redação da Folha orienta que se “pondere se há legítimo interesse jornalístico ou só curiosidade a respeito de acusados, vítimas, testemunhas, familiares e amigos.” Internamente, a Redação tem refletido sobre a cobertura dos ataques, sempre caso a caso.

No crime da Thomazia Montoro, por exemplo, o vídeo que mostrava a ação do adolescente, replicado em sites e TVs, foi publicado em um primeiro momento pelo jornal, com sua imagem borrada, mas acabou retirado do ar após uma reavaliação interna.

O nome do agressor não poderia ser publicado de qualquer forma, em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, por ele ser menor. Já na cobertura do massacre à creche, a Folha optou por publicar o nome e a foto do assassino (que tem 25 anos), ainda que sem destaque, por entender que há relevância jornalística.

Foto: Suzy Hazelwood/Pexels

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