Generais inflam salários com ajuda de custo que chega a R$ 300 mil
Com as trocas de militares promovidas pelo comando do Exército no início do ano, oficiais-generais da Força receberam uma ajuda de custo para as mudanças de cidade ou ida à reserva que varia de R$ 53 mil a R$ 300 mil.
Esse recurso, porém, não é calculado com base nas despesas exigidas para as transferências de local de trabalho —o principal fator é o salário. Na prática, a verba acaba inflando as remunerações do topo da carreira em benefício que opõe oficiais e praças.
A última movimentação de militares ocorreu no fim de março e foi decidida em reunião do Alto Comando do Exército em meados de fevereiro. Foi a primeira mudança no topo de hierarquia realizada sob o comando do general Tomás Paiva, agora na gestão de Lula (PT).
As trocas intercalaram mudanças já previstas nas gestões passadas (Júlio César de Arruda e Freire Gomes) e trocas novas, feitas sob medida para o objetivo de Tomás de reforçar o papel apartidário da Força.
A dança das cadeiras é natural da carreira militar e costuma ocorrer a cada dois anos. Há, porém, casos de generais que trocaram de cargo em menos de um ano e acumularam as ajudas de custos.
Em março deste ano, ele foi nomeado para o Comando Militar da Amazônia e terá de se mudar para Manaus, com ajuda de custo de R$ 159,3 mil. Somados, os recursos do auxílio para mudança chegam a R$ 290 mil.
O general Andrelucio Ricardo Couto teve experiência semelhante. Ele assumiu a chefia do Estado-Maior do Comando Militar da Amazônia em 2022 e deixou o cargo em março deste ano para se tornar o comandante de Operações Especiais, em Goiânia. Os dois pagamentos somam R$ 275 mil.
Em comparação, parlamentares têm direito a ajuda de custo de R$ 40 mil no início e no fim da legislatura, a cada quatro anos, para auxiliar as mudanças para Brasília.
Se a origem ou destino for uma cidade considerada de Categoria A, cujo deslocamento é mais complexo, o valor sobe para quatro vezes o salário do militar. O dinheiro será cortado pela metade se o beneficiário não tiver filhos.
A maior ajuda de custo é dada ao militar quando vai para a reserva. O valor, estabelecido por lei, é de oito vezes o último salário de seu último posto —saldo que chega a R$ 300 mil em caso de generais quatro estrelas.
Além do auxílio, os militares aposentados continuam a receber o salário integral, valor bruto que ultrapassa R$ 30 mil caso chegue aos últimos postos da carreira.
Os militares também contam com direito a uma indenização para o transporte de seus pertences. Os valores gastos com as movimentações podem ser repassados diretamente aos fardados; ou as organizações militares contratam empresas para realizar o serviço.
Como as tabelas que definem os valores para a indenização estão defasadas, a maioria dos militares escolhe a segunda opção, para evitar prejuízos.
A justificativa apresentada por generais ouvidos pela Folha é que o valor de cerca de R$ 300 mil equivaleria ao pagamento do FGTS, ao qual os oficiais e praças não têm direito. O FGTS, porém, é pago aos trabalhadores após desconto no contracheque, o que não ocorre com os militares.
O Exército afirmou, em nota, que os repasses feitos aos militares estão todos previstos em lei.
“O Decreto nº 4.307, de 18 de julho de 2002, dispõe sobre a remuneração dos militares. Em seu inciso I do art. 55, estabelece que a ajuda de custo é devida ao militar e serve para atender despesas com locomoção e instalação, excetuando as despesas de transporte, que estão abrangidas na indenização de transporte regulada no art. 23 e seguintes do mesmo dispositivo legal”, diz.
“A indenização de transporte é sujeita à comprovação posterior, podendo o militar também optar por requisição da contratação de uma empresa licitada diretamente pela Região Militar de origem. Em relação à ajuda de custo, esta é devida ao militar para cobrir todas as despesas necessárias com a mudança de sede e instalação no novo destino”, completa.
A Folha consultou seis generais —sendo quatro da ativa— para ouvir as explicações sobre os gastos com as mudanças. Todos decidiram falar sob reserva.
Os militares afirmam que os custos costumam ser mais baixos que os valores repassados pela Força, mas justificam que a carreira é cheia de percalços, com mudanças de cidades constantes, e que a instabilidade da profissão causa prejuízos às famílias.
Alguns deles dizem que a ajuda de custo só é efetivamente benéfica para quem está no topo da carreira e os pagamentos representam uma compensação aos malefícios inerentes às mudanças.
Além disso, os fardados afirmam não receber pelas horas extras trabalhadas, portanto, teriam remunerações menores que as devidas. Os generais ainda afirmaram ter mudado de cidade cerca de 20 vezes durante a carreira, com restrições para conseguir outras fontes de recursos.
A pós-doutoranda em ciências políticas da Unicamp Ana Penido, pesquisadora sobre as Forças Armadas, afirma ser importante criar carreiras de civis no Ministério da Defesa e ampliar a discussão sobre a política nacional de defesa para que o orçamento dos militares seja rediscutido.
“Quando se abre o orçamento de Defesa, é quase tudo RH (recursos humanos). Está gastando mais com pessoal, e não com equipamento, tecnologia, pesquisa ou outra coisa. É um poço sem fundo: quanto mais pedem dinheiro, mais eles gastam com eles próprios”, disse.
Ela destaca ainda que as carreiras militares já são altamente visadas, com concorrências de quase 100 candidatos por vaga em concursos da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).
Para Ana Penido, criar ou aumentar benefícios para a carreira —como os altos valores para as movimentações militares— não deveria servir como uma compensação pelas dificuldades inerentes à carreira.
“Tem movimentações que são penosas para a família [do militar]. Se vai servir na fronteira, leva a esposa, o filho, ou não? […] Mas são situações que são próprias da carreira militar e devem ser consideradas na hora de escolher a profissão. Dar benefícios financeiros para além das já boas aposentadorias não deveria ser uma estratégia para a política de defesa de um país”, conclui.
O Ministério da Defesa paga cerca de R$ 1 bilhão por ano em despesas com as movimentações de militares, segundo dados do orçamento. Esse valor se refere apenas ao que é distribuído quando um militar muda de posto em qualquer uma das Forças Armadas, sem contar a ida para a reserva.
Em 2022, a maioria do recurso foi destinada ao Exército (R$ 615 milhões). O governo ainda pagou R$ 279 milhões em movimentações de militares da Marinha e mais R$ 145,2 milhões para integrantes da Aeronáutica.
Esse tipo de recurso, em tese, é reservado para o pagamento de ajuda de custo, além do transporte de bagagem e mobília e de passagens do militar e familiares.
O valor é calculado a partir do salário do militar, o local de destino, se ele tem dependentes e o volume da bagagem. Os valores sobem para mudanças de país.
Dados da execução do orçamento mostram pagamento de R$ 118 mil apenas no transporte da bagagem de um militar transferido de Bogotá para Brasília em 2023.