Especial: Feira Central de CG será tema do Salão de Artesanato
Um labirinto de bancos, produtos, mercadores, compradores e histórias que se confundem com a própria existência da cidade. A Feira Central de Campina Grande é mais do que uma área propícia a se conseguir um preço baixo após uma rápida negociação, com argumentos que vão desde a garantia de que o cliente está levando a melhor mercadoria, até a certeza de que o pagamento pode ser feito em espécie, pix, débito, crédito ou no famoso e antigo fiado. Sim, até mesmo essa modalidade sobrevive nessa feira para garantir a fidelidade do bom freguês, sustentada também pelo hábito de comprar ao mesmo feirante há anos. (via Jornal A União)
Os cadernos com as anotações são guardados, com o mesmo zelo, ao lado das maquinetas de cartões. Essas são alguns particulares da mais famosa Feira da Rainha da Borborema, que esse ano será tema da 36ª edição do Salão do Artesanato, marcado para começar dia 8 de junho.
Em seus estreitos corredores, ruas e becos chegam a circular aos sábados cerca de 85 mil pessoas, amontoando-se nas vias abarrotadas de mercadorias. Ao longo dos seus 75 mil metros quadrados, pode-se encontrar de um tudo. Por isso que dentro dela, com o passar das décadas, foram surgindo pequenas feiras, como a das flores, das carnes, dos queijos, de roupas, de artesanato, dos cereais, das frutas, a de troca, de farinhas, das galinhas. Nos seus corredores e ruas também é possível provar da culinária, com alimentos que começaram a ser preparados ainda durante a madrugada para serem consumidos pelos visitantes e feirantes que dão início a sua jornada de trabalho antes mesmo dos primeiros raios de sol. “Cheguei aqui acompanhado do meu pai em 1983 e desde então construí minha vida e a da minha família. Casei, tive quatro filhos e comprei minha casa com o que ganhei vindo trabalhar aqui todos os dias”, lembrou a vendedora de frutas, Margarida Andrade de Oliveira. Ela chega ao local sempre as 4h30, com a esperança de um dia produtivo de vendas.
Alguns becos depois de sua banca está a do seu irmão, Domingos Salvino, um verdadeiro especialista em farinha. Hoje, aos 56 anos, ele lembra que comercializa o produto desde os 15 anos de idade e lembra que já viu de tudo na Feira Central. “Aqui a vida acontece e a história é registrada. Vivemos dentro de uma mini cidade e sou feliz em poder estar aqui todos os dias. Apesar das dificuldades não penso em parar de trabalhar e muito menos de sair daqui”.
O ponto inicial desse grande comércio ao ar livre ocorreu no Sítio Barrocas, onde hoje é a rua Vila Nova da Rainha, se estendendo até o Açude Velho. Esse local era considerado porta de entrada para os que vinham do Sertão e Cariri e de outros estados, a exemplo de boiadeiros e tropeiros. Esses encontros para comercializar produtos como farinha de mandioca, ocorriam sempre aos domingos, e depois passou a ser aos sábados.
Conforme o diretor da Feira, Agnaldo Batista, são mais de oito mil pessoas trabalhando de segunda a sábado, em 4,4 mil pontos comerciais que há tempos já extrapolaram os limites do mercado municipal. Ela hoje está presente do início da rua Vila Nova da Rainha, até a avenida Canal, passando pela Quebra Quilos, Major Juvino do Ó, e chegando na Tavares Cavalcante, entre outras vias.
A ideia de homenagear a feira, dando-a como tema da 36ª edição do Salão do Artesanato, ocorreu por toda importância que ela tem não só para Campina Grande, como para milhares de pessoas de outras cidades que a frequentam desde o seu surgimento. A secretária e Desenvolvimento Econômico e Turismo Rosália Lucas, lembrou que enquanto responsável pela pasta municipal, elaborou e colocou em prática projetos de valorização do local e dos feirantes. “Apresentei a ideia de termos a feira como tema ao governador João Azevedo e ele acatou de imediato”.
Para ela, o local não é apenas um simples ponto comercial. “A feira é cultura, é história, com personagens que fazem parte da nossa vida. Frequentar o local é como se nós estivéssemos entrando em um portal que nos leva de volta ao passado, onde encontramos elementos e tradições que estiveram tão presentes na nossa infância. Obviamente, temos itens da modernidade, mas nela encontramos coisas que há muitas décadas passaram a ser comercializadas e ainda continuam. Campina nasceu da feira Central, das tropas de burro que por lá paravam pela localização estratégica, e que até hoje é um entreposto comercial forte e pujante”, afirmou.
A secretária lembrou ainda de suas memórias afetivas com o local. “Faz parte a minha infância. Meu avô adorava fazer a feira lá, comprava o quebra queixo, doce de batata doce. Até hoje quando compro para os meus pais e minha casa, remonta esse gostinho dessa infância de sabores da feira. Lembro ainda das bonecas de pano que brinquei muito. Nesse pequeno resgate percebemos como o artesanato é a própria feira, com seus carrinhos de rolimã, caminhões de madeira, as mini vassourinhas, o pião de madeira, panelas de barro, arupembas, suas comidas. É toda uma lembrança lúdica”.
O Salão acontecerá de 8 de junho a 2 de julho. “A Feira Central de Campina Grande é um celeiro de inúmeras possibilidades criativas. Ter a Feira como inspiração para o nosso evento foi uma tempestade de ideias positivas. O Salão dessa vez vai mostrar muito além do que seria apenas a produção artesanal presente no local, ele será uma explosão cultural de cores, sabores, aromas e sentidos onde o visitante do Maior São João do Mundo se surpreenderá a cada momento”, destacou a gestora do Programa de Artesanato da Paraíba, Marielza Rodriguez.
A história da feira
A pesquisadora e coautora do livro História de Campina Grande: de aldeia metrópole, Ida Steinmuller, informou que o surgimento da feira da cidade remonta as suas origens. Como a povoação ficava no entroncamento das principais estradas reais que ligavam o centro administrativo da Capitania (hoje João Pessoa) às povoações dos sertões da Paraíba e Rio grande do Norte, com a passagem constante de boiadeiros, tangerinos, trovadores, poetas, ciganos, agricultores, mascates e aventureiros, se desenvolveu uma feira de rua em Campina, tomando a rua da igreja.
“Em 1826, o comerciante Baltazar Luna ergueu um prédio de mercado nessa mesma rua, no lugar onde hoje está o prédio sede da Fundação Regional do Nordeste (FURNe), e os feirantes passaram a ocupar esse mercado e suas cercanias. Já em 1862, o coronel Alexandrino Cavalcanti de Albuquerque Bello veio se estabelecer na cidade e construiu um novo mercado dessa vez na Rua Grande (atual Rua Maciel Pinheiro), maior do que o de Baltazar Luna”, lembrou, acrescendo que este empreendimento novo era comercialmente estratégico, pois se localizava próximo ao entroncamento com as grandes estradas do Seridó e do Sertão, e atraiu para lá os feirantes.
A feira, com o tempo, foi tomando toda a atual Rua Maciel Pinheiro, que se tornou o coração mercantil da cidade. “Ela se manteve nessa via até 1938, mas foi ficando densa e se transformou em problema, pois os comerciantes e moradores do centro sentiam as inconveniências de uma feira, com seus toldos ocupando ruas e calçadas, lama, cascas de frutas, moscas, cavalos e, sobretudo, as prostitutas circulando livremente pelas ruas. Eram tantas as queixas que em 1938 o prefeito da cidade, Bento Figueiredo, resolver transferir a feira para longe do centro, mandando erguer um novo Mercado Público no sítio Piabas, que era uma área periférica de currais, capinzais e casas de tolerância, que se estendia dos fundos da Igreja Matriz até o riacho das Piabas”. E é nesse local que a feira se mantém, como uma das maiores referencias de comércio livre e expressão cultural de todo país.
Giovannia Brito, do Jornal A União