Procuradores tentam blindagem contra decisão de Toffoli, mas admitem entraves
Procuradores da República devem recorrer da decisão do ministro Dias Toffoli que invalidou o uso de provas oriundas dos acordos de leniência da Odebrecht. Sem expectativa real de conseguir reverter esse ponto da decisão, eles tentam blindar os membros do MPF (Ministério Público Federal) de possíveis punições na esfera civil e criminal.
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, a entidade estuda a melhor saída jurídica para o recurso no Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com Cazetta, a ofensiva deve ser feita em conjunto com a Ajufe, entidade dos juízes federais, já que magistrados também podem ser atingidos pela decisão.
Estão em estudo embargos de declaração, que são recursos em tese para esclarecimento de dúvidas, ou um agravo, que seria submetido à Segunda Turma do STF, da qual Toffoli faz parte.
Na quarta-feira (6), o ministro determinou que as provas oriundas dos acordos de leniência da Odebrecht e também dos sistemas Drousys e MyWebDay —respectivamente de comunicação interna e de contabilidade e controle de pagamentos de vantagens indevidas— são imprestáveis em qualquer âmbito ou grau de jurisdição.
A decisão foi proferida em ação inicialmente movida em 2020 pelo presidente Lula (PT) e vale para todos os processos que usem tais provas. A representante do petista no caso hoje é Valeska Zanin Martins, esposa do ministro Cristiano Zanin, que advogou para o presidente nos processos da Lava Jato.
Em sua decisão, Toffoli também ordenou a diversos órgãos, como a PGR (Procuradoria-Geral da República) e o TCU (Tribunal de Contas da União), a apuração da responsabilidade de agentes públicos que atuaram na celebração dos acordos de leniência para eventual responsabilização nas esferas funcional, civil e criminal.
Determinou ainda à AGU (Advocacia-Geral da União) imediata apuração para eventual responsabilização civil pelos danos causados pela União e por seus agentes.
Em seguida à decisão do ministro, a AGU, que faz a representação jurídica do governo, anunciou a criação de uma força-tarefa para apurar eventuais desvios de agentes públicos por decisões contra Lula na Lava Jato.
O órgão diz que irá “promover a reparação de danos causados por decisões proferidas pelo Juízo da 13ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Curitiba-PR, contra Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente da República, bem como por membros do Ministério Público Federal no âmbito da chamada ‘Operação Lava Jato‘”.
O Supremo já vinha declarando as provas dos sistemas da Odebrecht como imprestáveis em resposta a pedidos individuais feitos pelas defesas.
As decisões sobre o caso vinham sendo dadas pelo então ministro Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, em procedimentos que foram herdados por Dias Toffoli.
As decisões implodiram casos restantes dos diversos braços da Lava Jato espalhados pelo país e beneficiaram alvos que incluem o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD).
Inicialmente, a pedido da defesa de Lula, à época comandada por Zanin, Lewandowski havia interrompido ações contra o petista sob o argumento de que a integridade das provas oriundas desses sistemas estava corrompida, sobretudo porque os arquivos foram transportados de forma inadequada.
Em mensagens trocadas sobre o tema, que foram acessadas por hackers e mais tarde obtidas na Operação Spoofing, procuradores disseram que os arquivos foram manuseados em sacolas de supermercado, sem cuidados com a sua preservação.
É por causa desses precedentes que Cazetta avalia ser improvável a reversão da invalidação das provas oriundas da delação. A mesma expectativa, diz ele, não se aplica ao que extrapola esse ponto.
A ANPR deve argumentar no recurso ao Supremo que as questões relativas à conduta dos procuradores já tinham sido remetidas por Lewandowski à Corregedoria-Geral do MPF e à Corregedoria Nacional do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).
Segundo a entidade, os órgãos não encontraram irregularidade e tal conclusão foi comunicada ao STF, mas não consta da decisão de Toffoli.
A associação de procuradores argumenta ainda que a AGU e o TCU não têm atribuição de investigar membros do Ministério Público e do Judiciário no exercício de suas funções.
Nota da entidade classificou como legal os procedimentos adotados pelos procuradores em colaboração com autoridades de outros países.
“É preciso ficar claro que o objeto da decisão é a validade ou não das provas no caso do presidente Lula”, diz Cazetta.
A ANPR ainda rebateu ainda o uso da palavra tortura pelo ministro do Supremo para se referir à Lava Jato.
“Não é razoável (…) pretender-se imputar a agentes públicos, sem qualquer elemento mínimo, a prática do crime de tortura ou mesmo a intenção deliberada de causar prejuízo ao Estado brasileiro”, diz nota divulgada pela associação.
Na decisão, repleta de acenos a Lula, Toffoli escreveu que agentes envolvidos na operação “desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade e fora de sua esfera de competência”.
“Enfim, em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, um pau de arara do século 21, para obter ‘provas’ contra inocentes”, continuou.
A organização Transparência Internacional também se manifestou sobre a decisão de Toffoli e disse que ela terá um “efeito sistêmico”, resultando na impunidade generalizada em centenas de casos.
A entidade comparou a atuação do ministro a outra decisão dele, em 2019, que acatou pedido da defesa de Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para invalidar o uso de dados no Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e também teve efeito cascata em outras investigações de corrupção.
“Ainda é possível que o STF corrija novamente a decisão do ministro antes que se concretizem seus efeitos sistêmicos” e o país sofra danos em sua reputação internacional, diz a ONG.
O ex-juiz Sergio Moro, hoje senador pela União Brasil-PR, e o ex-procurador Deltan Dallagnol também criticaram a medida do ministro do Supremo. Deltan afirmou que o governo Lula está aparelhado para perseguir adversários. Os dois foram os principais símbolos da operação deflagrada no Paraná e deixaram seus cargos para entrar na política.
Transcrito da Folha de S. Paulo