Nem Lula nem Bolsonaro será prefeito de SP, diz Tabata sobre Boulos e Nunes
Falando abertamente como pré-candidata a prefeita pela primeira vez, Tabata Amaral (PSB) disse que a decisão soberana em 2024 caberá ao eleitor e minimizou a influência dos padrinhos de seus principais adversários, Guilherme Boulos (PSOL) e Ricardo Nunes (MDB).
“Não vai ser o Lula nem o Bolsonaro o próximo prefeito de São Paulo“, disse a deputada federal em entrevista à Folha, citando os apoiadores de seu colega de Câmara e do atual prefeito.
Tabata enalteceu o apoio de seu partido e se disse empenhada em conversar com outras legendas em busca de alianças. Só veta diálogo com siglas de sustentação ao ex-presidente, mas não descarta buscar o voto de bolsonaristas que, assim como ela, achem que a cidade “merece mais”.
A deputada obteve 11% de intenções de voto no Datafolha, atrás de Boulos, com 32%, e Nunes, com 24%. Os dois pré-candidatos também concederam entrevistas publicadas nas últimas semanas.
Essa decisão é sempre coletiva. Diferentemente de outras pessoas que saíram e falaram “eu sou candidata”, para mim era importante viver um processo dentro do partido, ouvindo especialistas, conversando com outros partidos.
O porquê disso tem muito de inconformidade. A cidade não está bem, está funcionando para um grupo pequeno de privilegiados. A divisão não é só na questão esquerda e direita, mas é como se houvesse duas cidades: uma é a da periferia, na qual eu cresci, e outra é a dos shows, das oportunidades, cosmopolita.
Por que a sra., diferentemente de Boulos e Nunes, ainda não colocou a pré-campanha na rua?
Sou muito diferente dessas duas figuras. Nenhum dos dois projetos me representa. Eu me reelegi, fui a segunda mulher mais votada do Brasil nas duas vezes e sinto uma responsabilidade grande de honrar os votos que recebi. Para mim, este não é um ano de eleição.
Nasci e moro em São Paulo. Muitas coisas do meu trabalho do dia a dia dialogam com os problemas da cidade. Não preciso colocar uma faixa de candidata a prefeita para conversar com as pessoas, responder aos problemas. É uma diferença de postura. Sinto que as pessoas estão cansadas disso, de eleição o tempo todo, [acabar] uma eleição pensando na outra. Mas a gente não está parado.
A sra. já chamou Boulos de radical e aponta incompetência de Nunes em várias áreas. O que pensa sobre eles?
Tenho discordâncias profundas na forma e no conteúdo com os dois, mas eles são muito diferentes entre si. Como prefeita, vou ter que dialogar com Tarcísio [de Freitas, governador] e com Lula. Tem que ter mais diálogo, e não vejo o Boulos representando isso, pela postura, pela fala dele.
Boulos tem feito esforço para soar moderado. Que radicalismo vê nele?
Boulos, ao longo de sua história, já teve posicionamentos com os quais discordo em absoluto. Talvez a diferença maior seja que, para mim, os fins não justificam os meios. Mas, se me perguntar se acho que o radicalismo é o maior problema do Boulos, não acho. O maior é a falta de seriedade e maturidade.
Se você quer conversar e resolver o problema, não pode ir no Twitter e romper a ponte com alguém que está posto [eleito]. A questão da Sabesp não vai ser resolvida se não dialogar com o Tarcísio. No transporte, o debate da tarifa zero não vai ser feito se não conversar com o governador e com o governo federal.
Quando falo de extremos, não é no sentido de ter medo do bicho-papão. Não faço esse jogo de rede social. Pelo contrário, é mostrar que é muito complexo ficar brincando de que vai resolver as coisas.
E sobre Nunes?
Vou ser muito cuidadosa aqui, mas o Nunes não é prefeito de São Paulo. A população não votou nele. Ele é resultado de um arranjo político. É uma figura que carrega acusações graves, de violência doméstica, de envolvimento com corrupção e máfia das creches. E é alguém que fica pequeno na cadeira de prefeito. A forma como ele usa os R$ 35 bilhões que a cidade tem em caixa demonstra isso.
E, entre os dois, onde a sra. entra?
Nada me convence de que são essas figuras que dialogam com o momento que São Paulo está vivendo. O que eu espero propor? Que a gente tenha uma cidade em que o filho do rico e o filho do pobre tenham a mesma oportunidade. São Paulo merece mais. Não está nem em discussão ter a melhor educação do Brasil. Só se fala do mais básico, que é asfalto.
Estão se formando dois polos, um à esquerda e outro à direita. A sra. vai para onde?
Tem um apoio que está em disputa que é o apoio do povo. Claro que as pessoas querem saber quem o Lula, o Bolsonaro e o Tarcísio estão apoiando, mas querem saber mais do que isso. Falar do corte de água na periferia, da qualidade do transporte público e da educação também vai ser levado em conta.
Como planeja se mover no terreno da polarização ideológica?
Há um sentimento, que eu vejo nas ruas, de um cansaço com essa rixa que é a aposta tanto do Boulos quanto do Nunes. As pessoas querem um pouco mais. Um número que me chamou a atenção na pesquisa Datafolha são os 50% que não estão comprando a polarização Nunes/Boulos.
Pretende buscar eleitores bolsonaristas?
Eu estou aqui para disputar absolutamente todos os votos.
A sra. fala que nunca teve padrinhos na política. Pela sua lógica, seu padrinho é o povo?
Para deixar claro: votei no Lula no primeiro e no segundo turno. Sempre tive muita clareza de qual era o meu lado. Não tenho vergonha dos apoios que dei, diferentemente do prefeito.
A eleição agora não é entre Lula e Bolsonaro. Boulos não é Lula. Nunes não é Bolsonaro. Nenhum dos dois eu vejo dialogando com esse sentimento de transformação profunda que a cidade quer. O Datafolha mostrou que 79% esperam ações diferentes do próximo prefeito. Não vai ser o Lula nem o Bolsonaro o próximo prefeito de São Paulo.
Concorrer sem o apoio de Lula é positivo ou negativo?
O presidente Lula é uma grande liderança. Acho que todo mundo com juízo gostaria de contar com o apoio dele. Mas não é só isso que define o voto. Especialmente quando o povo sabe que um prefeito tem condições muito concretas de mudar o seu dia a dia, de melhorar sua qualidade de vida.
Sua candidatura também é uma estratégia para o PSB se firmar e se descolar do PT?
Pegando emprestadas as palavras do presidente [do partido, Carlos] Siqueira: o PSB é um partido grande, com história e trajetória própria, e que tem coragem de se posicionar em questões nas quais uma parcela da esquerda ainda se agarra a ideias muito ultrapassadas. O PSB é um dos poucos partidos que se posicionam contra as ditaduras da Nicarágua, da Venezuela e por aí vai.
O presidente Siqueira coloca que as candidaturas principais vão ser São Paulo e Recife [onde o namorado de Tabata, João Campos, tentará a reeleição]. São pessoas novas, que trazem ideias diferentes. Isso nos ajuda a traduzir o que é o PSB.
Com que partidos tem conversado em busca de alianças?
Converso com todo mundo. Com os partidos que não se decidiram ainda, com os que estão hoje com Boulos e com Nunes, com exceção do bolsonarismo, porque o que eu sonho para São Paulo não combina com o que o Bolsonaro representa.
Há algum veto a uma eventual aliança com o PDT [partido do qual saiu brigada com a cúpula]?
De jeito nenhum, converso com o PDT também.
Na questão da cracolândia, a sra. tem a visão de alguém que teve o pai dependente de crack e o perdeu por causa da dependência em drogas e álcool. Vê isso como um diferencial para lidar com o tema?
A cracolândia é um debate que mostra a falta de seriedade de muitos políticos com o povo. Tem um lado que só enxerga os bandidos —e tem bandido na cracolândia. Tem um lado que só enxerga quem está doente e se recusa a usar a palavra bandido. Por isso ninguém mais acredita que absolutamente nenhum candidato vai resolver o problema. Ninguém vai resolver se escolher uma bala de prata eleitoreira.
Perdi meu pai para o crack quando eu tinha 18 anos. Ele nunca conseguiu uma vaga [de internação] pelo serviço público. Ele nunca teve envolvimento com tráfico, sempre quis se internar. E ele poderia estar aqui se a gente tivesse coragem de fazer esse debate. Quando eu tenho uma posição mais centrada no concreto, mais de centro, que é “vamos resolver, ter responsabilidade com o dinheiro”, é a minha história.
A sra. acionou o Tribunal de Contas do Município para suspender a entrada da capital nas Uraes (Unidades Regionais de Saneamento Básico), um passo rumo à privatização da Sabesp. É contra a privatização da empresa?
Eu não vou me sossegar enquanto a Sabesp não mudar sua política discriminatória na periferia. Não dá para fazer um debate de privatização enquanto um serviço público, que deveria ser de qualidade, falta a quem mais precisa.
Não estou aqui para interditar nenhum debate. Mas preciso ser convencida de que não vai piorar a situação. Porque acho que vai piorar. Hoje as pessoas mais vulneráveis estão sendo excluídas, que dirá no modelo de privatização.
Como pretende reverter a crítica à sua inexperiência no Executivo?
Não acho que existe isso de ser novo demais ou velho demais para fazer o que é certo. Estou na rua para juntar o melhor time e as melhores ideias.
Como está se preparando para os ataques durante a campanha, tendo em vista que a sra. tem um histórico de ter sofrido machismo na política?
As pessoas são violentas, elas me atacam, me ameaçam. Infelizmente, isso não mudou. Não é em primeira instância porque sou mulher e jovem, mas porque estou trabalhando, estou sendo diferente. Eu ocupo esse lugar muito especial de incomodar a esquerda e a direita. O que posso responder é: sinto muito, mas vou continuar sendo movida por essa inconformidade que eu carrego.
RAIO-X | TABATA CLAUDIA AMARAL DE PONTES, 29
Cientista política e astrofísica, é formada em Harvard, criou a ONG Mapa Educação e foi cofundadora do Movimento Acredito, de renovação política. Eleita deputada federal por São Paulo em 2018, saiu do PDT após votar a favor da reforma da Previdência e migrou para o PSB, partido pelo qual se reelegeu em 2022, com 337.873 votos (sexta mais votada no estado). É presidente municipal do PSB e pré-candidata à Prefeitura de São Paulo em 2024