Morre Franz Beckenbauer, lenda do futebol alemão e mundial
Franz Beckenbauer, um dos maiores jogadores da história do futebol, morreu aos 78 anos nesta segunda-feira (8). Capitão da Alemanha Ocidental na conquista da Copa do Mundo de 1974, ele voltou a vencer o torneio em 1990, também com a Alemanha Ocidental.
A morte foi comunicada pela família, que não deu detalhes sobre a causa, apenas informando que “Franz partiu em paz, dormindo”. Ele vinha enfrentando problemas de saúde. Segundo o jornal “Der Spiegel”, havia passado por duas cirurgias cardíacas e perdido a visão de um dos olhos.
Beckenbauer é um dos únicos três que obtiveram a glória maior do futebol em campo e à beira do gramado. Zagallo, que morreu na última sexta (5), aos 92 anos, foi campeão do mundo como jogador do Brasil em 1958 e em 1962, antes de erguer a taça como técnico em 1970. O francês Didier Deschamps festejou como atleta em 1998 e como treinador em 2018.
Mais celebrado futebolista de seu país —à frente mesmo de nomes marcantes como Rahn, Gerd Müller, Rummenigge, Matthäus, Lahm e Neuer—, Beckenbauer disputou 103 partidas e marcou 14 gols pela seleção. O porte elegante e a liderança em campo lhe renderam o apelido Der Kaiser (O Imperador).
“Sou Franz, não o Kaiser”, reclamava ele, um tanto incomodado com o cognome que lhe foi imputado no fim da década de 1960 por um jornal. Ele foi fotografado em Viena ao lado da estátua de um antigo imperador austríaco, Franz Joseph 1º, e logo imprensa e torcedores encamparam a novidade —a analogia era perfeita.
O desconforto acabou passando no decorrer dos anos, tanto que em seu Twitter, atual X (@beckenbauer), estampava no topo da página, ao se apresentar: “Some call me #Kaiser” (“Alguns me chamam de Kaiser”).
Beckenbauer, 1,81 m, ostentava um estilo clássico, de encher os olhos. Jogava sempre de cabeça erguida e distribuía passes e lançamentos precisos. Zagueiro, destro, não era somente um excelente marcador ou organizador.
É reconhecido como o primeiro grande líbero do futebol moderno: sua visão de jogo, versatilidade, autoconfiança e inteligência privilegiada o permitiam lançar-se de surpresa ao campo adversário.
Seu talento e capacidade física e técnica afloravam, e ele partia para o ataque com impressionante velocidade, driblando e tabelando, arriscando a gol de fora da área com frequência.
E o fazia muito bem —e com as duas pernas. Marcou assim, em chute de canhota de antes da meia-lua, na semifinal da Copa de 1966, na Inglaterra, superando o mitológico goleiro soviético Lev Iashin, o Aranha Negra.
Nesse seu primeiro Mundial, aos 20 anos, magrelo e com cabelos curtos (tempos depois adotou o visual “cabeludo e com costeletas”), anotou quatro vezes, algo surpreendente para um defensor, duas delas logo na estreia, na goleada de 5 a 0 na Suíça, e uma nas quartas de final, contra o Uruguai (driblou o goleiro e quase entrou com bola e tudo), além do já citado gol na União Soviética.
Quatro anos depois, anotou mais uma vez em um Mundial, iniciando na metade do segundo tempo das quartas de final uma pouco provável reação da Alemanha, que perdia de 2 a 0 da Inglaterra. O gol deu força aos germânicos, que empataram, levaram a partida para a prorrogação e fizeram 3 a 2, vingando-se do algoz na decisão da Copa de 1966.
Raça e determinação eram características que não lhe faltavam. É reconhecido como um dos momentos mais emblemáticos de sua carreira a partida semifinal da Copa do Mundo de 1970, no estádio Azteca, no México.
Atuou em boa parte do chamado Jogo do Século (Itália 4 x 3 Alemanha, na prorrogação) com parte do corpo imobilizado, o braço direito em uma tipoia, depois de ter fraturado a clavícula ao sofrer uma falta violenta do beque italiano Pierluigi Cera, que interrompeu uma arrancada do craque alemão rumo ao gol aos 23 minutos do segundo tempo.
Outros quatro anos se passaram, e nesse ínterim houve a conquista de uma Eurocopa (em 1972), para que Beckenbauer vivesse o maior momento de sua carreira futebolística. Em seu país, com a tarja de capitão e desta vez com a camisa 5 (usou o número 4 nas Copas anteriores), levantou a novíssima Taça Fifa no estádio Olímpico de Munique.
Ele não fez gol, mas, sob sua liderança, a Alemanha exibiu um futebol sólido, de força e competência, que fez sucumbir na final o mágico Carrossel Holandês e culminou com a obtenção do triunfo em sua cidade natal.
Nascido na combalida Munique pós-Segunda Guerra em 11 de setembro de 1945, Franz Anton Beckenbauer foi um entre tantos garotos alemães que se inclinaram para a prática do futebol na esteira do primeiro título mundial do país, na Suíça, em 1954.
Começou a jogar aos nove anos, no clube SC Munich ’06, e, aos 14, transferiu-se para o Bayern de Munique. Admitiu, entretanto, que torcia para o rival 1860 Munich e que sonhava em vestir sua camisa.
Acabou optando pelo Bayern depois de, na decisão de um torneio sub-14 entre o SC e o 1860, ter se desentendido e trocado agressões com um adversário. Não havia mais clima para juntar-se ao time do coração.
Beckenbauer jogou e brilhou no gigante da Baviera de 1964 a 1977, com mais de 400 jogos, seis dezenas de gols, três títulos da Copa dos Campeões (1974-1976, todos como capitão, um feito único), um título mundial (a Copa Intercontinental de 1976, suplantando o Cruzeiro de Raul, Piazza e Jairzinho), quatro do Campeonato Alemão e outros quatro da Copa da Alemanha, além de uma Recopa Europeia.
Em 1977, seduzido pelos dólares norte-americanos, abdicou de seu reinado no Bayern e se juntou a Pelé no Cosmos de Nova York, na tentativa dos Estados Unidos de popularizar o “soccer”. Em quatro temporadas, sagrou-se campeão três vezes.
De volta à Alemanha, defendeu por dois anos o Hamburgo, conquistando um Campeonato Alemão. Antes de parar de jogar, em 1983, atuou de novo pelo Cosmos.
Chuteiras penduradas, iniciou a carreira de treinador e de cara assumiu a seleção alemã. De 1984 a 1990, foram duas finais de Copa do Mundo, ambas contra a Argentina: derrota por 3 a 2 em 1986, vitória por 1 a 0 em 1990.
Após a conquista em Roma, Beckenbauer fez questão de enaltecer, com segurança e orgulho, o próprio trabalho: “Jogamos bem os sete jogos, fomos sempre os melhores”.
Nessa geração, Lothar Matthäus era a personificação de Beckenbauer em campo, quase um “clone” do futebol eficiente e completo do Kaiser. Mas o ótimo Matthäus era a continuação, a parte 2, e, como nos filmes, o original é, 99% das vezes, imbatível.
Beckenbauer também comandou o Bayern —clube do qual desde 2009 era o presidente de honra— em 1993-1994 e 1996, e o Olympique de Marselha, em 1990-1991. E esteve à frente do Comitê Organizador da Copa da Alemanha, em 2006, uma das mais bem-sucedidas, organizacional e financeiramente, da história.
FRASES
“Apesar de não ter vivido ontem [na final da Copa de 1974] uma de suas melhores tardes, Cruyff continua a ser o melhor jogador do mundo.”
Julho de 1974
“Fomos sempre os melhores. Não havia nenhuma seleção capaz de chegar ao nível a que chegamos. Jogamos bem os sete jogos [da Copa de 1990], e alguns deles foram maravilhosos.”
Julho de 1990
“Com seus dois gols, Ronaldo definiu o título [da Copa de 2002] a favor da seleção brasileira [contra a Alemanha]. Ninguém consegue manter em silêncio um jogador dessa categoria durante os 90 minutos de uma partida.”
Em julho de 2002
“Você não sabe quão exigente é organizar um Mundial até você se tornar parte da equipe organizadora. A Copa do Mundo é bem mais do que 64 jogos de futebol.”
Junho de 2006
“O maior [jogador da história], na minha opinião, é Pelé. Como pessoa, você deve ser íntegro na sua vida, e Maradona sempre cometeu excessos.”
Em outubro de 2008
“Nos anos 1960 e 1970, o jogo era muito mais duro. Se Messi tivesse pela frente um especialista [na marcação] como Berti Vogts [campeão com a Alemanha em 1974], ele seria destruído.”
Em maio de 2011
“Lembro-me do time brasileiro da Copa de 1970. Carlos Alberto, Tostão, Jairzinho… Era um sonho ver aquele time jogando. Meu herói era Pelé.”
Em março de 2013
RAIO-X
Nome: Franz Anton Beckenbauer
Nascimento: 11 de setembro de 1945, em Munique (Alemanha)
Altura: 1,81 m
Peso: 77 kg
Posição: Zagueiro/Volante/Líbero
Casamentos: Brigitte (1966-1990), Sybille (1990-2004) e Heide (desde 2006)
Filhos: Stephan, Thomas, Francessca, Noel e Michael
CLUBES
Bayern de Munique (1964-1977)
427 jogos, 60 gols
Cosmos (1977-1980 e 1983)
132 jogos, 21 gols
Hamburgo (1980-1982)
28 jogos, 0 gol
SELEÇÃO
103 jogos, 14 gols (1965-1977)
PRINCIPAIS CONQUISTAS
1 Copa do Mundo
1 Eurocopa
1 Mundial (Copa Intercontinental)
3 Ligas dos Campeões da Europa
1 Recopa europeia
4 Campeonatos Alemães
4 Copas da Alemanha
3 Campeonatos dos EUA
PRÊMIOS INDIVIDUAIS
2 Bolas de Ouro (melhor jogador da Europa)
4 vezes melhor jogador do ano na Alemanha
NA PRANCHETA
Treinou a Alemanha (1984-1990). Ganhou a Copa do Mundo de 1990 e foi vice na de 1986
Treinou o Olympique de Marselha (1990-1991)
Treinou o Bayern de Munique (1993-1994 e 1996). Ganhou um Alemão e uma Copa da Uefa
EXTRACAMPO
Presidente do Comitê Organizador da Copa da Alemanha-2006
Fonte: Folha de S. Paulo/UOL
Foto: Reprodução/portal Folha