Projeto pioneiro analisa mortalidade materna e seus impactos sociais nos estados de Pernambuco, Paraíba e Alagoas durante a pandemia de Covid-19
Pesquisa interdisciplinar financiada pelo CNPq vai abordar dados quantitativos e qualitativos do aumento da morte de gestantes durante a pandemia
Um estudo pioneiro no Brasil vai se debruçar sobre as causas, circunstâncias, características e impactos sociais de mortes maternas durante a pandemia de covid-19 nos estados de Pernambuco, Paraíba e Alagoas. O projeto “Análise das Mortes Maternas e Impactos Sociais no contexto da Covid-19” (AMMISC), que é interdisciplinar e tem financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), envolve atualmente mais de 40 pessoas, entre pesquisadores da saúde – desde a fase da iniciação científica, passando por mestrado, doutorado e até pós-doutorado, além de profissionais de áreas técnicas estratégicas para o desenvolvimento da pesquisa.
Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a morte materna é definida como a morte não acidental de mulheres ou pessoas que gestam durante a gravidez ou no período de 42 dias posteriores ao parto ou final da gestação. Atualmente, são registradas 800 mortes maternas diariamente em todo o mundo, o que equivale um óbito a cada dois minutos. No Brasil, a proporção de morte materna (em relação ao número de bebês nascidos vivos), que vinha melhorando desde 2018, disparou durante a pandemia de Covid-19: o aumento foi de 94%, o que representa um retrocesso de duas décadas, já que os números da razão de morte materna em 2021 foram semelhantes aos registrados na década de 1990, segundo o UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), agência da ONU para assuntos relacionados à saúde sexual e reprodutiva.
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Em 2021, o Brasil registrou 107,53 mortes a cada 100 mil nascidos vivos; em 2019, a razão foi de 55,31 a cada 100 mil nascidos vivos; e em 2020, foi de 71,97 mortes a cada 100 mil nascidos vivos. Nesse período entre 2019 e 2021, o aumento do número total de mortes maternas foi de 77%. Com esse aumento, a Covid-19 se tornou a principal causa de morte materna no país. Os dados foram mapeados pelo Observatório Obstétrico Brasileiro, com base nas informações oficiais do Ministério da Saúde. E o cenário pode ser ainda pior, já que a subnotificação é alta – estima-se que o número de mortes de gestantes e puérperas em território nacional seja cerca de 35% maior do que os dados oficiais.
Esse cenário faz do projeto AMMISC fundamental para enfrentar o aumento das mortes maternas em face das desigualdades sociais, já que os dados podem servir de base para a construção de políticas públicas e estratégias coletivas de proteção das gestantes, parturientes e mães de recém nascidos. Essa possibilidade de contribuir socialmente ajudou na aprovação do projeto, que tem coordenação geral da ginecologista e obstetra Dra. Melania Amorim, referência no Brasil no debate de direitos sexuais e reprodutivos e gravidez de alto risco, mestra em Saúde Materno-Infantil, doutora em Tocoginecologia pela Unicamp, com dois pós-doutorados (pela Unicamp e OMS). Atualmente, é bolsista de produtividade em pesquisa 1C do CNPq.
Segundo Dra. Melania Amorim, que também coordena o eixo quantitativo do projeto, os números de mortes maternas na pandemia foi piorado pelo contexto político brasileiro. “Grande parte dessas mortes maternas poderiam ter sido evitadas se não tivéssemos negacionismo em relação à doença e às vacinas, por isso, com essa pesquisa estamos honrando a vida de cada mulher que morreu”, ressaltou. Ela também destacou que cerca de 92% dos casos de morte materna são evitáveis e que o racismo faz com que as mulheres negras sejam as maiores vítimas. Segundo os dados mais recentes da Pesquisa Nascer no Brasil, as chances de as mulheres negras morrerem por causas relacionadas à gravidez, ao parto e ao pós-parto é duas vezes maior do que as de mulheres brancas.
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Objetivos
Considerando o contexto sociopolítico e partindo dos dados oficiais das secretarias de saúde, o projeto AMMISC vai analisar de forma comparativa as mortes maternas por Covid-19 e por outras causas ocorridas nos estados da Paraíba, Pernambuco e Alagoas entre os anos de 2020 e 2022. Além das características biológicas e sociodemográficas das gestantes que vieram a óbito, também serão estudadas as características obstétricas e de assistência, como idade gestacional, número de gestações, tipo de parto, local de ocorrência, acesso a vacinas, comorbidades, entre outros.
No que diz respeito aos impactos sociais, o projeto AMMISC tem como objetivo conhecer e documentar as experiências de tempo, adoecimento, luto e sobrevivência entre familiares de mulheres mortas por mortalidade materna durante a pandemia. Esse eixo qualitativo do estudo é coordenado pela pela Dra. Débora Diniz.
Fases do projeto
Um encontro presencial ocorrido no IMIP (Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira), na capital pernambucana, marcou o início do projeto, que teve sua aprovação anunciada pelo CNPq no final de 2023. O encontro, ocorrido no último dia 22 de março, reuniu a maior parte dos pesquisadores e profissionais do projeto. Além do alinhamento dos objetivos e socialização dos profissionais, o encontro também permitiu a discussão sobre as dimensões operacionais e políticas da pesquisa, com destaque para a produção de conhecimento técnico que vai contribuir com a elaboração emocional de um período tão traumático para a sociedade brasileira.
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Além dos quase 50 profissionais e pesquisadores que já fazem parte da pesquisa, outros especialistas ainda serão incorporados ao longo do projeto, que tem previsão de duração de três anos. Nos próximos meses, haverá o lançamento do site e redes sociais do estudo AMMISC.
O financiamento da pesquisa AMMISC é realizado via dois editais do CNPq – Chamada Universal (Edital CNPq/MCTI Nº 10/2023) e Estudos Transdisciplinares em Saúde Coletiva (Edital Nº 21/2023), sob responsabilidade da Dra. Melania Amorim. Atualmente, o projeto envolve 7 instituições de pesquisa, sendo o IMIP a instituição sede.