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Armadilhas do amor

Contratos de relacionamentos são antigos. Em casamentos, o regime de bens diz tudo. Se for separação universal de bens, teme-se que o cônjuge lhe dê um golpe futuro, por exemplo.

Agora, estão virando moda contratos de namoro. No ano passado, o Brasil registrou um recorde de casos, com 126 acordos fechados, o que representa um aumento de 35% sobre o ano de 2022. Neste ano, o país registrou até maio 44 contratos, o que também é considerado um recorde para o período.

Nesses contratos, há cláusulas as mais absurdas que se possa imaginar, que direi mais adiante. A maioria, no entanto, é conveniente, uma vez que muitos namorados decidem morar juntos e precisam deixar tudo bem costurado, evitando problemas patrimoniais. Por exemplo, como se dá o rateio das despesas, o cuidado com animais de estimação, entre outras obrigações do dia a dia de qualquer casal.

Há o cuidado de deixar claro que rateio de despesas não significa dependência financeira mútua. Ou, numa gravidez que normalmente não é planejada, firma-se o pacto de que o namoro não será convertido em união estável ou casamento.  E, claro, não poderia faltar a cláusula sobre fidelidade.

O medo do casamento e, principalmente, de abusos patrimoniais é flagrante em todos os casos de contratos desse tipo. Mas, afinal, qual a diferença entre contrato de namoro e a união estável? O primeiro visa proteger a autonomia patrimonial e financeira de cada um, enquanto a união estável implica em direitos e deveres familiares.

Não faltam itens meio absurdos, engraçados ou até preocupantes nos contratos de namoro.  Por exemplo, o namorado exige que a namorada mantenha a forma física durante todo o tempo em que durar o relacionamento. Ou estabelece-se que um não pode maratonar uma série da Netflix sem a presença do outro, e qualquer contato com ex-amores fica terminantemente proibido. São, na verdade, cláusulas simbólicas, porque o foco principal sempre é a preservação patrimonial individual.

Esses contratos surgem numa época em que a confiança entre casais está por um fio. Vivemos tempos difíceis, em que até as relações familiares estão mais frágeis, fluidas.

Uma amiga me confidenciou que o namorado propôs o tal contrato. Irritada com a proposta, ela disse que, caso ele levasse adiante a ideia, iria incluir cláusulas de multas em caso de tolhas sobre a cama, xixi em torno do vaso e outras maluquices. Só para contrariar.

Mesmo a Código Civil prevendo contratos diversos entre as partes, esse do namoro não está tipificado na legislação. Isso significa que, apesar de toda precaução, não tem valor legal e, portanto, em caso de descumprimento, não há meios legais de obrigar a parte a cumprir com o combinado.

A desordem nos relacionamentos leva a esses extremos. Perde-se tempo com o que não funciona. É assim até nos casamentos. Diante de um líder religioso, promete-se amor e fidelidade “até que a morte nos separe”. Nós vemos que não é bem assim que funciona.

Acho que Djavan tinha razão, quando disse que “o amor é um passo para uma armadilha”.

 

Artigo originalmente publicado no Jornal A União de quarta-feira, 3/7

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