Agricultura familiar alimenta 50% da população paraibana diariamente
Alguma vez você já ouviu a frase “Se o campo não roça, a cidade não almoça”? Ou, em outra versão: “Se o campo não planta, a cidade não janta”? Quem é da cidade, pode, de início, fazer cara de interrogação, mas depois vai entender. Para os que vivem no campo, no entanto, essas frases são a realidade do seu dia a dia. Especialmente para quem está entre os 260 mil agricultores familiares da Paraíba. É a produção dessas pessoas que leva comida à mesa de metade de toda a população do estado, diariamente.
Segundo dados da Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer), entre os milhares de produtores e produtoras familiares do estado, há 30.126 mulheres e 11.395 jovens. A produção é realizada em cerca de 125.500 estabelecimentos rurais, o que resulta um total de 1,4 milhão de hectare. Ainda de acordo com o órgão, nossas principais produções são feijão, milho, mandioca, macaxeira, hortaliças, abóbora, fava, arroz vermelho, frutíferas perenes (acerola, cajá, umbu, caju etc) e abacaxi, além da criação de aves caipira e de capoeira (carne e ovos), suínos, bovino de corte e de leite, caprinocultura para leite e corte, ovinos e piscicultura.
“A agricultura familiar é a base de tudo. Sem ela, não apenas a população paraibana, mas a de todo o planeta, passaria por dificuldades. Durante a pandemia, ela foi um dos setores que enfrentou bem aquele período, porque produziu alimento para toda a nossa gente”, diz Bivar de Sousa Duda, secretário-executivo da Agricultura Familiar e Desenvolvimento do Semiárido (Seafds). Ele explica a importância econômica da produção da agricultura familiar, especialmente para a população em contexto local, pois o agronegócio produz para exportar, enquanto a agricultura familiar produz para vender à comunidade, ao município, ao estado — ao país, em suma.
“Do ponto de vista econômico, o dinheiro circula quase 99% dentro do próprio município. O pessoal vai à feira livre e ali vende o seu produto. O dinheiro recebido vai para o comércio da cidade, para pagar as compras do agricultor, ou seja, fica circulando. Mas também esperamos chegar ao ponto em que esses agricultores possam exportar a sua produção”, salienta. Além disso, ainda conforme o secretário, outros dois importantes fatores da agricultura familiar dizem respeito à saúde da população e à sustentabilidade do meio ambiente. Primeiro porque esses alimentos são produzidos sem o uso de produtos químicos — o que, em longo prazo, fortalece a imunidade das pessoas e diminui a busca por hospitais e tratamentos; depois porque os projetos são pensados a partir de sistemas agroflorestais — ocupação do solo em que árvores são plantadas ou manejadas em associação com culturas agrícolas ou forrageiras, propiciando uma barreira vegetal, que protege as plantas contra a ação de ventos fortes
Programas de fomento
De acordo com o secretário-executivo, há uma série de projetos desenvolvidos pelo Governo da Paraíba, em parceria com outros órgãos, para fomentar a agricultura familiar na região. Ele cita o PB Rural Sustentável, com a construção de mais de 10 mil cisternas de captação de água, realizado com recursos próprios do estado; o Incluir Paraíba, programa voltado para famílias agricultoras em situação de pobreza extrema ou com renda mensal inferior a R$ 180 per capita — em especial, mulheres e jovens que recebem, do estado, recursos financeiros de até R$ 3,5 mil, para a sua produção, e que deverá chegar a seis mil famílias de 107 municípios, até 2026; e o próprio Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com apoio do Governo Federal e investimento total de R$ 11 milhões, por meio do qual o estado compra alimentos da agricultura familiar para o uso em merendas escolares, por exemplo.
Além deles, outros dois projetos se destacam no fortalecimento da agricultura familiar no estado: o Projeto Cooperar e o Procase. O Projeto Cooperar é considerado o maior projeto de cisternas do país. Até 2025, cerca de 12 mil cisternas terão sido construídas para pequenos agricultores. Trata-se de um acordo de empréstimo internacional com o Banco Mundial, no valor de US$ 80 milhões, iniciado ainda em 2019. Além das cisternas, há ainda sistemas de abastecimento de água completos, em que a água é captada de locais como açudes, rios ou poços, tratada e levada para a casa dos beneficiários. Na Paraíba, há 23 abastecimentos desse tipo.
“Temos ainda o abastecimento de água singelo, aquele em que você tem um poço, mas a vazão dele não é suficiente para chegar até a sua casa, então, a gente coloca um chafariz e a comunidade vai pegar a água, que também é tratada. Também temos os dessalinizadores, pois muitos poços perfurados estão com água salobra, com salinidade acima do permitido pelo Ministério da Saúde. Nesses, a gente instala membranas para dessalinizar a água. Todo esse tratamento é feito com energia solar”, explica Omar Gama, coordenadorgeral do Cooperar.
O projeto ajuda, ainda, com tecnologias sociais desenvolvidas para esse público. Segundo ele, são cinco tipos de tecnologia: capacitação para a criação da galinha caipira, com a construção de um aviário, a entrega de pintinhos e a distribuição, durante um ano, de ração para esses animais, até que a família se empodere dessa tecnologia e a repita automaticamente; o estímulo à criação de caprinos e ovinos — para o qual o projeto compra os animais e os entrega às famílias; a produção de mel de abelha sem ferrão; a palma forrageira para alimentar os animais; e a implantação da energia solar para quem tem uma pequena irrigação.
Procase
O Procase teve início como Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú, mas deu tão certo que agora está sendo construída sua segunda edição, para os próximos seis anos, voltada para todo o estado da Paraíba — será o Projeto de Desenvolvimento Sustentável da Paraíba (ou Procase II). Na primeira edição, foram 25 mil famílias atendidas, de 56 municípios. A próxima edição passará a trabalhar com 60 mil famílias, dos 223 municípios.
O Procase I foi fruto de cooperação entre o Governo do Estado e o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida). O Procase II, por sua vez, terá, também, o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento, totalizando US$ 105 milhões de aportes dos três entes a serem investidos. A ideia é que produtores e produtoras rurais, populações tradicionais, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, a partir de encontros com associações e cooperativas, indiquem a prioridade dos investimentos: produção, infraestrutura, regularização fundiária, vendas, melhoramento técnico e tecnológico.
“É um projeto que visa à sustentabilidade ambiental e à melhoria da qualidade de vida daqueles que realmente precisam. Fazemos o mapeamento das famílias, contratamos empresas de assistência técnica e trabalhamos com associações e cooperativas”, explica Nivaldo Magalhães, coordenador do Procase. Baseado no que foi produzido no Procase I, Nivaldo identifica algumas possíveis ações que podem aparecer entre as demandas das associações e cooperativas na execução do Procase II, nos próximos anos: montagem de cadeias produtivas de abelhas sem ferrão; beneficiamento do algodão colorido, melhoramento genético e certificação; e melhoramento genético de caprinos e ovinos, uma vez que o estado é o maior produtor de leite caprino do Brasil.
Situação dos agricultores
Segundo Ivanildo Dantas, assessor técnico da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado da Paraíba (Fetag-PB), ainda são muitos os problemas enfrentados pelos pequenos e pequenas produtoras de agricultura familiar no estado. “Nós esperamos que os governantes avancem mais nos incentivos e na inclusão da população rural em políticas públicas de desenvolvimento rural sustentável, com participação livre, social, democrática e sem burocracias ”, diz.
Entre os obstáculos que esses trabalham encontram, ele lista: regularização fundiária, pois cerca de 90% dos imóveis rurais com uma área até quatro módulos rurais não têm o registro da propriedade; ausência de assistência técnica de qualidade, comprometida e continuada; soluções para o endividamento rural; estrutura hídrica escassa, em muitas regiões — principalmente para quem vive no Semiárido; habitação precária; e ausência de escolas adaptadas ao campo, como também postos de saúde. No dia 25 deste mês, celebra-se o Dia Internacional da Agricultura Familiar, instituído pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em 2014. É um dia para dar visibilidade ao trabalho dos produtores rurais e reconhecer o papel que esses homens e mulheres desempenham no mundo. Todos os dias, faça chuva ou faça sol, eles estão trabalhando na terra para garantir o alimento das pessoas.
Texto de Emerson da Cunha para o Jornal A União deste domingo, 21/7
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