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ESPECIAL – “Pejotização” dos trabalhos na Paraíba aumentou 53% em 2024

Quem precisou procurar emprego nos últimos anos já percebeu que grande parte das vagas é para contratação de Pessoa Jurídica (PJ), ou seja, empresas, e muitas vezes a pessoa é obrigada a se registrar como Microempreendedor Individual (MEI) para conseguir a contratação. O fenômeno ficou conhecido como “pejotização” do mercado de trabalho, e acende um alerta de fraude, já que algumas empresas utilizam esse recurso apenas para deixar de pagar os direitos trabalhistas dos funcionários.

Desde 2019, o Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB) recebeu 79 denúncias dessa natureza, sendo que 23 delas ocorreram só este ano, até o mês corrente, enquanto em todo o ano passado foram apenas 15. “A pejotização é um prejuízo para a nação. É uma questão que ao final prejudica o próprio trabalhador, e também o país em termos de arrecadação tributária e previdenciária”, afirmou o procurador-chefe do MPT-PB, Rogério Sitônio Wanderley.

Para o juiz da 11ª Vara do Trabalho de João Pessoa, George Falcão, a pejotização aumentou a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou lícita a terceirização em todas as atividades empresariais, inclusive a atividade-fim. Rogério Wanderley explicou, porém, que pejotização não se confunde com terceirização. “A pejotização é uma forma de contratar profissionais  por meio de pessoas jurídicas constituídas exclusivamente para burlar a relação de emprego”, esclareceu.

Apesar de a prática ter se tornado mais comum, George Falcão acredita que o número de processos trabalhistas por esse tipo de fraude não acompanhou esse crescimento. “Existe, e sempre  existiu, mas não acho que tenha aumentado”, comentou. Para ele, parte do motivo é que esse tipo de contrato pode ser vantajoso para o empregado, que, portanto, não terá interesse me denunciar. “Empregados com salários maiores têm vantagem, porque pagam menos impostos como Pessoa Jurídica. Por isso sempre analisamos a situação caso a caso”, contou. Outra razão seria o  desconhecimento dos trabalhadores e o receio de ficarem mal vistos pelos potenciais empregadores após se envolverem nesse tipo de processo.

Promessa de salário melhor

Uma forma que os empregadores têm encontrado para atrair funcionários sem direitos trabalhistas é que assim, conseguem pagar salários maiores, já que não precisam se responsabilizar por encargos do INSS e FGTS. Foi o que aconteceu com Pedro (nome fictício). À reportagem de A União, ele contou que participou de uma entrevista de emprego de uma empresa da área de jogos, há cerca de cinco anos. Na ocasião, lhe foi oferecida a oportunidade de ter a carteira de trabalho assinada ou ser contratado como PJ, sendo que nessa segunda opção, o salário seria maior.

Segundo ele, a empresa não exigiu nenhum documento, nem fez contrato, e ele seguiu trabalhando de maneira totalmente informal por cerca de dois anos. Após esse período, a empresa exigiu que ele se registrasse como MEI. “No começo eu mesmo pagava meu MEI, mas depois de um tempo eles se ofereceram pra pagar”, lembrou. Ele também não sabe ao certo se os colegas que optaram pela contratação CLT tiveram a carteira de trabalho assinada. “Eles só prometiam”, comentou.

Depois de mais de três anos de trabalho, veio a demissão, que não foi justificada. “Só me deram dois meses de salário e me mandaram embora”, disse. Foi quando ele decidiu reunir provas para processar o empregador e a empresa foi obrigada a pagar todos os direitos relativos ao tempo de serviço dele, já que o vínculo trabalhista foi reconhecido judicialmente.

CLT x PJ

A advogada trabalhista Mariana Leite explicou que o trabalhador comum, de carteira assinada, é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Já o trabalhador MEI/PJ é dono do próprio negócio, administra seus horários e é responsável pelos seus ganhos e produção. “As pessoas para quem ele presta serviço não são seus chefes e sim seus clientes”, esclareceu.

Para caracterizar a relação de trabalho é preciso preencher alguns requisitos: pessoalidade, subordinação hierárquica, onerosidade e habitualidade. Se essas condições forem concomitantemente preenchidas, o trabalhador deveria ser contratado no regime CLT e não PJ, e a empresa pode ser questionada judicialmente.

A pessoalidade significa que apenas aquela pessoa em específico pode executar o trabalho, não podendo enviar outro em seu lugar. A subordinação diz respeito à obediência a um chefe. Onerosidade quer dizer que manter aquele trabalhador está onerando a empresa em um valor fixo mensal. “Mesmo que o trabalhador receba uma gratificação ou hora extra, que são variáveis, ele tem que ter um salário fixo”, disse Mariana. Já a habitualidade está relacionada à frequência, é quando o trabalho precisa ser constante e regular, obedecendo escalas.

“Observamos principalmente a subordinação jurídica, se esse profissional tem liberdade de horários, liberdade de ter mais de um empregador. E também tem a questão da alteridade, que é saber se é o empregador que está assumindo os riscos do negócio”, explicou George Falcão.

Mariana Leite relatou que esse tipo de caso tem sido bastante comum. “São pessoas que são obrigadas a cumprir horário, às vezes até a usar farda da empresa. Aí mesmo que tenha um contrato muito bem feito, assinado por ambas as partes, não adianta, porque a Justiça do Trabalho adota o princípio da primazia da realidade, ou seja, o que vale é o que acontecia”, afirmou.

Assim advogada acredita que esse tipo de contratação não vale a pena para nenhum dos envolvidos. “O trabalhador abre mão de férias, 13º salário, FGTS. Só vale a pena se for para você realmente empreender, atender vários clientes, fazer seus horários e sua remuneração, mas se for para agir como empregado não vale”, disse.

“Para o empregador também não vale, porque, embora ele esteja economizando ao não pagar os direitos trabalhistas, se ele for processado depois ele vai ter que pagar de qualquer forma. O problema é que muitos empregadores preferem assumir o risco do processo”, opinou Mariana.

Pedro acredita que é importante conscientizar os trabalhadores sobre seus direitos nesses casos. “É uma forma de eles explorarem, quase escravizarem a gente. Eu cheguei a trabalhar 24 horas seguidas sem ganhar nada a mais por isso”, contou, lembrando que também não tinha direito a férias na empresa, apenas recessos de cinco a sete dias entre o Natal e Ano Novo.

 

Texto de Bárbara Wanderley, publicado originalmente no Jornal A União deste domingo, 18/8

Foto: Lukas/Pexels

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