PB registra maior alta do país na venda de antidepressivos
Há dois anos, o estudante Reinolds Araújo, que faz o curso de Psicologia na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), começou a tomar antidepressivo. Com a decisão, ele passou a adensar um número crescente, que coloca a Paraíba em primeiro lugar no aumento do uso de antidepressivos no Brasil. De 2022 a 2023, esse uso cresceu 17%, seis pontos percentuais a mais que a média brasileira (11%). Neste ano, o estado ainda não saiu do pódio, figurando em terceiro lugar, entre janeiro e maio, com 15%.
Os números não são uma tendência apenas local, mas global, conforme dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com Walleri Reis, consultora do Conselho Federal de Farmácia
(CFF), esse processo de adoecimento mental já vem ocorrendo há muitos anos, mas ficou proeminente com a experiência da pandemia de Covid-19. “No processo entre o período anterior e posterior à pandemia, a Paraíba teve em torno de 60% de aumento no consumo de antidepressivo”, afirma.
Para ela, que também é farmacêutica e professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), esses números falam sobre estilo de vida, características genéticas e demais fatores que predispõem uma pessoa ao adoecimento mental.
Corroborando o que se observa nos dados, a psiquiatra Raíssa de Alexandria, que atua no Hospital Universitário Lauro Wanderley, da UFPB, e também em clínica particular, vê aumento do uso na prática clínica. “Não raramente, quando pergunto sobre o início dos sintomas, os pacientes remetem aos anos do lockdown. E, de fato, esse registro de aumento de casos de depressão e ansiedade a partir da crise sanitária e econômica que tivemos está bem estabelecido”, diz.
A escolha pela medicação, para o estudante Reinolds, não foi fácil, pois a sua trajetória no curso de Psicologia foi permeada por uma percepção crítica em relação ao uso. “Foram três anos de relutância. A gente tem uma formação crítica quanto à utilização de remédios. A possibilidade de transformar a relação do sofrimento e do sujeito pode ter vários ângulos, e todos eles antecedem o uso do remédio. Mas cheguei a um ponto em que somente a terapia não me ajudaria”, reconhece.
Fatores
Entre os especialistas entrevistados, há um consenso em relação aos vários fatores estressores que agravam o uso desses medicamentos. Eles são parte do contexto social amplo em que vivemos. “Desigualdade social, violência e vulnerabilidade econômica estão relacionadas ao risco de transtornos psiquiátricos. Isso é uma evidência consagrada na literatura científica”, pontua a psiquiatra.
Outros fatores também incorrem no uso elevado de medicamentos. A psicóloga clínica Raíssa Ramos, que atua em Campina Grande, diz que tem se tornado cada vez mais popular o autodiagnóstico, pois o sentimento de estranheza a certas questões criam um conteúdo em comum — em redes sociais, por exemplo. “É possível notar o quanto esses discursos se popularizaram na internet e como isso pode ser tratado por medicação, especialmente depois da experiência pessoal e coletiva da pandemia. Isso trouxe a possibilidade da medicação mais para perto das pessoas. Devido a esse motivo, acabo recebendo muita gente que já faz uso ou que está interessada em fazer”, observa.
Pressão por alta produtividade afeta população
A velocidade exigida pelo cotidiano constrói uma realidade que torna a medicação psiquiátrica quase imperativa para quem precisa se manter produtivo. “Hoje em dia, não é mais permitido passar por momentos de tristeza. Vivemos a geração da felicidade, ou seja, precisamos produzir bem e estar felizes o tempo todo. Mas sabemos que isso não é real, não reflete a vida. E isso faz com que vivamos um fenômeno: a medicalização da vida”, pontua Walleri.
Segundo ela, a população mundial está mais adoecida mentalmente, e isso leva ao aumento do uso de duas classes de medicamentos: antidepressivos antipsicóticos e estabilizadores de humor. Outro ponto relaciona-se a questões de gênero. “A gente sabe que os transtornos mentais, principalmente a depressão, são duas vezes mais prevalentes em mulheres do que em homens”, comenta. “Além disto, a parcela populacional mais afetada é a de pessoas entre 18 e 39 anos, que está em seus anos mais produtivos. Por isso, é a doença que mais incapacita, em todo o mundo”, aponta Walleri.
Ela também chama a atenção para um dado alarmante do Fiocruz Amazônia. “É um estudo que mostra um aumento de até 250% nas taxas de suicídio com o uso de medicamentos. Ou seja, diz respeito à autointoxicação — às vezes, proposital — com esses medicamentos”, alerta.
Medicalização da vida
Hoje, a psicoterapia e os antidepressivos representam a base para o tratamento de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais e de personalidade. Raíssa de Alexandria observa que a dificuldade de acesso a psicólogos, no sistema público de saúde, pode fazer com que casos que podem ser sanados apenas com psicoterapia acabem piorando e demandando tratamento medicamentoso.
“Frequentemente, a restrita e irregular oferta de medicações no sistema público ocasiona a descontinuação do tratamento e o agravamento do quadro, podendo prolongar, inclusive, o tempo de uso dos remédios”, argumenta. Raíssa Campos identifica que muitas pessoas, ao sentirem esses sintomas, buscam logo um psiquiatra, pensando na medicação como algo que vai solucionar o seu caso. É o médico que as encaminha ao psicólogo, pois sabe que o cuidado com a saúde mental é algo que precisa ser feito de forma interdisciplinar. “É uma necessidade moderna, sabe? De dar conta das coisas da forma mais rápida possível. As pessoas veem, na medicação, o primeiro recurso”, diz.
A experiência pessoal e profissional do estudante Reinolds, que usa antidepressivo, no entanto, serve de exemplo para entendermos que o caminho para buscar saúde mental é mais complexo do que a maioria da população espera. “Todo remédio psiquiátrico é uma aposta. Não é uma solução prática, como quando você tem uma dor de cabeça, toma uma dipirona e tem alívio da dor. Não existe uma causa e uma solução direta, quando se trata do tratamento psiquiátrico com o uso de remédio”, analisa.
Amigos, dieta e exercícios físicos
O professor Arlandson Matheus Oliveira, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), divide a sua rotina entre as cidades de Patos e Campina Grande. Ao longo do seu trajeto profissional, sempre na estrada, ele percebeu que o seu estresse aumentou e que ele tinha dificuldade de lidar com o dia a dia puxado. Apesar da resistência em cuidar da saúde mental, o professor percebeu que precisava fazer algo a respeito e resolveu entrar na academia. Para ele, essa pequena mudança de uma hora por dia fez muita diferença. “Tem a parte química, que faz a pessoa se sentir feliz, depois de se exercitar, e tem a questão social, porque passamos a lidar com novas pessoas e rostos”, diz.
Arlandson também percebeu que teve melhora na autoestima e na mobilidade. “Eu era todo travado — ainda hoje sou —, mas consigo fazer mais coisas. Dá para notar a evolução logo no começo, é algo instantâneo. Quando a gente vê progresso rápido, a gente fica feliz”, acrescenta.
Exercício, alimentação e círculo social saudável são fundamentais para o tratamento da saúde mental, segundo Raíssa de Alexandria. “Tratamento para depressão, ansiedade e insônia não é sinônimo de remédio psiquiátrico. Somente quando o caso não responde a outras técnicas é que devemos lançar mão dessa ferramenta”, argumenta.
Outro fator importante é compreendê-lo como parte de um sistema de saúde social, que necessita de políticas públicas efetivas para a sua solução. De acordo com a farmacêutica Walleri, é importante que haja campanhas específicas relacionadas a isso. “Precisamos lidar com essa questão de maneira sistemática”, salienta.
Para a psicóloga Raíssa, o modo como a sociedade é organizada contribui para o adoecimento mental. “A saúde mental não é algo apenas individual. É uma questão multifatorial, para além do biológico. Ter essa visão ampla de questões sociais e políticas, e de como elas interferem em nossa vida, seria um jeito real de lidar com esse problema”, finaliza.