Ilustradores evangélicos repensam a imagem de Jesus com humor e dilemas atuais; veja ótimos cartuns
Jesus Cristo foi um ilustrador, mas o meio usado há mais de 2.000 anos eram as parábolas, histórias curtas e alegóricas. Este é o paralelo que a artista Ana Carolina Fercho, de Monte Mor, no interior paulista, faz entre suas aquarelas e a trajetória da figura bíblica. “Ele pegava situações cotidianas e trazia para os sermões, para explicar um princípio do reino de Deus que era complexo. Utilizava imagens para comunicar melhor, e é isso que estou fazendo.”
No seu perfil do Instagram, o @anailustra_jesus, ela desenha um Jesus cartunesco, sorridente, com olhos brilhantes e bochechas coradas, dando abraços e segurando xícaras de café, junto a versículos e frases motivacionais. Algumas cenas copõem o livro de colorir para adultos, “Uma Só Coisa É Necessária”, destinado para o momento de reflexão diário com leitura bíblica e oração.
“A arte é uma ferramenta muito legal que Deus pode usar, principalmente para aquietar o nosso coração”, afirma ela. Fercho é uma entre vários artistas, ligados a igrejas evangélicas, que reencontraram na ilustração uma forma de expressar sua fé, mas sem o tom dogmático ou as representações eurocêntricas comuns à tradição católica dos últimos séculos.
Pensando no histórico das ilustrações gospel no Brasil, a principal referência é a Turma do Smilinguido, trupe de formiguinhas com luvas e botinhas coloridas que vivenciam lições sobre trabalho em equipe, inveja, vaidade e amor ao próximo.
O universo infantil criado nos anos 1980 por Márcia D’Haese e Hialmar D’Haese —morto em janeiro deste ano— ilustra o cuidado de Deus com todas as suas criaturas. “O que a gente faz é mais o desejo de cooperar com essa geração com valores que eles não recebem facilmente nas redes sociais, então oferecemos uma alternativa de valores que estão na Bíblia e que estão na fé cristã”, diz Márcia D’Haese.
O casal também criou, em 1997, a dupla de crianças Mig & Meg. “Descobri que meus personagens falavam o que eu não conseguia”, afirma.
Influenciada pelo aumento da utilização de máscaras na pandemia, muitos de seus personagens não têm boca, apenas olhos simplificados. “Quanto menos características o bonequinho tiver, mais pessoas se identificam”, afirma.
Mas sempre há críticas. Em julho, Suiane lançou uma série de ilustrações chamada “Tapas Santos Segundo a Bíblia”, na qual Jesus confronta um indivíduo em uma linguagem informal e inclusive com expressões regionais da ilustradora de Aracaju. “Eu ponho humor para ficar leve, mas há quem enxergue como heresia”, ela afirma.
Segundo o ilustrador Leonardo Asprino, de São Paulo, que criou o personagem Dizãs —leitura aportuguesada da pronúncia de Jesus em inglês—, as acusações deste tipo não afetam a maneira como compõe a figura.
Seu Cristo, que é negro, aparece jogando xadrez, vestido como um “jedi” de “Star Wars” ou com um ventilador reclamando do clima. “Acredito que ele era brincalhão, amigo, um cara que ria e chorava junto, dava conselhos, ouvia os amigos. Esse é o meu Jesus.”
Sua intenção era trazer um personagem irreverente e romper paradigmas. “Quebrando essa imagem de um Deus que castiga, um Deus do dinheiro, que ama menos a pessoa se ela não for da igreja ‘A’ ou ‘B’, ou se for de outra religião que não seja o ‘crente’.”
A série “Jesus, que Absurdo”, de Joel Mozart, lançada em 2017, nasceu de uma inquietação do curitibano diante de posicionamentos do ambiente evangélico naquele momento. “Sempre tive uma visão de Jesus como um pacifista e, de repente, vi pessoas queridas tentando colar nele a imagem de uma pessoa violenta.”
Em 15 histórias em quadrinhos, Mozart ilustrou desde o momento da anunciação do anjo Gabriel para Maria até a ressurreição. Ele enfatiza o diálogo do líder religioso com os apóstolos, principalmente sua mansidão e a mensagem centrada no amor.
O curitibano Giovanni Stoco, que produz artes para o Ministérios Pão Diário, editora de livros devocionais e reflexões bíblicas, também publica desenhos tentando equilibrar o lado amigável e o caráter sério das mensagens.
“Não gosto quando as pessoas falam de Jesus como ‘good vibes’ e atribuem a ele um discurso inconsequente, como se ele fosse bobão”, afirma. “A ideia é trazer a forma amorosa, mas também o lado soberano dele”, diz Stoco.
No caso de Augusto Marques, do PictoBíblia, de Porto Alegre, seu objetivo é tornar o evangelho acessível. Com seguidores de diferentes estados e denominações, ele afirma que houve uma criação de um senso de comunidade virtual. “Isso leva a debates teológicos nos comentários das postagens, e percebo que muitas pessoas, até mesmo eu, aprendem umas com as outras.”
Segundo Mozart, a produtividade de ilustradores cristãos com abordagens que vão do humor a mensagens de confronto ajudam a disseminar a mensagem bíblica. “Diversidade cultural é o que eu vejo de mais precioso quando eu imagino o que é o reino de Deus.”