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Especial – Entenda a matemática que faz maioria dos apostadores perder e bets lucrarem; Folha ouve professor da UFCG

Embora os sites de apostas anunciem que cerca de 93% do valor apostado volte, em média, ao conjunto de jogadores, os apostadores compulsivos tendem a perder tudo.

Essa porcentagem do que volta aos apostadores é chamada, no jargão, de retorno ao jogador (RTP em inglês). Embora 93% pareça um número alto, não é uma boa notícia, porque significa, na verdade, pagar uma taxa implícita de 7%, caso se adotem os números divulgados pela entidade patronal IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável). Na análise do Banco Central, o RTP é de 85%, o que eleva essa fatia das empresas para 15%.

Assim, se os apostadores continuarem jogando aquilo que receberem como prêmio, a tendência é que a banca abocanhe uma parcela do bolo a cada rodada. Como se trata de uma projeção estatística, pode haver mudanças, mas o modelo de negócio das bets prospera porque elas costumam acertar as contas, dizem estatísticos consultados pela reportagem.

LEI DOS GRANDES NÚMEROS FAVORECE AS BETS

A estatística também está a favor da banca. O jogador individual não tem dinheiro para jogar infinitamente. “Quando ele perde tudo, acabou”, resume Marcelo Viana, diretor-geral do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e colunista da Folha.

“Já as bets podem esperar a contagem de apostas subir”, diz. Quanto mais jogos houver, mais os resultados vão se aproximar da média estimada, de 93%. Esse é um princípio fundamental da estatística, a lei dos grandes números.

Um exemplo dessa propriedade é a chance de ocorrer cara e coroa em uma moeda honesta (quando não há truques para fazer os arremessos tenderem para uma das faces). Em dez lançamentos, as proporções não devem estar balanceadas —provavelmente vão sair mais caras do que coroas ou vice-versa. Mas, se a pessoa jogar mil vezes, verá que a proporção de caras vai se aproximar da proporção de coroas, chegando a uma situação de 50% a 50%, como indica a média.

O IBJR ressalva que apostar é “uma atividade de entretenimento, em que o objetivo é se divertir, com a possibilidade de realizar ganhos mediante o pagamento de um tíquete”. Caberia ao jogador ter moderação.

A possibilidade de ganhos, apesar de minoritária, também é garantida pela matemática. “Apostar é um evento aleatório, não dá para saber o que vai acontecer”, diz Viana.

LUCRO DAS BETS VEM DO CÁLCULO DAS COTAÇÕES

Mas uma bet não calcula os prêmios com base nas probabilidades dos eventos reais. Essas empresas ajustam os fatores para garantir receita.

“Em uma aposta online, o cálculo não é o de um evento aleatório, como no cara ou coroa”, diz o professor de estatística da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) Alexsandro Bezerra Cavalcanti (foto). No arremesso de moedas, as chances são 50% ou 50%.

Na aposta com um intermediário, a casa de apostas obtém sua receita ao calcular os ganhos dos apostadores com base em uma probabilidade “exagerada” de cada evento ocorrer.

Funciona assim: suponha que, no caso de um jogo entre o time A contra o time B, as probabilidades estimadas sejam de 20% de vitória do time A, 30% de empate e 50% de vitória do time B. Nesse caso, quem apostar no time A poderia esperar receber 5 vezes o que apostou (ou seja, 1/20%), quem marcou empate poderia esperar 3,3 vezes o que apostou (1/30%) e quem apostou no time B esperaria 2 vezes o que jogou (1/50%).

As bets, porém, oferecem multiplicadores menores a seus apostadores, o que resulta em sua margem de receita.

Por exemplo, a Novibet, no jogo entre Cruzeiro e Fluminense do dia 3 de outubro, pagou um multiplicador 2,40 para vitória do Fluminense, o que significa que ela estimava em 41,7% a probabilidade de o tricolor vencer. Para o empate, o multiplicador era 2,95, ou seja, uma probabilidade de 33,9%, enquanto para a vitória do time mineiro o multiplicador era 3,3, uma probabilidade de 30,3% de vitória cruzeirense.

A soma das probabilidades, então, fica em 105,9%, e a margem foi de 5,9%.

O diretor técnico do IBJR, Angelo Alberoni, diz que as cotações são fornecidas por empresas especializadas, como a BetRadar e a Genius Sports. “Além de dados estatísticos, também são considerados fatores externos, como se um time irá jogar com o time reserva ou se teremos chuva durante a partida.”

Ele, que já orientou pesquisas sobre o tema, reconhece, porém, que é um desafio para pouquíssimos jogadores. “É por isso que as bets lucram.” Cavalcanti diz ainda que é comum as casas de apostas bloquearem apostadores que ganham seguidamente, sob alegação de comportamento suspeito.

Os desenvolvedores de bets e jogos online, em geral, têm programas para atrair talentos da matemática a seu quadro de funcionários.

DESVANTAGEM É MAIOR EM CAÇA-NÍQUEIS ONLINE

Em relação aos caça-níqueis online, como o jogo do tigrinho, o usuário já sai na desvantagem, diz o professor da UFCG. Como não há um evento externo, o usuário não tem como estimar as suas chances. “A pessoa coloca tudo na mão de Deus”, diz.

Porém, a sorte, por causa do RTP, está a favor da banca desde o princípio. “Não chega a ser enviesado porque os sites são transparentes, mas é a regra do jogo”, diz Viana, do Impa.

No caso da versão certificada e sem golpes do Fortune Tiger, mais conhecido como jogo do tigrinho, o RTP, segundo a desenvolvedora PG Soft, é de 96,81% —ou seja, a taxa fica em torno de 3,19%.

O prêmio máximo, chamado de “jackpot”, é de 2.500 vezes, porém chance de consegui-lo é de uma entre milhões de jogos. Como os caça-níqueis têm várias combinações pagantes, a lógica da simples inversão observada nas apostas esportivas não funciona nesses jogos.

A fabricante do jogo do tigrinho ainda não divulga a tabela de premiações —esse dado terá de ser público para que o jogo esteja adequado à regulação do Ministério da Fazenda a partir de 2025.

A lógica, todavia, é a mesma das apostas esportivas: quando se aumenta o prêmio, eleva-se o risco.

VIESES COGNITIVOS PREJUDICAM APOSTADORES

Um estudo da Universidade de Alberta, no Canadá, realizado com uma amostra de 630 estudantes, dividida entre um grupo de teste e um de controle, mostrou que as pessoas tendem a escolher os jogos mais arriscados.

“Isso acontece por causa do viés cognitivo de magnitude”, afirma a autora da pesquisa e professora de psicologia Marcia Spetch. Segundo esse conceito, as pessoas tendem a subestimar a importância dos pequenos gastos acumulados e supervalorizar ganhos expressivos.

“As pessoas lembram mais de quando ganham”, resume Viana. “O mercado de apostas envolve mais psicologia do que matemática.”

 

 

Folha de S. Paulo

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