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ColunasGisa Veiga

Silêncio da direita sobre trama golpista remete a alerta para retrocesso democrático

(A coluna Gisa Veiga abre espaço para a colunista Ana Luiza Albuquerque*)

Foram poucos os representantes da direita e da centro-direita que alertaram para a gravidade dos indícios revelados pela Polícia Federal que apontam para uma trama golpista que tentou manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no cargo após a derrota em 2022.

Também foi pouco comentada por esse campo político a revelação de que um grupo de militares, segundo a investigação, planejou o assassinato do presidente Lula (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes (STF).

Já se esperava que aliados de primeira hora de Bolsonaro tentassem descredibilizar as conclusões da investigação. Mas a maioria das figuras de direita que não têm uma ligação umbilical com o bolsonarismo também escolheu permanecer em silêncio.

Outros buscaram minimizar as revelações, ressaltando a resiliência das instituições e da democracia brasileira. A PF concluiu, porém, que o golpe não foi à frente apenas porque o Alto Comando das Forças Armadas se negou a abraçar a tentativa —tenha isso ocorrido por convicção democrática ou por falta de condições de sustentar um governo autoritário sem apoio internacional ou popular.

A fraca reação de uma direita não intrinsecamente associada a alas radicais liga um alerta, já que cientistas políticos falam há décadas sobre a importância do rechaço das elites políticas a iniciativas autoritárias.

O entendimento predominante é o de que, sem o apoio dos moderados, setores extremistas têm menos chances de serem bem-sucedidos. Ou seja, a veemente condenação de atos autoritários por partidos e figuras políticas é um fator de proteção contra o retrocesso democrático.

Não é a primeira vez que grupos da política tradicional silenciam ou mesmo fazem coro diante de falas ou comportamentos antidemocráticos do ex-presidente. Nos últimos meses, havia ganhado corpo no Congresso a discussão sobre anistia aos manifestantes golpistas do 8 de janeiro.

Durante a Presidência, discursos autoritários de Bolsonaro foram muitas vezes aplaudidos por setores econômicos importantes.

Foi o que aconteceu, por exemplo, em junho de 2022, quando empresários ovacionaram o ex-presidente durante almoço na Associação Comercial do Rio de Janeiro, no qual Bolsonaro disse que não cumpriria ordens do Supremo.

No livro “Pessoas Comuns em Tempos Extraordinários: a Cidadania e o Colapso da Democracia”, de 2003, a cientista política Nancy Bermeo, professora na Universidade Oxford (Reino Unido), desenvolve o conceito de “capacidade de distanciamento”.

Bermeo defende que um dos fatores de proteção contra o autoritarismo é a disposição da elite política de se distanciar e condenar atos de violência, mesmo que eles tenham sido perpetrados por aliados, assim priorizando a democracia.

Em “O Colapso dos Regimes Democráticos”, de 1978, o aclamado cientista político Juan Linz escreveu sobre o papel dos políticos “semileais” no declínio da democracia. Ele os definiu como aqueles que estão dispostos a encorajar, tolerar, esconder ou justificar ações que ultrapassam os limites democráticos.

“Os partidos tornam-se suspeitos quando, com base em afinidade ideológica, concordância com alguns objetivos ou políticas específicas, fazem uma distinção entre meios e fins. Eles rejeitam os meios como indignos e extremos, mas os desculpam e não os denunciam publicamente por concordarem com os objetivos perseguidos.”

Linz escreveu ainda que a violência política, os assassinatos, as conspirações e os golpes militares malsucedidos são testes para identificar os semileais.

O conceito de Linz foi recuperado pelos cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Zibblat em “Como Salvar a Democracia”. Eles responsabilizam os Republicanos que apoiaram Donald Trump a despeito de suas manifestações antidemocráticas, abrindo caminho para a invasão do Capitólio ao não reconhecerem prontamente sua derrota em 2020.

No prefácio da edição brasileira, os autores argumentaram que as instituições e os políticos lidaram melhor com a crise no Brasil, rechaçando com firmeza a ameaça democrática.

À época já havia contrapontos a esse entendimento, mas agora eles se acumulam.

Após a conclusão do inquérito da Polícia Federal, o ex-presidente Michel Temer (MDB), que chegou a aconselhar Bolsonaro durante crise institucional com o STF, afirmou que não vê riscos para a democracia e que não há clima para golpe.

Temer também minimizou a participação de militares no plano de assassinato narrado pela PF, dizendo que apenas alguns se envolveram.

O senador Ciro Nogueira, presidente do PP, escreveu nas redes sociais que tem certeza da inocência de Bolsonaro, seu aliado, mas não comentou as revelações.

Já o senador Sergio Moro (União Brasil), que largou a toga para virar ministro da Justiça do ex-presidente, com quem depois rompeu, disse que, sem a divulgação do relatório da PF, era “inviável qualquer juízo de valor”. Seis dias depois que o conteúdo foi a público, ele ainda não havia se manifestado.

Questionado sobre o indiciamento de Bolsonaro, o governador de Goiás e presidenciável Ronaldo Caiado (União Brasil) afirmou: “E daí? A vida continua. Se eu fosse ficar preocupado com as pequenas coisas, eu não governaria”. Cláudio Castro (PL), governador do Rio de Janeiro, disse que não acredita em tentativa de golpe e que havia pessoas “fazendo baderna”.

Governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD) afirmou à Folha que “indiciamento não é sinônimo de condenação”. “É preciso aguardar até mesmo para que o trabalho de investigação não seja comprometido, e os acusados não sejam vítimas de qualquer juízo de valor precipitado.”

O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), pupilo de Bolsonaro, sugeriu que a investigação “carece de provas”, mas não detalhou seus argumentos. Homem forte de sua gestão em São Paulo, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, disse que aguardaria a quebra do sigilo, mas que “esta página está virada”. “Que a gente possa identificar que não teve nada que pudesse contaminar a nossa democracia”, afirmou ele.

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), e os presidentes do Republicanos, Marcos Pereira, e do MDB, Baleia Rossi, não se manifestaram.

Após a divulgação da conclusão da PF de que havia um plano de assassinato em meio à trama golpista, o MDB publicou nas redes sociais que era “fundamental apoiar total rigor nas investigações sobre o suposto plano de morte do presidente e do vice-presidente da República e do ministro do STF”.

A assessoria de imprensa da sigla procurou a Folha após a divulgação desta reportagem, afirmando que a manifestação foi publicada por determinação de Rossi e lida na reunião da Executiva Nacional como posicionamento oficial do MDB sobre o tema.

 

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo

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