Mulheres tabajaras lançam coleção de moda inspirada na cultura e ancestralidade
Moda além dos padrões da sociedade, sem a imposição e a influência dos não indígenas, moda feita por nós e para nós”. É assim que Natália Lima, liderança indígena tabajara e idealizadora da marca Use Niaras, define a proposta da primeira coleção de moda indígena da Paraíba, lançada, em setembro deste ano, pelas mulheres da Aldeia Vitória, localizada na Mata da Chica, em Conde, Litoral Sul da Paraíba. A iniciativa integra as ações do coletivo Niaras, grupo de mulheres indígenas tabajaras que tem como objetivo o fortalecimento do protagonismo feminino pela cultura.
Natália Lima, que também é nutricionista e atua na saúde indígena com os povos potiguara e tabajara, conta que a proposta da coleção é unir tradição e contemporaneidade. “A ideia surgiu a partir do entendimento de que o modelo de estereótipo colonial e seus padrões não nos representam. A partir desse ponto principal, eu idealizei uma marca que carrega a nossa cultura e a ancestralidade a partir das energias e representações do grafismo e de elementos representativos da natureza”.
A coleção inaugural da marca Use Niaras apresenta, ao todo, 14 peças femininas, entre vestidos e conjunto de saias e blusas, tanto infantis
quanto adultos. As roupas confeccionadas em algodão representam uma fusão entre o design moderno e as referências culturais indígenas, como os traços das pinturas corporais e as cores que exaltam a natureza.
O lançamento da marca e o primeiro desfile ocorreram durante a Mostra Cultural das Niaras, realizada em setembro deste ano, na própria aldeia do grupo. De lá para cá, a coleção também já se apresentou durante a Expo Favela Paraíba e em evento promovido pelo Centro Universitário Uniesp, ambos em João Pessoa. As modelos são mulheres e meninas que fazem parte do coletivo Niaras, e os acessórios foram
confeccionados pela artesã tradicional tabajara, Sônia Rodrigues.
O coletivo Niaras reforça que a proposta não se trata apenas de uma marca de roupa, mas de um movimento de mulheres e de empoderamento feminino que busca redefinir padrões de beleza e dar visibilidade à diversidade indígena, muitas vezes ignorada pela
indústria da moda. “É uma forma de reafirmação da identidade indígena, pois a moda também é uma ferramenta de comunicação, a partir do vestir”, afirma a criadora da coleção.
A liderança indígena tabajara também revela preocupação com o modo folclórico como trajes indígenas são vistos costumeiramente e defende, para além da moda, outras ações que superem tal visão: “Esse estereótipo precisa ser desconstruído em espaços como as escolas, pois a educação é uma forma de trazer a informação e evitar o preconceito, com isso os paraibanos e brasileiros conheçam sua própria história e respeitem a cultura dos povos indígenas”.
Os desafios, como em outras iniciativas de empreendedorismo, são muitos. O grupo está em busca de recursos para realizar investimentos capazes de potencializar a marca e a iniciativa está sendo formalizada com a criação de um CNPJ. Por enquanto, a divulgação e as vendas das peças ocorrem somente pelo contato via o perfil no Instagram (@niaras_tabajara) ou nas feiras de economia criativa das quais o grupo
participa e onde exibe a coleção. O coletivo se comprometeu ainda a reinvestir parte dos lucros obtidos em projetos que apoiam as comunidades indígenas, de modo que cada compra é também uma contribuição à preservação cultural e ao desenvolvimento sustentável dessas comunidades.
“A marca convida a todos a explorar essa nova coleção, que não apenas veste o corpo, mas também toca a alma”, convoca o perfil
do coletivo na rede social.
Coletivo Niaras
Mulheres em busca de grandes objetivos. Esse é o lema do coletivo Niaras, fundado em 2019, com o objetivo de fortalecer o protagonismo das
mulheres indígenas tabajaras. O grupo, que atualmente conta com aproximadamente 70 integrantes, desenvolve ações para dar visibilidade à sua cultura, a exemplo da organização de uma horta coletiva orgânica, de estímulo à produção de artesanato e da medicina tradicional, apoiando práticas de reflorestamento de áreas degradadas da comunidade.
Para fortalecer essas iniciativas e estimular parcerias com Poder Público, universidades e movimentos e organizações sociais, a cada ano as mulheres do Niaras promovem um encontro na aldeia. O evento celebrativo envolve rodas de conversas para discussão de questões ligadas ao contexto da mulher indígena e de outros temas de interesse, além de feira de economia criativa, apresentações culturais e oficinas como grafismo, cerâmica e artesanato.
A edição deste ano, que procurou exaltar a beleza das originárias e celebrar a força da mulher indígena tabajara, contou, além do primeiro desfile da coleção de moda, com uma exposição fotográfica, a exibição de documentário e a prática do ritual do Toré das Niaras,
conduzido por muheres. Os povos indígenas tabajaras se concentram no Litoral Sul paraibano, em bairros periféricos de João Pessoa e
nos municípios de Pitimbu, Alhandra e Conde, onde se estabelecem em quatro aldeias: Barra de Gramame, Nova Conquista Taquara, Severo Bernardo e Vitória. As áreas desses municípios ainda aguardam demarcação como território indígena.
Texto de Marcos Carvalho, para o Jornal A União deste domingo, 8/12
Foto: João Pedrosa/A União