Sepulcros caiados
Eu pensei tratar-se apenas de uma declaração sem maiores intenções, daquelas que ninguém leva a sério. Tipo uma piada. Mas o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), um dos expoentes da extrema-direita no Brasil, levou a sério.
O cantor Gusttavo Lima havia declarado que gostaria de ser presidente da República. Já entraria na política assim, por cima, na janelinha. Caiado, segundo a imprensa divulgou, estaria se movimentado estrategicamente para fazer com que o cantor Gusttavo Lima comece sua empreitada política no Governo de Goiás. Seria candidato a governador já em 2026. E pelo partido de Caiado.
Segundo matéria do jornal O Globo, a intenção seria consolidar uma aliança que beneficie diretamente Caiado em sua própria empreitada rumo à Presidência da República. E o União Brasil já estaria preparando pesquisa eleitoral para medir a aceitação dos goianos ao nome de Lima.
Detalhe: o cantor esteve enroscado, recentemente, com uma bet paraibana que foi alvo de investigações da Polícia Federal. Não tem qualquer experiência política. Sua arte, digamos assim, não evidencia qualquer tendência virtuose. Não é um poeta, é um compositor de musiquinhas fáceis e de letras ruins. O que danado ele teria a oferecer a Goiás e – Deus nos livre – ao Brasil?
Ainda bem que, pelo menos em princípio, o nome do artista para presidente não ganhou tanta adesão quanto se supôs. Nem o de Caiado. Gusttavo Lima aparece com 0,4% e Caiado com 0,5% das intenções de voto, segundo pesquisa feita entre 7 e 10 deste mês pelo Instituto Paraná Pesquisas.
Colocar gás nessas intenções políticas do cantor é uma forma apenas do governador bolsonarista se promover, de ganhar um cabo eleitoral popular. Está pouco ligando para o bem-estar do seu povo. Mas até o presidente nacional da legenda, Antonio Rueda, fã e amigo do cantor, comprou a ideia com a maior naturalidade.
É revoltante perceber o quanto o Brasil retrocede com a extrema-direita, até parece que ninguém, nesse meio, tem capacidade de pensar política com P maiúsculo. Transformam uma declaração que deveria ser interpretada como, no mínimo, uma piada em uma possibilidade real e até viável para o país, para um estado. Não deveriam cogitar isso nem para uma candidatura a vereador. Mas Bolsonaro, para muitos, também começou como uma piada. E assim o Brasil renova a fama que ganhou com uma frase atribuída ao presidente francês Charles de Gaulle: “O Brasil não é um país sério” (a frase seria, na verdade do então embaixador brasileiro na França, Carlos Alves de Souza).
Mas todos os que apoiam essas sandices estão de olho no seu próprio umbigo. Cobras criadas, sepulcros caiados – não foi intencional o joguinho de palavra com o sobrenome do governador, juro. Mas até que caiu bem.
Artigo publicado originalmente no Jornal A União
Por acaso você conhece os números da economia brasileira de 2016 para cá? Não parece, afirmar que o “país retrocede com a direita”, é passar um atestado de desconhecimento.