Morre Cacá Diegues, diretor de Bye Bye, Brasil e grande nome do cinema novo
Morreu na madrugada desta sexta-feira o cineasta Cacá Diegues, aos 84 anos. Conhecido por clássicos do cinema brasileiro, como “Bye Bye, Brasil“, de 1979, e obras de vanguarda da filmografia nacional, como “Ganga Zumba“, exibido no Festival de Cannes, na França, em 1964, ele foi um dos expoentes do movimento do cinema novo. Também era um dos imortais da Academia Brasileira de Letras, a ABL, para onde foi eleito em 2018.
Ele morreu na clínica São Vicente, na zona sul do Rio de Janeiro, após complicações de uma cirurgia na próstata. O velório será neste sábado, a partir das 9h, no edifício da ABL, no centro do Rio. À tarde, o corpo do cineasta será cremado.
Em mais de 20 filmes, desde “Cinco Vezes Favela“, de 1961 —um conjunto de cinco curtas, produção do Centro Popular de Cultura (CPC), ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE), do qual era integrante—, passando “A Grande Cidade“, de 1966, “Os Herdeiros”, de 1969, “Quilombo“, de 1984, até “O Grande Circo Místico“, de 2018, sua última obra, Diegues contemplou as grandes questões sociais do país, da miséria à questão racial e da modernização do Brasil.
Diegues também foi um dos intelectuais mais ativos do país do século passado na discussão político-cultural, denunciando o que chamou de “patrulhas ideológicas” —no final dos anos 1970, pelas críticas que recebeu ao fazer musicais como “Quando o Carnaval Chegar”—, ou a rejeição do “autolinchamento” dos brasileiros, no início dos anos 1990. Também ajudou na idealização do grupo Núcleo de Cinema do Nós do Morro, que continua até hoje na comunidade do Vidigal, no Rio.
Nascido em Maceió, em 1940, e aos seis anos se mudou com a família para o Rio de Janeiro, onde cresceu e estudou Direito na PUC, onde começaria sua aproximação com o cinema ao fundar um cineclube ao lado de nomes como Arnaldo Jabor e David Neves.
Ainda assim, eram críticos da cultura nacional e demonstram não só a forte aproximação de Diegues com a nata da música brasileira, como o seu trânsito junto a financiadores internacionais —foi, aliás, o principal da sua geração nesse quesito.
Foram eles o musical “Quando o Carnaval Chegar“, hoje um registro histórico ímpar, estrelado por Nara, Chico Buarque e Maria Bethânia; e “Joanna Francesa“, também com música de Chico e com Jeanne Moreau no papel de uma dona de bordel em São Paulo, nos anos 1930, que deixa a vida confortável para, numa aventura amorosa, ir para o interior de Alagoas com um coronel dono de um engenho de açúcar.
Em seguida, viria “Xica da Silva“, em 1976, com Zezé Motta no papel da figura histórica que marcou um retorno do diretor à temática da escravidão 13 anos após “Ganga Zumba” —à época, mais de 3,2 milhões de espectadores conheceram a história da escravizada que vira “rainha do diamante” após um representante da corte portuguesa se apaixonar por ela.
Em seguida, viria “Chuvas de Verão“, que aborda o amor na terceira idade, com Jofre Soares e Miriam Pires, num raro registro de cenas de nudez e sexo de pessoas mais velhas para aquela época, 1977. Mais uma vez, a trilha sonora com Waldir Azevedo, Erasmo Carlos, Roberto Carlos, Jararaca e Herivelto Martins reforçava a aproximação do cineasta com a música.
O célebre “Bye Bye Brasil”, com José Wilker e Betty Faria, se tornou um dos filmes mais marcantes do período final da ditadura militar. As aventuras da Caravana Rolidei percebem não só o avanço de uma modernidade, como a constatação de uma era que entra em agonia. Os artistas mambembes viajam pelo Brasil —há cenas que seguem pela Transamazônica— fugindo das chamadas “espinhas de peixe”, apelido para as antenas de TV. Afinal, onde há novela, ninguém mais se interessa pelo circo nas praças.
Ao falar da obra e do poder sem igual da televisão, Diegues costumava relembrar o momento em que viu um homem indígena idoso sentado em frente a um aparelho que não exibia nada, apenas estática. Percebia também a força agregadora dessa mídia que surgia ao ver como reunia as pessoas ao redor dos televisores adquiridos pelo governo e instalados nos centros das pequenas cidades pela quais viajava no interior do Brasil.
“Quilombo”, de 1984, retomaria ainda mais uma vez a história de Palmares numa produção internacional maior, mas que foi, no geral, mal recebida pelos críticos como uma “apologia da cultura negra soterrada pela teatralidade e pelas boas intenções”, como escreveu José Geraldo Couto neste jornal.
A década de 1980 seria marcada por produções menores e um feito —foi parte do júri do Festival de Cannes em 1981. “Um Trem para as Estrelas”, de 1987, e “Dias Melhores Virão”, de 1989, feito em um momento forte da crise do cinema nacional, mostraram uma busca desajeitada em torno de novos temas —nesses casos, os sonhos da juventude urbana e as ilusões construída pela TV. “Dias Melhores Virão” causaria polêmica ainda por ter sido primeiro lançado na TV, o que levou exibidores a boicotarem o filme.
Depois, Diegues ainda mergulharia em grandes produções, como o filme “Tieta do Agreste”, de 1993, com Sônia Braga como a libertária protagonista do romance de Jorge Amado, com a canção-tema “A Luz de Tieta”, de Caetano Veloso e Gal Costa; e “Deus É Brasileiro”, com Antonio Fagundes no papel de um Deus que decide tirar férias e vai atrás de um substituo no Brasil —país tão religioso, afinal.
Seu último trabalho lançado foi “O Grande Circo Místico”, de 2018, inspirado num poema de Jorge de Lima, mas que teve uma recepção crítica bastante negativa. Diegues deixa um filme inédito —ele finalizava “Deus Ainda é Brasileiro”, uma continuação do sucesso “Deus É Brasileiro”, de 2003,
O cineasta era casado, desde 1981, com a produtora de cinema Renata Almeida Magalhães. Em 2019, o cineasta perdeu Flora, a filha que teve com Renata, morta após tratar um câncer no cérebro, aos 34. Diegues deixa os filhos Isabel e Francisco Diegues, do casamento com Nara, e três netos.
Transcrito da Folha de S. Paulo