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Bom dia, foi aqui que pediram um golpe ao ponto?

“A Marcha da Insensatez”, da historiadora norte-americana Barbara Tuchman, mostra como os governos e os líderes políticos, ao longo da história, tomam decisões catastróficas mesmo sabendo que estão marchando rumo ao despenhadeiro. Foi assim na Guerra de Tróia e na Guerra do Vietnã. Por aqui, estamos acompanhando, ao vivo, em cores e em tempo real, um golpe sendo tramado debaixo dos nossos narizes, e quase nada temos feito para contê-lo. Golpes sempre vêm de surpresa, da mesma forma como os ladrões nunca anunciam seus roubos.

Mas aqui na “Pátria Amada, Brasil”, o golpe bolsonarista não tem sido apenas anunciado, como reiterado, repercutido e amplificado em manifestações públicas, por grupos extremistas, pelo próprio chefe do governo e pela família dele. Incomodado com as investigações da Polícia Federal, com respaldo do Supremo Tribunal Federal, que estão comprovando denúncias de sua interferência na PF, falcatruas de seus filhos, como as “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio e o patrocínio a milícias digitais responsáveis pela difusão maciça de fake news como as que o ajudaram a eleger-se, Bolsonaro parou de apenas emitir sinais: agora anuncia com todas as letras, vírgulas e pontos que pretende empalmar o poder de forma autoritária, suprimindo o Judiciário e fechando o Legislativo.

Não pra outra razão participa de manifestações com faixas e cartazes neste sentido, embora, pra manter as aparências, diga depois que respeita os outros poderes. Tudo conversa. Quando ainda era deputado já defendia o fechamento do Congresso. Não há nenhuma novidade nisso.Com ele é nas armas. Ou no pau.

O que assusta neste momento é a marcha da insensatez das lideranças políticas, que insistem na suavidade das notas disso e daquilo, e do apelo ao diálogo e à conciliação. Atitudes absolutamente inúteis, diante da notória aversão que o capitão tem ao diálogo. Com ele, não tem essa de conciliação. Tudo deve ser decidido no pau. Com todo mundo armado, como defendeu naquele papo de botequim que alguém chamou de reunião ministerial.

Na intimidade, Bolsonaro tenta passar a ideia de desejar a harmonia e a convivência pacífica com os outros poderes. Rodrigo Maia e Alcolumbre, chefes do Legislativo, dizem que nos encontros a sós com ele, o truculento dá espaço ao Bolsonaro Paz e Amor. Age da mesma forma com Toffoli, chefe do Judiciário. Mas logo em seguida se contradiz, com ataques desaforados ao Congresso e ao STF. Em política, aprendi com Carlos Castelo Branco, de quem fui colega no velho Jornal do Brasil, deve-se atentar mais aos atos do que aos discursos.

As instituições estão funcionando. Será?

O filósofo Roberto Romano, que previu o viés autoritário do governo Bolsonaro, opõe-se ao jargão surrado de cientistas políticos, analistas e jornalistas de que “as instituições estão funcionando normalmente”. Lembra que basta uma olhada rápida na história pra se perceber que elas nunca funcionaram normalmente. E é verdade. Do Império pra cá tem sido um golpe atrás de outro.

A própria República foi proclamada numa quartelada. O Plano Cohen, fake news quando o termo ainda nem existia, de que os comunistas preparavam a tomada do poder, serviu de combustível para Vargas dar o bote e emplacar o Estado Novo. O boato de que Jango iria implantar uma república sindicalista ofereceu a motivação para os militares darem o golpe de 64. Neste momento, a insistente narrativa de que o Congresso e o Judiciário “não deixam o homem trabalhar” está se espalhando como rastilho de pólvora.

Como não adianta argumentar com a explicação da divisão dos poderes, essência do estado democrático, porque a massa fanática não raciocina e apenas segue o líder, o discurso da necessidade do golpe ganha força.E a marcha da insensatez segue seu curso, sem qualquer ação mais concreta e consertada entre os líderes e chefes dos demais poderes no sentido de contê-lo enquanto há tempo. O problema é que este tempo está cada vez menor. O desespero de Bolsonaro faz com que ele esquente cada vez mais os motores.

Basta ler as últimas declarações dele e dos filhos – “Chegamos ao limite”, “Acabou!”, “Estamos perto de uma crise”, “O problema não é mais se, mas quando [haverá uma ruptura]”. Entre outras. Tudo isso na cara de pau, em público, em alto e bom som.

E o golpe indo ao forno

Como a pandemia inibe manifestações de rua, Bolsonaro se dá ao luxo de desfilar publicamente com a bandeira do golpe numa mão e com a outra cumprimenta ostensivamente sua boiada de apoiadores, desafiando as orientações das autoridades mundiais de saúde. O setor militar, encalacrado entre o apoio ao capitão e a defesa das instituições, limita-se a uma notinha aqui e outra ali, tentando baixar o fogo. E o golpe sendo temperado. Legislativo e Judiciário, que já deveriam estar agindo em sintonia fina para conter o ímpeto golpista, resumem-se a tímidas manifestações de defesa do estado de direito. E o golpe sendo gratinado. Líderes políticos, sindicais e de classe não parecem ver o que está acontecendo debaixo de seus narizes. E o golpe engordando. Bolsonaro plantando em todos os setores do governo integrantes de sua boiada de apoiadores (basta abrir o Diário Oficial, todo dia tem novidades). E o golpe sendo arrumado no prato.

“As consequências sempre vêm depois”

Chegará a hora em que alguém baterá na porta para entregar um “golpe ao ponto”. E o problema não é se a tentativa de golpe será bem ou mal sucedida, e sim a certeza de que, seja qual for o desfecho, o único cenário previsível é o da explosão da violência com o inevitável derramamento de sangue.

Se não agirem rápido em busca de uma solução que contemple a remoção de Bolsonaro de forma pacífica e firme, enquanto é tempo, a próxima edição d“A Marcha da Insensatez” de Barbara Tuchman vai circular com um novo capítulo. Como diria o Conselheiro Acácio, personagem de Machado de Assis, “as consequências sempre vêm depois”.

Aí só restará sentar no meio-fio e chorar. Isso se ainda houver meio-fio. Se deixarem sentar. E se o choro ainda não tiver sido proibido.

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