Motociclistas são 75% dos mortos no trânsito paraibano
Os motociclistas paraibanos continuam sendo os protagonistas de um tráfego perigoso e, muitas vezes, fatal. Em 2024, 46% dos quase 13 mil acidentes de trânsito registrados no estado envolveram motos, o que corresponde a 6.108 ocorrências desse tipo. As estatísticas são ainda mais duras quando se observa a quantidade de fatalidades: 75% das 639 mortes registradas no trânsito, no ano passado, tiveram os motociclistas como vítimas.
Segundo dados da Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social (Sesds), em 2024, homens de 21 a 40 anos foram os que mais sofreram quedas e colisões, representando mais de 85% dos acidentados. Para se ter uma ideia da gravidade desse cenário, somente nos primeiros 10 dias deste ano já foram registrados 173 acidentes com motociclistas, de um total de 338 casos — número que equivale a mais de metade dos 313 sinistros registrados em todo o mês de janeiro do ano passado.
Além de alarmantes, esses dados levantam uma reflexão importante: o que está por trás de tantos acidentes e mortes? Seria a imprudência o principal fator? Embora a resposta envolva uma série de fatores, uma informação destacada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) contribui para entender o contexto desses acidentes. Conforme o órgão, pelo menos 60% dos motociclistas flagrados no estado estavam irregulares.
Um exemplo recente mostra bem a realidade daqui: dois jovens de 19 anos foram detidos na BR-230, em João Pessoa, no dia 24 de janeiro, quando tentavam fugir da fiscalização. Ambos pilotavam motocicletas sem habilitação e realizavam manobras perigosas em meio a um intenso fluxo de veículos, ciclistas e pedestres.
Para Ariana Nogueira, gerente-executiva de Educação para o Trânsito do Departamento Estadual de Trânsito (Detran-PB), o agravante que mais contribui para esse cenário é o descuido dos motoristas. “Estudos mostram que 99% dos acidentes de trânsito são causados por imprudência humana”, destaca a especialista. Na prática, isso representa desatenção, excesso de velocidade, ultrapassagem proibida e, sobretudo, desrespeito às regras.
Segundo ela, os três fatores que mais contribuem para os índices encontrados na Paraíba são o uso do celular ao volante, o consumo de bebida alcoólica e o excesso de velocidade. “O pior é que muitos desses fatores estão combinados. Tem gente que dirige embriagado e, ao mesmo tempo, está no celular. Isso aumenta muito o risco e, no caso dos motociclistas, qualquer descuido pode ser fatal”, salienta.
Polos estaduais
Não por acaso, essa imprudência no trânsito é o que tem levado a um cenário assustador nas duas maiores cidades da Paraíba. De acordo com o painel de sinistros da Sesds, João Pessoa e Campina Grande foram os municípios do estado com o maior número de acidentes fatais envolvendo motocicletas, em 2024, com 48 e 53 mortes, respectivamente.
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as o problema não se limita a essas localidades. Patos, por exemplo, no Sertão paraibano, também se destaca, com 21 sinistros letais, de um total de 24 ocorrências. Essa realidade tem se repetido em outras regiões do estado, de Santa Rita a Catolé do Rocha, evidenciando que a imprudência no trânsito não é uma questão isolada, mas um desafio a ser enfrentado pela sociedade.
Ariana alerta que a Paraíba está entre os estados com um dos trânsitos mais violentos do país, ocupando o 5o lugar no ranking nacional. “Motociclistas representam 80% das mortes e das lesões graves no trânsito brasileiro. Na Paraíba, os números seguem essa mesma tendência preocupante. Mas não é só no Brasil, trata-se de uma verdadeira pandemia”, alerta.
Nos hospitais
Para além dos números, é preciso enxergar o verdadeiro impacto desses acidentes. Não se trata apenas de estatísticas, mas de vidas perdidas ou de pessoas que enfrentam cirurgias, internações prolongadas e um duro processo de reabilitação — algumas, inclusive, com sequelas permanentes.
O reflexo disso recai diretamente sobre as unidades de saúde, como os hospitais de Trauma de João Pessoa e de Campina Grande, que, juntos, atenderam 21.898 vítimas de sinistros de trânsito, em 2024. E o dado mais alarmante vem a seguir: 80% desses pacientes eram motociclistas, de acordo com Ariana Nogueira.
Só no Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena (HEETSHL), em João Pessoa, de janeiro a dezembro do ano passado, foram atendidas 9.786 vítimas de acidentes de moto, 12% a mais em relação ao mesmo período de 2023. A maioria delas era do sexo masculino, na faixa etária de 19 a 59 anos, o mesmo perfil delineado pelas estatísticas de sinistros no estado.
Além disso, crianças de até 12 anos e adolescentes também foram atendidos na unidade, totalizando 912 casos, o que reforça a necessidade de ações mais efetivas para conter esse ciclo de violência no trânsito. Esse crescimento já vinha sendo observado na unidade, no período pós-pandemia.
Em entrevista ao Jornal A União, no ano passado, o diretor técnico do hospital, Glauber Novaes, relacionou o aumento expressivo no número de acidentes ao crescimento da frota de motocicletas e à expansão das redes de entrega em João Pessoa. Na ocasião, ele destacou que, durante a pandemia, as ocorrências caíram, mas, depois disso, os sinistros voltaram a crescer em ritmo acelerado.
“Quando a pandemia passou, tanto os acidentes convencionais quanto aqueles envolvendo motos aumentaram”, afirma. Para se ter ideia, o Detran-PB estima que, em média, cada família paraibana tenha até duas motocicletas na garagem. Jovens Para completar o cenário, a especialista Ariana alerta para uma prática muito recorrente no interior do estado, onde muitos pais permitem que adolescentes pilotem motos sem habilitação.
“Isso acontece com frequência, especialmente nas cidades menores. Os pais acham normal que os filhos aprendam a pilotar desde cedo, mas essa falta de preparo coloca em risco não só os próprios jovens, mas todos que divididem o trânsito com eles”, diz.
Além do impacto direto nos hospitais, cada acidente sofrido impõe um alto custo à saúde pública e retira do mercado jovens trabalhadores. Para ela, a alta mortalidade entre jovens de 20 a 29 anos é bastante preocupante. “Estamos perdendo uma geração economicamente ativa, que deveria estar trabalhando, estudando, contribuindo para a Previdência Social. E essa ausência vai gerar um impacto futuro”, analisa.
Ações do Detran
Parafraseando o recifense Paulo Freire, educador e filósofo reconhecido internacionalmente, a educação não transforma o mundo, mas muda as pessoas; e são elas, as pessoas, que podem transformar o mundo. Nada mais simbólico, portanto, do que falar em educação para destacar o que o Detran-PB tem feito para conscientizar a população.
Em 2023, mais de 70 mil pessoas participaram de iniciativas educativas do órgão. Uma delas é o Projeto Nino, voltado para trabalhadores da construção civil, realizado em parceria com a PRF e o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-JP).
“Nós vamos aos canteiros de obras para dialogar com eles sobre comportamentos que são inseguros e que potencializam os riscos de eles se envolverem em acidentes de trânsito”, conta Ariana. Outro exemplo é o Projeto Mobiliza, que tem um recorte específico para mulheres motociclistas que trabalham com transporte por aplicativo.
“Fazemos encontros para ouvir essas mulheres, entender os desafios que elas enfrentam no trânsito e oferecer orientações para uma condução mais segura”, diz. Contudo, Ariana pontua que ainda é desafiador atingir o público que mais se acidenta no trânsito paraibano: os homens.
Embora componham o grupo mais exposto a acidentes, eles também são os mais resistentes às ações educativas. “É mais fácil trazer mulheres para participar dos encontros. Os homens têm mais dificuldade de se enxergar como parte do problema”. Para a especialista, os números só vão mudar quando cada motorista reconhecer o trânsito como um espaço coletivo, assumindo sua parte na construção de um ambiente mais seguro. Afinal, salvar vidas não depende apenas de fiscalização.
Transcrito do Jornal A União Foto: Carlos Rodrigo/A União