Análise do projeto de corte de gastos do governo: o impacto econômico e social das mudanças propostas
Na noite de quinta-feira (19), a Câmara dos Deputados aprovou o terceiro projeto integrante do pacote de corte de gastos do governo, com 264 votos a favor e 209 contra. O texto propõe mudanças significativas em diversas áreas, desde o salário mínimo até os programas sociais, incluindo o Proagro, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Bolsa Família. A aprovação, que ainda precisa passar pelo Senado, gera um debate acirrado sobre as suas consequências econômicas e sociais, além de levantar questões políticas cruciais para o futuro do governo e do Congresso.
O Pacote de Corte de Gastos: O que Está em Jogo
O projeto aprovado visa implementar um teto para o crescimento do salário mínimo, vinculado à inflação do ano anterior, com uma valorização mínima de 0,6% em períodos de recessão econômica. De acordo com o Ministério da Fazenda, a medida deve gerar uma economia significativa, de aproximadamente R$ 109,8 bilhões entre 2025 e 2030. No entanto, a proposta vai muito além de questões fiscais, impactando diretamente a vida de milhões de brasileiros.
1. Limite no Crescimento do Salário Mínimo
A principal medida envolve o ajuste no salário mínimo, cujo aumento será restrito a 2,5% acima da inflação, com um mínimo de 0,6% em casos de recessão. Esse limite reflete a tentativa do governo de controlar a escalada das despesas públicas. Embora a proposta seja vista como uma medida necessária para reduzir o déficit fiscal, ela também levanta preocupações sobre a manutenção do poder de compra dos trabalhadores mais pobres, especialmente em períodos de baixa inflação.
Se, por um lado, o governo alega que o corte ajudará na sustentabilidade das contas públicas, por outro, a crítica recai sobre a incapacidade dessa medida em proporcionar uma real recuperação da renda dos brasileiros, especialmente nas classes mais vulneráveis.
2. Biometria para Programas Sociais: A Exigência de Controle
Outro ponto central do projeto é a obrigatoriedade da biometria para o recebimento de programas sociais, como o Bolsa Família. Embora a ideia seja combater fraudes e garantir que os benefícios cheguem aos realmente necessitados, a implementação de um sistema biométrico tem sido vista com ceticismo.
A medida pode excluir uma parte da população que ainda não tem acesso a essa tecnologia ou que enfrenta dificuldades em realizar o cadastro, como idosos ou pessoas com deficiência. De fato, o projeto apresenta exceções para esses grupos, mas não deixa de gerar um debate sobre o custo e a efetividade de um sistema que poderia ser mais inclusivo.
3. Proagro e o Impacto no Setor Agropecuário
O Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), destinado ao seguro rural, também será afetado pelas novas regras. Atualmente, o programa não possui um limite orçamentário fixo, o que faz com que o governo se comprometa a arcar com subsídios sem uma previsão clara de gastos. Com a mudança proposta, o valor gasto com subsídios será vinculado ao orçamento aprovado, trazendo uma maior previsibilidade e controle.
Embora essa medida tenha como objetivo reduzir os gastos públicos, ela pode afetar pequenos e médios produtores rurais, que são os maiores beneficiários do programa. A limitação orçamentária pode dificultar o acesso ao seguro rural em momentos de crise, como em casos de desastres naturais ou crises no setor agropecuário.
A Desidratação do Projeto: Concessões para Garantir a Aprovação
Para garantir a aprovação do projeto, o governo fez concessões importantes durante a tramitação na Câmara. O relator, deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), afrouxou as medidas inicialmente mais rígidas em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). A principal mudança foi a redefinição dos critérios para o acesso ao benefício, substituindo o termo “pessoa com deficiência” por “avaliação que ateste deficiência de grau moderado ou grave”. Essa alteração visava atender a uma preocupação de parlamentares que temiam que o projeto excluísse portadores de transtornos do espectro autista e pessoas com síndrome de Down.
Embora a medida tenha suavizado a proposta, ela ainda gera críticas, principalmente no que diz respeito à possibilidade de restringir o acesso de beneficiários com deficiência leve ou moderada. A oposição também questiona se essa “desidratação” do projeto será suficiente para atender à população que depende desses benefícios para a sobrevivência.
O Impacto Social e Econômico das Reformas
As mudanças propostas têm um efeito direto sobre as classes mais vulneráveis, principalmente no que diz respeito à segurança social e ao acesso a programas de apoio. A limitação no crescimento do salário mínimo, somada à obrigatoriedade de biometria, pode colocar em risco a inclusão social de diversos cidadãos que dependem desses benefícios para sua sobrevivência.
Por outro lado, as medidas de contenção de gastos também têm um efeito potencialmente positivo sobre a economia a longo prazo. A redução de gastos públicos, como o controle no aumento do salário mínimo e a fixação de um orçamento para o Proagro, pode ajudar a reduzir o déficit fiscal e controlar a inflação, o que é visto como essencial para a estabilidade econômica do país.
No entanto, a grande questão é até que ponto essas medidas de austeridade podem ser sustentáveis sem gerar um impacto excessivo sobre as camadas mais pobres da população. Em um cenário de crise econômica, as famílias de baixa renda podem ser as mais prejudicadas, com menos recursos disponíveis para consumo e investimentos em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura.
Conclusão: O Futuro do Projeto no Senado
Agora que o projeto foi aprovado na Câmara, ele segue para o Senado, onde a pressão política provavelmente continuará forte. O governo dependerá da aprovação nas duas Casas para que o Orçamento de 2025 possa ser discutido, o que aumenta a relevância política e econômica dessa votação. No entanto, ainda é incerto como as mudanças propostas serão recebidas pelos senadores e como elas poderão ser modificadas ou ajustadas durante essa nova fase.
O pacote de corte de gastos, com suas propostas de controle fiscal e revisão de benefícios sociais, representa um passo importante na agenda econômica do governo, mas também exige uma análise cuidadosa das suas implicações sociais e econômicas. Com uma economia fragilizada e uma população já vulnerável, as reformas podem ser vistas como necessárias, mas também como um risco de aprofundar desigualdades. A busca pelo equilíbrio entre austeridade fiscal e justiça social será, sem dúvida, o grande desafio no caminho da aprovação final desse projeto.
Fonte: Agência Senado