Brasil é condenado por desaparecimento de trabalhador rural na Paraíba
O Brasil foi condenado, na Corte Interamericana de Direitos Humanos, pelo desaparecimento do trabalhador rural paraibano Almir Muniz da Silva no ano de 2002. O julgamento ocorreu em novembro passado e a sentença foi divulgada ontem (11). Essa é a segunda condenação que o país recebeu em menos de um mês.
O tribunal reconheceu que Almir foi vítima de desaparecimento forçado, um tipo de crime que ainda não existe no Código Penal Brasileiro. Um dos pontos da condenação é justamente criar essa tipificação penal. “O que a corte determinou ao governo brasileiro é que adote medidas de articulação, junto ao Congresso, para que seja aprovado [esse novo tipo de crime], porque já tem dois projetos lá. Tem um que é de 2007”, disse Noaldo Belo Meireles, advogado da Comissão Pastoral da Terra, uma das entidades que fez a denúncia ao tribunal de direitos humanos.
Além disso, a Corte determinou outras seis medidas ao Brasil: investigar a investigação sobre o desaparecimento de Almir Silva; manter as buscas pelo paradeiro do trabalhador rural; fazer um ato público para reconhecer a responsabilidade internacional e pedir desculpas públicas; criar um protocolo de busca de desaparecidos e investigação de desaparecimento forçado; revisar o programa de proteção aos defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas em nível federal e estadual; e produzir um diagnóstico sobre a situação dos defensores de direitos humanos no contexto dos conflitos no campo.
Na sessão de divulgação da sentença, transmitida via Youtube, a presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a juíza Nancy Hernández Lópes declarou: “é clara a responsabilidade do Estado do Brasil pelo desaparecimento forçado do senhor Almir Muniz da Silva, trabalhador rural e defensor dos direitos dos trabalhadores rurais do estado da Paraíba, assim como a falta de diligências e investigações pelos fatos e a busca da vítima”.
O governo brasileiro tem o prazo de um ano, a contar da publicação da sentença, para apresentar um relatório com as medidas adotadas para atender as determinações da Corte.
Caso Almir
Casado e pai de três filhos, Almir Muniz da Silva, de 40 anos de idade à época, também era diretor da Associação de Trabalhadores Rurais da Terra Comunitária de Mendonça, em Itabaiana, e já havia sido presidente. Por todo o contexto, concluiu-se que o policial civil Sérgio Azevedo foi o responsável pelo desaparecimento forçado de Almir.
Em 2001, Almir testemunhou na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Paraíba sobre violência no campo e formação de milícias rurais. Ele e outros trabalhadores receberam ameaças de Sérgio, que inclusive foram registradas no relatório da CPI.
Em 29 de junho de 2002, último dia em que ele foi visto, o trator usado por Silva foi desovado em Itambé (PE), município próximo à divisa com a Paraíba, e cheio de lama. Para Noaldo Belo, essa era uma estratégia para despistar as autoridades. “Quem encontrou o trator dele foi um popular, que passou para um vereador de Itabaina. A perícia foi tão mal feita que sequer constatou que havia duas marcas de perfuração de bala no trator”, acrescentou Noaldo. As investigações foram arquivadas em 2009 depois que Sérgio Azevedo chegou a ser investigador da delegacia responsável pelo caso.
Manuel Luiz da Silva
Silva foi assassinado em 19 de maio de 1997, em São Miguel de Taipu, município da Paraíba localizado a cerca de 50 quilômetros da capital do estado, João Pessoa. Ele tinha 40 anos, integrava o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e participava da ocupação da Fazenda Amarelo, de propriedade de Alcides Vieira de Azevedo. Ao morrer, deixou a esposa, Edileusa Adelino de Lima, grávida de dois meses, e um filho de quatro anos.
Segundo testemunhas, pouco antes do crime, Silva e alguns companheiros afastaram-se da ocupação para fazer compras em uma mercearia próxima. Na volta, foram abordados por funcionários de uma propriedade vizinha, a Engenho Itaipu, já submetida a um processo de desapropriação para a reforma agrária.
Conforme a investigação policial e a posterior denúncia do Ministério Público da Paraíba (MP-PB), os trabalhadores que abordaram o grupo estavam armados com espingardas de grosso calibre e agrediram os sem-terra antes de disparar o tiro que atingiu Silva.
O MP-PB denunciou duas pessoas pela morte de Silva: o agricultor José Caetano da Silva e o vaqueiro Severino Lima da Silva, de 53 anos. Os dois só foram julgados em 2009, 12 anos após o crime. E mesmo reconhecendo que Caetano e Lima participaram do assassinato do trabalhador rural sem terra, os jurados absolveram os acusados.
Após denúncia da impunidade no caso, a Corte condenou, no mês passado, o Brasil, a: realizar ato público que reconheça a sua responsabilidade pela violação dos direitos da família de Manuel à verdade e integridade pessoal da vítima; organizar e divulgar informações sobre a violência contra trabalhadores rurais na Paraíba; e pagar indenização à família e oferecer acompanhamento de saúde.
Marcelo Lima/Jornal A União
Foto: CPT Nordeste