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CNJ afasta Hardt (juíza do Ctrl C, Ctrl V) por fatos apurados em correição na 13ª Vara; há suspeita de peculato e corrupção

O Conselho Nacional de Justiça, após correição feita na 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelos processos da finada “lava jato” no Paraná, determinou o afastamento da juíza federal Gabriela Hardt, do juiz federal Danilo Pereira Júnior e dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, ambos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, órgão recursal que analisava as mesmas ações em segunda instância.

Reprodução/Twitter
Gabriela Hardt foi afastada por decisão do Conselho Nacional de Justiça

A decisão que determinou o afastamento de Hardt, assinada pelo corregedor-nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, cita que os fatos apontados na correição são graves, como o “atípico direcionamento dos recursos obtidos a partir da homologação de acordos de colaboração e de leniência exclusivamente para a Petrobras” e a “discussão prévia” de Hardt em um aplicativo de mensagens, antecipando sua decisão.

O afastamento da julgadora foi embasado ainda pela necessidade de preservação da ordem pública e a “necessidade de resguardo das apurações administrativas e, eventualmente, judiciais”. Os casos de Hardt, Pereira Júnior e dos desembargadores devem ser levados ao plenário do Conselho na sessão desta terça-feira (16/4).

O ex-juiz e senador Sergio Moro (União Brasil-PR) também é parte em uma das reclamações disciplinares, mas, segundo o documento assinado por Salomão, seu caso “será tratado no mérito, quando do exame da questão pelo Plenário do CNJ, dado que não há nenhuma providência cautelar a ser adotada no campo administrativo”.

Para o advogado e professor Lenio Streck, crítico de primeira hora da “lava jato”, a decisão da corregedoria ajuda a restaurar a credibilidade do Judiciário após os abusos da “lava jato”. “Não é surpresa para quem, como eu, denunciei os vários ‘by pass’ praticados na operação. Sentenças no recorta e cola, decisões protocoladas dois minutos depois de o advogado anexar a defesa, condenações sem provas, desobediência a decisões do STF, dinheiro mal administrado na 13a Vara, atos autoritários. Um dia a justiça chega. Mesmo que demorada e tardiamente. Sergio Moro (ex-juiz), Deltan Dallagnol (ex-procurador) e Carlos Fernando dos Santos Lima (ex-procurador) já não estão nos cargos”, elencou.

“Trata-se de um desafio para o CNJ restaurar a credibilidade do sistema. Punindo inclusive os que pularam da barca. A ‘lava jato’ se notabilizou em atirar a flecha e depois pintar o alvo. Não erravam nunca. Agora foram pegos. Há muita coisa por apurar.”

A Justiça Federal do Paraná informou que o TRF-4 já foi intimado e a decisão do CNJ pelo afastamento dos magistrados está sendo cumprida.

O caso da juíza federal

Na reclamação contra Hardt, Salomão afirma que a correição “identificou diversas irregularidades e ilegalidades ocorridas nos fluxos de trabalho desenvolvidos durante diversas investigações e ações penais que compuseram o que se denominou ‘Operação Lava Jato’, especialmente no que se refere aos mecanismos de controle e prestação de contas nos autos.”

Os atos da juíza, diz o documento, podem, em tese, ser enquadrados em tipos penais como peculato, corrupção privilegiada e corrupção passiva, além de infrações administrativas, “constituindo fortes indícios de faltas disciplinares e violações a deveres funcionais da magistrada”.

Salomão afirma que a juíza emitiu decisões baseadas exclusivamente em informações incompletas, “e até mesmo informais”, que eram repassadas pelos procuradores da autodenominada força-tarefa, sem qualquer tipo de contraditório.

“Tal comportamento, como se percebe e foi demonstrado desde o relatório preliminar da correição (e agora apontado com mais detalhes pelo documento completo), fazia parte da estratégia concebida para recirculação dos valores repassados pelo juízo à Petrobras, posteriormente constrangida a celebrar o acordo nos EUA para o retorno do montante bilionário para a fundação privada.”

Hardt ganhou notoriedade por assumir casos da “lava jato” após a entrada de Moro no governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2019. Ela condenou o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje em seu terceiro mandato na Presidência da República, a 12 anos de prisão no caso de suposta corrupção relacionada a um sítio em Atibaia (SP). Naquele mesmo ano, ela teve uma decisão anulada por ter copiado e colado trechos de outro documento.

O caso dos desembargadores e do novo juiz

Na reclamação contra Thompson Flores, Loraci Flores de Lima e Danilo Pereira Júnior, que vinha atuando como titular da 13ª Vara, consta que a decisão de afastar o juiz Eduardo Appio, que ocupava a cadeira anteriormente, impulsionou “processos que estavam suspensos por força de decisão do eminente Ministro Ricardo Lewandowski e utilizaram-se, como fundamento de decisão, prova declarada inválida pelo STF”.

O texto faz menção às provas obtidas por meio dos sistemas eletrônicos da Odebrecht — anuladas por decisão de Lewandowski, que constatou que os procuradores da “lava jato” não tiveram o zelo adequado com os documentos.

A suspeição de Appio acabou culminando na anulação de decisões que ele havia proferido, como nos casos do advogado Tacla Duran e do suposto operador Raul Schmidt Felippe Júnior.

“No que tange a Raul Schmidt Júnior, não bastasse ter havido o restabelecimento da validade do mandado de prisão decretado contra si, a decisão colegiada da 8ª Turma do TRF da 4ª Região resultou na anulação de sentença absolutória proferida pelo Juiz Federal Eduardo Appio, em absoluto desrespeito ao devido processo legal, em solene desprezo a direitos fundamentais que seriam atingidos com a efetivação do comando judicial”, diz Salomão.

“Depreende-se que a conduta dos ora reclamados não é fruto de simples falta de zelo na prestação jurisdicional, havendo os indícios, por sua vez, da prática de ‘bypass processual‘, há muito reconhecida pela doutrina e jurisprudência como técnica censurável de se burlar as decisões do Supremo Tribunal Federal.”

Quem é quem

O desembargador Thompson Flores foi figura carimbada nos processos da “lava jato”. Junto com seus pares na 9ª Turma do TRF-4, foi responsável por respaldar uma série de decisões proferidas na 13ª Vara. Ele protagonizou uma constrangedora briga de assinaturas com o também desembargador Rogério Favreto quando este assinou, em um domingo, liminar para soltar Lula em 2018, alegando que o encarceramento estava baseado apenas na Súmula 122 do TRF-4 (que permitia a execução provisória de pena).

Após relutância da Polícia Federal e das denais autoridades competentes para viabilizar a soltura, Thompson Flores, como presidente do TRF-4, decidiu manter Lula preso afirmando que a matéria não deveria ser analisada em sede de plantão judiciário.

Membro da mesma turma, Loraci Flores de Lima chegou ao TRF-4 em novembro de 2022, incluído na leva de 12 nomes escolhidos pelo então presidente Jair Bolsonaro para compor a corte, por causa do aumento do número de cadeiras promovido pela Lei 14.253/2021. Ele se tornou relator dos processos da “lava jato” na corte após o também desembargador federal Marcelo Malucelli se afastar de tais ações. Malucelli é pai do advogado João Eduardo Malucelli, sócio de Moro em um escritório de advocacia.

Loraci Flores de Lima é irmão de Luciano Flores, delegado da Polícia Federal que atuou em investigações da “lava jato”. Ele foi o responsável pela condução coercitiva e inquirição de Lula e por grampear a ex-primeira-dama Marisa Letícia e gravar conversas pessoais, que acabaram divulgadas por jornais, a despeito de a prática ser proibida pela Lei 9.296/1996.

O juiz federal Danilo Pereira Júnior foi alçado à 13ª Vara a partir do afastamento de Appio, depois de representação apresentada contra ele pelo desembargador Malucelli, que sustentou que Appio ligou para o seu filho depois de uma decisão que restabeleceu a prisão do advogado Tacla Duran. Appio foi posteriormente removido para a 18ª Vara Federal.

A escolha de Pereira Júnior para o comando da 13ª Vara Federal obedeceu o critério de antiguidade. Ele ingressou na magistratura federal em 1996, atuou como juiz auxiliar no gabinete do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, até 2014 e substituiu alguns membros do TRF-4 durante suas férias.

Os esqueletos do relatório

relatório final da correição na 13ª Vara mostrou que não foi feito inventário para indicar onde foram guardados todos os itens apreendidos pela “lava jato”, como obras de arte, e não foi possível identificar uma série de bens e recursos, entre eles os confiscados no exterior.

O resultado parcial do trabalho do CNJ, divulgado em agosto de 2023, já demonstrava a bagunça da 13ª Vara. A conclusão é que houve uma “gestão caótica” no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público e homologados por Sergio Moro.

Por meio desses acordos, o grupo de procuradores da “lava jato” recolheu e repassou à Petrobras R$ 2,1 bilhões entre 2015 e 2018, com autorização da 13ª Vara Federal, a título de ressarcimento pelos desvios praticados.

Esses valores permitiram à Petrobras, que era investigada por autoridades americanas, firmar acordo no exterior, segundo o qual o dinheiro que seria devido fora do Brasil acabaria investido na criação de uma fundação com o objetivo de organizar atividades anticorrupção.

Um outro levantamento, dessa fez feito pelo Tribunal de Contas da União, identificou irregularidades na destinação de valores obtidos em acordos de leniência na ordem de R$ 22 bilhões. Segundo o TCU, o dinheiro foi movimentado sem que houvesse qualquer preocupação com transparência.

Em julgamento de setembro passado, o ministro Bruno Dantas, presidente do TCU, lembrou a tentativa da “lava jato” de Curitiba de criar um fundo bilionário com dinheiro da Petrobras, a ser administrado pelos próprios procuradores, para investir no que chamavam de “projetos de combate à corrupção”. Também disse que o TCU deve frear a transferência de patrimônio do Estado para viabilizar interesses de agentes públicos.

“A grande verdade é que nós temos promotores e procuradores espalhados pelo Brasil que viraram verdadeiros gestores públicos. E o pior: sem a responsabilidade que os gestores públicos têm. O que está acontecendo é a transferência de patrimônio do Estado brasileiro para a gestão de agentes da lei. É disso que nós estamos tratando nesta tarde”, disse Dantas na ocasião.

Site Conjur

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