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Defesa acusa juiz paraibano de misoginia, preconceito e machismo ao negar relação estável entre duas mulheres

A Justiça paraibana tem se esmerado em decisões esdrúxulas que agridem o bom senso e os conceitos mais atuais da sociedade moderna, onde o comportamento social sofreu transformações, as mais radicais, que atendem as necessidades de convivência de gerações que repeliram inúmeros preconceitos, notadamente os de caráter sexual.

Juiz diz que relação homossexual tem que ser pública

Essa questão da convivência homossexual, da construção de famílias respaldadas na homossexualidade, já reconhecidas legalmente ao ponto de ensejar vínculos previdenciários, na Paraíba termina esbarrando em reações misóginas e subjetivas como se pode aferir da decisão do juiz Miguel de Lira Filho, que atropelou e ignorou a robustez das provas, documentais e testemunhais, apresentadas pela defesa da viúva confirmando um relacionamento de quase uma década.

Nem toda convivência exaustivamente testemunhada muito menos a educação de uma criança cuja guarda foi compartilhada pelas duas, sequer o calvário da falecida para tratar de um câncer, onde a solidariedade e o amor da companheira ficou devidamente comprovado, sensibilizou ou removeu a preconceituosa visão do magistrado, que dá vários passos atrás na interpretação de regras e conceitos que movem a sociedade de hoje, negando a relação com argumentos prenhes de misoginia e machismo.

Advogada vê preconceito e machismo em sentença judicial

Para se compreender melhor a postura retrógada do magistrado bastante ler o texto abaixo onde a luta pelo reconhecimento legal da relação é torpedeada pela argumentação capenga do judiciário paraibano.

Juiz diz que “não é qualquer relacionamento que configura união estável” e não reconhece união homoafetiva de casal que viveu quase dez anos junto

Para o magistrado, a relação não tinha o objetivo de constituir família e deu-se às escondidas

Após quase dez anos de relacionamento, uma mulher luta contra o preconceito instalado no poder judiciário paraibano para ter a união homoafetiva reconhecida. Após a morte da companheira em abril de 2017, vítima de câncer, iniciou-se um processo judicial para que fosse reconhecida a união homoafetiva pós-morte. O que parecia uma situação simples de ser resolvida, diante do conjunto de provas apresentado, tornou-se um caminho longo, tortuoso e permeado de preconceito e machismo.

“Não é qualquer relação que adquire os contornos legais e consequências de união estável”. Estas foram as palavras usadas pelo juiz Miguel de Lira Filho em trecho do seu voto que negou o reconhecimento de união homoafetiva do casal, durante julgamento de uma apelação interposta no Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) pela viúva.

Segundo o magistrado que estava relatando o caso em substituição à desembargadora Maria de Fátima Cavalcanti, em sessão virtual da Primeira Câmara Especializada Cível realizada na última quinta-feira (20), quase uma década de convivência, as provas documentais e testemunhais não foram suficientes para demonstrar que o relacionamento entre as partes era público, duradouro e contínuo, como prevê a legislação.

Além disso, durante o seu voto o magistrado disse várias vezes que o relacionamento entre as duas mulheres não tinha o objetivo de constituir família. “Na espécie, não está demonstrado e isso não convenceu a mim a presença do elemento subjetivo: objetivo de constituir família, tal como escrito na legislação em vigor”, afirmou Miguel de Lira Filho.

O juiz lembrou trecho do depoimento da autora em que ela afirma que o relacionamento era público, porém discreto. Com isso, Miguel de Lira Filho concluiu que “essa não era a realidade apresentada, pois ela mesma afirma que vivia em descrição para não chocar a sociedade vez que o apontado relacionamento não era assumido perante terceiros, não revelando o caráter público que seria indispensável. Era às escondidas”, afirmou.

De acordo com o magistrado, “os depoimentos (das testemunhas) não indicam que a autora e a falecida, suposta companheira, mantinham uma convivência pública, harmoniosa e com propósito de formação de um patrimônio comum com o animus de constituição de família”, declarou o magistrado. E continuou o voto dizendo que “as testemunhas apenas afirmaram a possibilidade do relacionamento amoroso, mas que nunca se apresentaram como se casadas fossem”, asseverou o juiz.

Misoginia, machismo e preconceito

A advogada da viúva, Vivianne Oliveira, disse que o voto do relator da apelação foi permeado de misoginia, machismo e preconceito. Segundo ela, o conjunto probatório presente nos autos do processo não deixa nenhuma dúvida quanto à existência da união estável e que, além disso, a união homoafetiva já foi reconhecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e pela Justiça Federal.

“Não se pode confundir uma relação pública com um comportamento escandaloso e que uma família só pode ser constituída por um homem e uma mulher. O Judiciário peca ao se apoiar em argumentos frágeis para negar um direito a uma união que está mais que comprovada nos autos. Ao mesmo tempo expõe falas e decisões preconceituosas que precisam ser revistas imediatamente, pois se trata de uma questão de justiça”.

Segundo a advogada, o voto de Miguel de Lira Filho externou que a família só pode ser constituída por um homem e uma mulher. “Duas mulheres que conviveram juntas na mesma casa, criaram uma criança, dividiram a mesma cama, as atividades do dia a dia, cuidando uma da outra e que foram separadas pela morte não podem ser vistas como uma família?”, questionou advogada Vivianne Oliveira.

Após o voto do relator da apelação, o desembargador Leandro dos Santos pediu vista e o julgamento será retomado no dia 3 de setembro.

O processo

O processo de reconhecimento de união estável pós-morte teve início em maio de 2017 na 3ª Vara de Família. Em audiência de instrução e julgamento, a autora da ação apresentou dez testemunhas, mas a juíza substituta que presidia a sessão pediu que fosse ouvida apenas duas, “diante da pouca complexidade da causa”.

Além das testemunhas, nos autos do processo havia fotos que foram divulgadas nas redes sociais, vídeos, cartas amorosas, documentos e várias declarações de médicos e hospitais atestando a existência do relacionamento.
Em outubro de 2019 foi proferida a sentença pelo juiz titular da Vara negando o reconhecimento da união homoafetiva sob a alegação de não ter havido convivência pública entre as partes. Diante dessa decisão, a advogada Vivianne Oliveira entrou com uma apelação no TJPB.

“Eu fico muito triste com essa situação, pois durante esse tempo todo nós estávamos sempre juntas em todos os lugares. Não havia um só lugar que a gente não estivesse junta, fosse nos cultos da igreja, na feira, na praia, nos médicos e em reuniões com amigos e com familiares. Como vivemos em uma sociedade ainda preconceituosa, nós éramos discretas”, declarou a viúva.

Ela contou que fez o que pôde para salvar a vida da companheira, mas a doença era muito agressiva. “O câncer é uma doença muito cruel, mas não a abandonei um só minuto. Desde que ela se internou me internei junto. Passamos o Natal e o Ano no hospital, meu aniversário e depois enfrentamos a quimioterapia e várias idas e vindas no Hospital Laureano até que um dia ela não aguentou e se foi”, lembrou com lágrimas nos olhos a viúva.

De acordo com a advogada da viúva, a sentença em primeiro grau que negou o reconhecimento de união homoafetiva se apoiou apenas no argumento de não ter havido a convivência pública entre as partes, “o que ficou mais que comprovado nos autos através de um conjunto de provas documentais e testemunhais bastante robusto. É valido ressaltar que não se deve confundir a convivência pública com comportamento escandaloso.”, explicou a Vivianne Oliveira.

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