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ESPECIAL – Aumenta o número de casos de assédio no ambiente de trabalho na PB

Entre as experiências profissionais que as pessoas almejam vivenciar quando ingressam no mercado de trabalho, o assédio – moral ou sexual – não é uma delas. Na Paraíba, contudo, as denúncias de casos como esses cresceram, em uma tendência de alta iniciada em 2020. No primeiro semestre deste ano, aliás, foram registradas 200 denúncias de violência ou assédio moral; 10, de violência ou assédio sexual e cinco, envolvendo as duas práticas. O número total (215) é o maior para o período nos últimos seis anos, e supera ainda os registros de todos os 12 meses de 2019 e 2021. Os dados são do Ministério Público do Trabalho na Paraíba (MPT-PB) e podem ser conferidos na tabela.

A procuradora do Trabalho do MPT-PB, Andressa Ribeiro Coutinho, atribui o aumento das denúncias nos últimos anos a dois fatores: a normalização do assédio por uma parte dos gestores e a conscientização sobre a importância da denúncia. “Hoje, as pessoas acabam achando normal praticar o assédio, por acreditarem que está dentro de um uso regular do direito. Por outro lado, aumentou o conhecimento do trabalhador e da sociedade, no sentido de que devem denunciar. Por isso que, sempre que a gente vai falar de assédio, pede para as pessoas denunciarem quando souberem da prática, mesmo que elas não sejam as vítimas”, afirma Andressa, que também é coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação na Discriminação no Trabalho (Coordigualdade/MPT).

Ainda segundo a procuradora, a investigação das denúncias é prioritária no MPT-PB, porque o assédio é uma das principais causas do adoecimento mental dos trabalhadores; o que, muitas vezes resulta no afastamento do trabalho. Na Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) lista outros efeitos negativos para as vítimas: dores generalizadas, palpitações, distúrbios digestivos, pressão alta, alteração do sono, abandono de relações pessoais e esgotamento físico. As consequências também atingem a empresa, com a redução da produtividade, a rotatividade de pessoal, o aumento de erros e acidentes e a exposição negativa da marca; e o próprio Estado, que passa a gastar com tratamentos médicos, benefícios sociais e processos administrativos e judiciais.

A administradora Maria Viana – que preferiu não ser identificada e teve seu nome verdadeiro preservado pela reportagem – não tem boas lembranças de seu último emprego. Ela acredita ter sido vítima de assédio moral por parte do gerente, em uma relação que se desgastou por um ano até a demissão dela, no primeiro semestre de 2024. “Se o gerente estivesse em um dia ruim, todos nós teríamos um dia ruim, porque qualquer coisa seria motivo para levar um grito ou para piadas inconvenientes. Ele também usou técnicas de isolamento e passava o dia todo na sala sem falar comigo. Quando eu ia falar com ele, ele fingia que não tinha ouvido. Também não respondia meus e-mails, minhas mensagens no WhatsApp nem meus projetos”, relata.

A reiteração dessas práticas provocou, em Maria, algumas das consequências comuns a quem sofre assédio, como o desânimo e o isolamento social. “Uma semana antes de ser demitida, teve um feriado na quinta e na sexta-feira e eu passei quatro dias sem sair de casa. Eu não vi ninguém e passei todo o feriado dormindo, porque não tinha vontade de fazer nada. Realmente eu estava muito próximo de procurar um psiquiatra e solicitar afastamento por burnout”, conta a administradora. Após o desligamento da empresa, porém, sua saúde mental melhorou. Agora, Maria espera encontrar um novo posto de trabalho em um local seguro.

Denúncias totais de assédio moral e sexual ao MPT-PB

  Janeiro a junho Todo o ano
2019 85 170
2020 134 219
2021 88 207
2022 127 281
2023 198 475
2024 215  

 

O que são as práticas

Os episódios vividos por Maria Viana são exemplos das formas como o assédio moral pode se manifestar. Ainda na cartilha de prevenção, o TST define essa prática como “a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada, no exercício de suas atividades”. Segundo Andressa Ribeiro Coutinho, tais situações vão além dos xingamentos. “Uma forma clássica é, em uma reunião onde há uma equipe presente, o trabalhador sugerir alguma ideia, mas o superior dizer que ela é ruim ou, simplesmente, fingir que a pessoa não existe. Ou, por exemplo, quando a pessoa é transferida para um local de trabalho, onde ela fique isolada e não tenha mais a sensação de pertencimento. Até mesmo ser transferida para uma unidade distante da sua casa ou ser forçada a praticar determinada tarefa que não faz parte das suas atribuições também podem ser formas de assédio”, explica a procuradora do Trabalho.

Já o assédio sexual, conforme tipificado pelo Código Penal, ocorre quando uma pessoa em posição de superioridade constrange outra, a fim de conseguir vantagem ou favorecimento sexual. A advogada trabalhista Rayanne Aversari dá exemplos de situações que podem configurar esse crime. “O assédio sexual está ligado a promessas de ganhos baseadas em questões de conotação física ou amorosa, como prometer aumento salarial, uma bonificação ou uma promoção de cargo. Também acontece quando fazem cantadas e investidas às quais a pessoa não corresponde”, detalha.

De acordo com a procuradora do MPT-PB, o assédio moral atinge, mais comumente, as populações historicamente discriminadas, como mulheres, negros, população LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência. “Já no assédio sexual, as vítimas são majoritariamente mulheres, porque é uma questão cultural brasileira. A gente vive ainda em uma sociedade com resquícios do patriarcalismo e está imbuído, no inconsciente coletivo, que a mulher, mesmo tendo conquistado vários direitos, é o lado mais frágil da relação, sendo tida como uma coisa, muitas vezes, pelo homem”, complementa Andressa.

Como é feito o processo

O MPT-PB é o órgão responsável por receber as queixas de assédio e proceder com a investigação. A denúncia, inclusive, pode ser anônima e o inquérito é conduzido de forma sigilosa, a fim de evitar interferências por parte das empresas. Andressa Ribeiro Coutinho conta que, nesse processo, o investigador deve usar de sua criatividade. “Podem ser ouvidas pessoas que já foram demitidas da empresa e não têm mais o medo de retaliação. A prova também pode ser produzida através dos meios tecnológicos, como conversas de WhatsApp e e-mails. Ou, se o empregador tirou uma gratificação da pessoa, sem justificativa, já temos um indício de que o relato é verídico”, exemplifica.

Para Rayanne Aversari, o trabalhador que considera ser vítima de assédio deve se manter atento e reunir elementos que sustentem a denúncia. “Como meio de prova, ele pode fazer gravações do seu ambiente de trabalho, mas somente em conversas de que ele esteja participando. A pessoa também pode utilizar as advertências e suspensões, se existirem. Porém, nem todo trabalhador tem a sagacidade de registrar o que acontece, porque a empresa tem o cuidado, por exemplo, de não praticar nada pelo WhatsApp nem de mandar e-mails com o teor intimidatório”, alerta a advogada.

Se as provas reunidas pela vítima e pelo MPT-PB forem convincentes, a tendência é que os casos sejam resolvidos. Segundo a coordenadora regional do Coordigualdade/MPT, uma sanção possível é a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) pela empresa, com o pagamento de multa, a promoção de ações educativas e o compromisso de não praticar nem tolerar mais assédio. Havendo a recusa da assinatura, contudo, o processo culmina em uma ação civil pública. Além disso, se forem observados outros crimes, há a possibilidade de uma responsabilização penal, com a condução de inquérito pelo Ministério Público, nas esferas estadual ou federal – a depender de qual órgão tenha a competência para investigar o réu.

Saiba Mais – Como denunciar

A denúncia de assédio moral e sexual pode ser feita ao MPT-PB pelo WhatsApp, no número 3612-3128, ou pelos telefones 3612-3100, de João Pessoa, e 3344-4650, de Campina Grande. Também é possível registrar os casos pelo aplicativo MPT Pardal e pelo site: prt13.mpt.mp.br/servicos/denuncias. Além disso, o trabalhador pode recorrer ao setor de compliance das empresas, caso elas o possuam, para uma investigação interna.

 

Texto de João Pedro Ramalho para o Jornal A União deste domingo, 28/7 
Foto de Yan Krukau/Pexels

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