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ESPECIAL – Princesa Isabel não foi figura decorativa na abolição, dizem estudiosos

Mais um 13 de Maio e saltam de novo perguntas como: a princesa Isabel foi, de fato, decisiva no processo que levou à abolição da escravatura, assinada por ela no Rio de Janeiro há 135 anos? Cada vez menos valorizado como data festiva, o 13 de Maio teve mesmo importância histórica? (via Folha de S. Paulo)

Dúvidas e debates tendem a ganhar mais atenção neste ano. Há pouco mais de um mês, o Ministério dos Direitos Humanos revogou a Ordem do Mérito Princesa Isabel, instituída pela gestão Jair Bolsonaro (PL). Segundo o governo federal, homenagear a monarca, uma mulher branca, pelo ativismo na área dos direitos humanos transmite mensagem equivocada.

No lugar da ordem, a pasta lançou um prêmio com o nome de Luiz Gama, negro abolicionista do século 19.

A reportagem ouviu quatro especialistas sobre o tema. Dois deles são historiadores e biógrafos da monarca: Robert Daibert Junior, autor do recém-lançado “Princesa Isabel entre o Altar e o Trono”, e Bruno Antunes de Cerqueira, coautor de “Alegrias e Tristezas – Estudos sobre a Autobiografia de D. Isabel do Brasil” (2019).

Os outros dois são sociólogos: Angela Alonso, autora de “Flores, Votos e Balas – O Movimento Abolicionista Brasileiro” (2015) e colunista da Folha, e Matheus Gato, que lançou há dois anos “O 13 de Maio e Outras Estórias do Pós-abolição”.

Existem diversas discordâncias entre eles, mas duas convergências chamam a atenção: 1) Isabel não é uma figura decorativa no processo que levou à abolição, como dito por alguns críticos. Mesmo para Alonso e Gato, que a veem como um nome sobrevalorizado na história do país, a regente tem uma importância simbólica; 2) o 13 de Maio merece ser reconhecido e festejado.

A reportagem ouviu quatro especialistas sobre o tema. Dois deles são historiadores e biógrafos da monarca: Robert Daibert Junior, autor do recém-lançado “Princesa Isabel entre o Altar e o Trono”, e Bruno Antunes de Cerqueira, coautor de “Alegrias e Tristezas – Estudos sobre a Autobiografia de D. Isabel do Brasil” (2019).

Os outros dois são sociólogos: Angela Alonso, autora de “Flores, Votos e Balas – O Movimento Abolicionista Brasileiro” (2015) e colunista da Folha, e Matheus Gato, que lançou há dois anos “O 13 de Maio e Outras Estórias do Pós-abolição”.

Existem diversas discordâncias entre eles, mas duas convergências chamam a atenção: 1) Isabel não é uma figura decorativa no processo que levou à abolição, como dito por alguns críticos. Mesmo para Alonso e Gato, que a veem como um nome sobrevalorizado na história do país, a regente tem uma importância simbólica; 2) o 13 de Maio merece ser reconhecido e festejado.

Pintura do austríaco Ferdinand Krumholz, feita em 1853, mostra Isabel aos 7 anos – Arquivo Nacional/Wikimedia Commons

Filha de Dom Pedro 2º e Teresa Cristina, Isabel nasceu em 1846 no Rio de Janeiro. Tornou-se a herdeira presuntiva (alguém com direito ao trono) depois da morte de seus irmãos Afonso Pedro, aos 2 anos, e Pedro Afonso, com apenas 1.

Assumiu a regência pela primeira vez em 1871, quando entrou em vigor a Lei do Ventre Livre. Voltou ao trono cinco anos depois, período em que enfrentou crises sociais. Também eram constantes as ressalvas em relação à forte ligação dela com a Igreja. Segundo Daibert Junior, “a conduta política da herdeira do trono deve ser interpretada por meio de sua fundamentação católica”.

A fase que, de fato, interessa é a terceira regência. Em julho de 1887, com a partida do imperador para a Europa para tratamento médico, ela voltou a governar o Brasil. Aos 40 anos, sentia-se mais preparada para os jogos do poder e buscava se firmar no cargo. Sonhava, afinal, com um terceiro reinado, ocupando definitivamente o lugar que havia sido do avô, Pedro 1º, e do pai, Pedro 2º.

Dez meses depois, assinou o texto da lei 3353. “Artigo 1º É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil. Artigo 2º Revogam-se as disposições em contrário”. E nada mais.

Ela pode ser considerada uma abolicionista? 

Sim, segundo os dois biógrafos. De acordo com esses historiadores, ela se apresentava como abolicionista de forma discreta até 1887, quando assumiu a regência pela terceira vez. A partir daí, sua defesa do fim da escravatura se tornou mais evidente.

“A aproximação da princesa com a causa abolicionista ocorria de modo tímido no decorrer da década de 1880”, diz Daibert Junior, professor do programa de pós-graduação em história da Universidade Federal de Juiz de Fora.

“No dia de seu aniversário [29 de julho], em 1885, participou de uma solenidade no Paço Municipal, no Rio de Janeiro, em que foram alforriados vários escravos, cujos nomes iam sendo anunciados pelo vice-presidente da Câmara, João Florentino Meira de Vasconcellos. Perante grande assistência, Isabel fez entrega dos certificados de libertação, recebendo de cada beneficiado um beijo na mão. Essa foi a primeira grande manifestação pública de seu abolicionismo.”

Para os sociólogos Angela Alonso e Matheus Gato, entretanto, é incorreto se referir a Isabel como abolicionista. “Como católica fervorosa, ela tinha compaixão pelos escravizados, mas chamá-la de abolicionista seria excessivo”, diz Alonso.

Qual a importância efetiva de Isabel no processo de aprovação da Lei Áurea? Aqui também existem divergências entre os estudiosos. Para Alonso, a regente não foi uma força decisiva. “A ordem escravista estava caindo de podre. A Igreja Católica, o Exército e juízes se opunham àquele modelo, havia cada vez mais fugas nas fazendas pelo país. Ou seja, acontecia o esfacelamento do escravismo. Isabel, portanto, foi levada pelas circunstâncias.”

Para ela, a regente “não urdiu o processo que levou à abolição. O grande protagonista foi, na verdade, André Rebouças, que fez articulações dentro do Parlamento e dentro do movimento abolicionista”.

Cerqueira discorda. “A abolição aconteceu exclusivamente por causa da Coroa? Não. Mas existiria a abolição sem a Coroa? Também não”, afirma o biógrafo de Isabel.

“A Lei Áurea pôs tudo de ponta-cabeça porque eram os conservadores fazendo uma revolução. Dona Isabel era conservadora, assim como João Alfredo [primeiro-ministro escolhido por ela e principal responsável pelas articulações pró-Lei Áurea entre os parlamentares]”.

Para Cerqueira, a regente foi, sem dúvida, uma das protagonistas do processo.

O papel dela naquele processo foi apenas decorativo, como apontam alguns críticos? Não, dizem os estudiosos. Alonso e Gato relativizam a influência de Isabel neste capítulo histórico. Ainda assim, afirmam que é incorreto rotulá-la dessa forma. “Ela ocupa um papel simbólico importante, não é puramente cosmético”, diz a socióloga.

Gato também diz acreditar no peso do simbolismo. “Isabel teve papel relevante no imaginário da população negra naquele período. Eles viam nela uma figura acima do patrão, acima do arbítrio em que viviam”.

Segundo Cerqueira, a relevância dela vai muito além do simbolismo. “A abolição não existiria sem a intervenção da Coroa.”

Uma crítica feita com frequência à monarquia daquele momento é que a abolição da escravatura foi assinada, mas não foram adotados projetos de inserção dos ex-escravizados na sociedade. Tampouco foram indenizados. Faz sentido? Para Cerqueira, essa é uma visão anacrônica, que não leva em conta o contexto político da época. “Existia, sim, um movimento indenizista, mas a favor da indenização senhorial. Como se pode falar em indenizações aos ex-escravizados se não havia ações nesse sentido no Parlamento?”

Projetos de inserção social nem eram cogitados por senadores e deputados, segundo o biógrafo. Existiam apenas algumas ideias nesse sentido no movimento abolicionista, à margem da política formal.

Alonso pensa de forma semelhante. “Não havia naquele momento espaço político e institucional para discutir direitos além do que foi aprovado na Lei Áurea. O movimento escravista ainda era forte, e André Rebouças e outros líderes abolicionistas tinham que resistir a essa pressão. Eram pragmáticos, sabiam que não podiam brigar em um outro front”, diz.

Para Daibert Júnior, “a Monarquia usou todo o tempo possível para adiar ao máximo a abolição e não teve tempo de consolidar projetos de inserção de ex-escravizados. Já a República, desde 1889 até hoje, com raríssimas exceções, tem adiado ao máximo os projetos de combate ao racismo e às desigualdades sociais”.

Nos últimos anos, o 20 de Novembro, dia da Consciência Negra em referência à data da morte de Zumbi dos Palmares, tem sido cada vez mais valorizado. Por outro lado, o 13 de Maio tem recebido menos reconhecimento. Afinal, o 13 de Maio é ou não é importante? É, concordam os especialistas. “O 13 de Maio é da maior importância. A lei foi incompleta, mas deve, sim, ser comemorada. O que não se deve celebrar é a ligação da lei com a monarquia”, afirma Alonso.

Gato avalia as duas datas sob a ótica dos movimentos negros. “O 13 de Maio está associado à liberdade, e o 20 de Novembro, à igualdade. Esse é o modo como os movimentos negros modernos no Brasil traduzem esses ideários para a política contemporânea”, afirma.

“Nesse sentido, o 13 de Maio merece, sim, reconhecimento. As populações negras hoje não têm problemas só com a igualdade. A questão da liberdade ainda é urgente. Que liberdade tem o jovem negro no Brasil que sabe que pode ser subjugado ao sair às ruas?”

O escritor e abolicionista maranhense Astolfo Marques – Divulgação

Não se deve esquecer o 13 de Maio, afirma Daibert Junior, “uma vez que a data representa a consolidação jurídica de uma luta antiescravista que envolveu diferentes atores sociais, de abolicionistas monarquistas a pessoas escravizadas que lutaram bravamente em favor da abolição”.

Por outro lado, continua, “é fundamental celebrar também o 20 de Novembro como expressão poderosa dessa luta e dessa resistência, sobretudo se considerarmos que somos um país formado predominantemente por uma população negra. Uma data não exclui a outra”.

 

Foto principal: Retrato de Joaquim Insley/Wikimedia Common

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