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Gerais

Folha de S. Paulo traz matéria especial sobre Cabaceiras; confira

Roberto de Oliveira

Quando o sol do sertão começa a se despedir do dia é hora de apreciar o espetáculo. Por alguns minutos, a luz dourada banha a formação rochosa que nos remete a um cenário extraplanetário. Numa área aproximada de 1,5 km², parece que a natureza moldou um prato fundo virado para baixo. Sobre ele, ao menos uma centena de pedras de diferentes tamanhos. Umas mais altas, com cerca de 4 m e até 9 m de altura, outras com formatos que lembram um capacete de boxe. Algumas podem pesar 45 toneladas. Arredondados, esses blocos de granito foram desgastados, polidos, pela ação da água e do vento ao sabor do tempo.

Estamos no Lajedo de Pai Mateus, na zona rural da pequenina Cabaceiras, cidade no Cariri paraibano, com 5.335 habitantes. É a menor das 169 cidades visitadas pelos pesquisadores do Instituto Datafolha para realizar aquele que é considerado o maior estudo de lembrança de marcas da América Latina, a Folha Top of Mind.

Letreiro escrito 'Roliúde Nordestina' em Cabaceiras.
Letreiro que anuncia a “Roliúde Nordestina” numa serra, o cruzeiro da Pedra, em Cabaceiras – Roberto de Oliveira/Folhapress

A grande quantidade de blocos assemelha-se a uma espécie de “mar de bolas”, como explica o guia Romero Alves de Farias, 39 anos, 16 deles conduzindo visitantes pela região. Isso no meio da caatinga nordestina. O nome do lugar é uma referência à lenda de um eremita, chamado Pai Mateus, que por ali teria vivido no século 18. Ele ganhou fama graças aos seus poderes de curandeiro. Na gruta que lhe servia de morada, hoje ainda existe uma mesa de pedra e podem ser vistas inscrições no teto e nas paredes.

As formações rochosas são talvez o principal cartão-postal de Cabaceiras, mas não o único. A cidadezinha, a 78 km de Campina Grande e a cerca de 200 km da capital, João Pessoa, foi escolhida pelo Datafolha por ser uma localidade emblemática do sertão nordestino.

Ela situa-se numa região com um dos menores índices pluviométricos do país, o que resulta em boa luminosidade e permite mais tempo de filmagem por dia. Tais características, somadas ao patrimônio natural e a um centro histórico cinematográfico, deram a Cabaceiras o título de “Roliúde Nordestina”, como anuncia o letreiro instalado numa serra.

A cidade e os arredores já foram “set” de pelo menos 30 produções, entre filmes e séries. Talvez uma das melhores já produzidas pelo streaming brasileiro, “Cangaço Novo”, com oito episódios na Amazon Prime, teve cenas rodadas ali. Na TV aberta, outra supersérie de sucesso, “Onde Nascem os Fortes”, exibida pela Rede Globo, em 2018, também aproveitou o cenário de Pai Mateus.

O pórtico na entrada do município, em formato de película, já sinaliza a vocação de Cabaceiras. O charmoso centrinho, numa mistura de arquitetura neoclássica com um bocadinho de art déco, entrou para os clássicos no cinema.

Como em “O Auto da Compadecida“, adaptação de Guel Arraes da obra do escritor Ariano Suassuna (1927-2014).

Manuel Batista veste roupas de cangaceiro em foto de perfil.
Manuel Batista trabalhou em quatro filmes gravados em Cabaceiras; hoje tira fotos com turistas vestido de cangaceiro – Roberto de Oliveira/Folhapress

Manuel Batista de Lima, 77, conhecido como Manuel de João Preto, nascido e criado em Cabaceiras, trabalhou em quatro filmes, entre os quais o “Auto da Compadecida”. Ele conta que, no figurino, havia 1.500 pares de calçados e 1.500 peças de roupa. João Preto copiou o modelo da roupa de seu personagem, ao estilo Lampião, costurou a peça e a usa para tirar fotos ao lado de turistas. A espingarda é uma chamada “sovaqueira bate-bucha”, ele diz. O cinema, segundo suas palavras, trouxe tudo a Cabaceiras.

“O problema é que quase tudo é da mesma marca”, critica. “Falta variedade.”

Moda cangaceira é o que não falta no sertão. A indumentária foi confeccionada com couro de bode por Norberto Castro, 63, professor de história, artesão e guia. “Assim”, diz ele, “divulgo um pouco da história do cangaço e da cultura regional de Cabaceiras”. Ele lembra que, apesar de receber muitos turistas, sobretudo estrangeiros, a região tem muitos pontos onde a internet não pega. “Isso num lugar onde as pessoas querem fotografar e logo postar”, comenta. “As coisas precisam evoluir de acordo com a necessidade da sociedade.”

Noberto veste calça jeans e camisa verde enquanto sobe pedra em Cabaceira.
Norberto Castro é professor, artesão e guia em Cabaceiras – Roberto de Oliveira/Folhapress

A cidade também é conhecida no sertão como a “capital do bode”. Desde o final dos anos 1990, Cabaceiras atrai gente de diferentes partes do Nordeste com sua Festa do Bode Rei, que costuma acontecer anualmente na primeira semana de junho e chega a atrair 50 mil pessoas.

Nela, o bode é o rei, e a cabrita é a rainha. Nos três dias de festa, brinda-se com uma bebida típica, chamada Xixi de Cabrita. O licor de leite de cabra, aguardente e baunilha figura entre as “iguarias bodísticas” de Cabaceiras. Do lado gastronômico, há oferta de pratos tradicionais, como a “bodioca”, tapioca recheada de carne de bode, ou o “McBode”, hambúrguer de carne de bode.

“Basta andar pela zona rural que você vai ouvir os sinos pendurados no pescoço dos animais que conduzem o bando a pastar pela caatinga”, conta a turista Maria Aparecida da Silva, 63, aposentada, moradora de Pernambuco.

A Igreja Matriz Nossa Senhora da Conceição, construída na primeira metade do século 18 como uma pequena capela, passou por reforma em 1833, quando teve a estrutura ampliada. É o ponto de parada perfeito para, de tempos em tempos, apreciar o vaivém de atores, diretores, visitantes e curiosos pelo povoado.

Igreja da Matriz em Cabaceiras que tem quase 200 anos de idade
Igreja da Matriz em Cabaceiras, que tem quase 200 anos de idade, e foi cenário do filme ‘Auto da Compadecida’ – Roberto de Oliveira/Folhapress

audiovisual, sem dúvida, movimenta Cabaceiras, mas a caprinocultura é uma das principais atividades econômicas do Cariri, responsável pela produção tanto de carne quanto de couro.

“Comecei a ajudar o meu pai com seis anos de idade”, rememora José Carlos de Castro, 67, à frente da Arteza (Cooperativa de Trabalho dos Curtidores e Artesãos de Couro da Ribeira de Cabaceiras), que hoje concentra cerca de 400 pessoas.

“Sou bisneto, neto e filho de coureiro. Fazemos 23 mil peças por mês”, gaba-se ele, que trabalha no distrito da Ribeira.

Desse total, 80% são de pele de bode 20% de pele de carneiro e boi. “Aqui, produzimos da roupa de couro para o vaqueiro à bolsa chique de shopping.”

Queixa-se da falta de um frigorífico na região. “O couro chega no sal para não apodrecer”, explica. Mas ele faz questão de dizer que todo o processo para retirar o excesso da substância é feito à base de minerais ou vegetais, para evitar a poluição dos córregos da região.

Ornamentado por uma vegetação rasteira, que se alterna entre galhos secos e um verde discreto, outro destaque da paisagem rural fica a aproximadamente 20 km da área urbana. É mais uma formação rochosa, conhecida como Saca de Lã.

A missão é seguir a trilha pelas rachaduras na rocha, chegar até o alto e gritar com força, para ouvir o som ecoar entre as pedras e a vegetação da caatinga.

O nome deve-se ao formato gerado pelo desgaste da rocha, que lembra fardos de algodão empilhados. Há também quem enxergue um “castelo de blocos” e até quem jure que as pedras foram lapidadas à mão e colocadas ali uma por uma. Outros acreditam que aquilo é uma escultura feita para manter contato com extraterrestres.

Como estamos na terra do cinema, mistério, misticismo ou simplesmente sonhar faz parte da viagem.

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