Jornalista: profissão perigo
Direitistas de plantão amam desqualificar e até criminalizar a imprensa profissional. São discursos que tentam legitimar as desinformações produzidas por uma verdadeira indústria de fake news e enfraquecer a democracia. Criam bolhas de internautas zumbis cheios de opiniões rasas e falas histriônicas. Querem ganhar uma discussão no grito. E sabem de uma coisa? Para uma grande parcela da população, eles conseguem.
Ser jornalista, no Brasil, virou algo perigoso. Principalmente se o profissional for dedicado ao jornalismo investigativo, aquele que fuça tudo, descobre malandragens de gestores e políticos e irrita uma multidão de “homens de bem”.
Os casos de violência são muitos, não dá para enumerar todos, mas não é segredo para ninguém que achaques e insultos a jornalistas eram comumente disparados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e aplaudidos por seus asseclas. E houve até quem perseguisse jornalista com arma em punho, na rua, porque não gostou do que ouviu do profissional.
Vou apenas me ater ao mais recente caso, protagonizado pelo filho 03 do ex-presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que está nos Estados Unidos e não pretende voltar ao Brasil temendo ser preso. Ele não gostou de uma postagem de Guilherme Amado, do site Platô BR. O jornalista comentava sobre uma live do deputado, que fez junto com o neto do ex-presidente Figueiredo, em Washington. “Na live, o deputado contou todo feliz que esta é sua quarta viagem a Washington desde o início da administração Trump”, ironiza Amado. E emenda: “Das 14 sessões plenárias da Câmara, Eduardo Bolsonaro já faltou a duas este ano sem apresentar justificativa”.
Normal, para ele. Assim como é “normal” qualquer reação do deputado quando se sente atingido. Ameaça é sua arma favorita. Transcrevo o que ele postou em suas redes sociais sobre Amado. “Esse é um truque retórico velho. Você está se borrando de medo do trabalho que estou fazendo aqui (…). Estive na Casa Branca, sua matéria da inserção falsa da entrada do Filipe Martins foi um dos assuntos, você tem razão de ficar com medo”. Uma ameaça direta, despudorada.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) emitiu na segunda-feira (17) uma nota condenando os ataques do filho de Bolsonaro ao jornalista do Platô BR, citando campanha de desinformação encabeçada por ele e aliados, mais precisamente em relação à prisão de um ex-assessor do ex-presidente, Filipe Martins, que, segundo o parlamentar, teria sido provocada por uma publicação do profissional da imprensa. Mentira. Foi preso com base em investigação da Polícia Federal.
Para a Abraji, o deputado “sistematicamente tenta descredibilizar o trabalho de jornalistas por meio de ameaças, ataques virtuais e campanhas de desinformação”, e que a postagem nas redes “tem o intuito de mobilizar seus apoiadores contra o jornalista e, assim, tentar silenciar o seu trabalho, justamente quando este mostra contradições de sua atuação como parlamentar”.
Críticas à imprensa e a jornalistas devem existir, sempre que se fizerem necessárias. Mas atacar a imprensa sistematicamente, com intimidações, torcendo a verdade dos fatos e tentando criminalizá-la por fatos reportados e apurados com rigor, é tática de déspotas.
Ainda no Governo Bolsonaro, em 2022, os ataques contra jornalistas cresceram 23%, chegando a 557 episódios. Em 41,6% dos casos, havia ao menos um integrante da família Bolsonaro envolvido, segundo levantamento da Abraji naquele ano. Era uma verdadeira tática de guerra. Uma estratégia para fazer crer que era a imprensa, e não as bolhas bolsonaristas na internet, que produziam desinformações em massa. Como ainda hoje acontece.
Lutar contra a mentira é algo cansativo, trabalhoso, por vezes desestimulante. Mas esse é um papel do jornalista. Mas, não só. Todos, na sociedade, têm que fazer parte desse levante contra a desinformação.
Comece agora.
Por Gisa Veiga