Justiça do Trabalho afrouxa benefício para aumentar renda de juízes; veja custos com magistrados na PB
A Justiça do Trabalho baixou a régua dos critérios para o pagamento de um benefício por excesso de serviço. Com a medida, juiz que recebe menos processos também vai ganhar remuneração maior no fim do mês.
Ao mesmo tempo, mais um penduricalho foi criado para premiar quem acumula função administrativa, como dirigir um fórum, integrar uma comissão temática ou atuar como juiz auxiliar.
Hoje, um magistrado do trabalho em início de carreira ganha R$ 33,9 mil. Cada benefício pode resultar em um adicional de até um terço sobre o salário mensal, de mais de R$ 11 mil. Os dois bônus são cumuláveis.
A primeira gratificação está submetida ao teto constitucional de R$ 41,6 mil —a remuneração de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal). A segunda está fora do teto e fica livre do Imposto de Renda.
Na prática, as medidas significam, segundo críticos, aumento de salário sem aval do Congresso. Magistrados comemoraram as conquistas, chamadas de “históricas”.
Os pedidos foram feitos pela Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). Coube ao CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho) atender às demandas na sexta-feira (24), na última sessão do ano.
A primeira refere-se a uma lei que criou a gratificação por exercício cumulativo de jurisdição, e a segunda, de acordo com o CSTJ, segue resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que “determina a equiparação entre direitos e deveres da magistratura e de integrantes do Ministério Público”.
O benefício replicado do Ministério Público cria a acumulação de funções administrativas e processuais extraordinárias e faz referência à gratificação submetida ao teto. O CSJT não respondeu se o novo bônus terá impacto fura-teto no mais antigo.
Até chegar aos novos ganhos, a potencial ampliação da renda dos juízes trabalhistas trilhou longo percurso. A lei de 2015 citada pelo CSJT visava recompensar quem trabalha além de suas atribuições.
Pela legislação, os requisitos são “atuação simultânea em varas distintas” e volume exacerbado de ações. Ficou a cargo do colegiado definir os critérios adicionais do bônus, que seria exceção, não regra.
O CSJT baixou resolução que determinava o pagamento da gratificação a quem recebesse mais de 1.500 novos processos anualmente. A Anamatra questionou o montante.
Em petição do dia 26 de outubro, a entidade citou exemplos de outros ramos do Judiciário com número menor. A associação afirmou que uma ação trabalhista pode conter múltiplos pedidos —como hora extra, verbas rescisórias e FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
As demandas, disse a entidade, tornam “a sentença trabalhista —e também o julgamento de seus recursos— uma peça processual exaustiva”. A associação pediu a fixação de 1.200 processos a cada três anos para um juiz ou desembargador ter direito à gratificação.
O relator Paulo Barrionuevo concordou parcialmente. Segundo ele, “as demandas trabalhistas possuem pluralidade de pedidos e partes, os atos processuais executórios são complexos, sobressaindo grande quantidade de incidentes, o que exige do magistrado esforço e atenção”.
Barrionuevo avaliou “razoável” reduzir o número de novos processos para 750 por ano.
Para ele, como uma lei de 1981 prevê a criação de uma vara quando o volume de ações supera a marca de 1.500 novas, por seguidos anos, e como leis posteriores determinam no local um juiz titular e outro substituto, o número pela metade se justifica.
Segundo técnicos da corte de fiscalização, a resolução do CSJT era “a única” que estava “de acordo com o objetivo da criação da GECJ [gratificação por exercício cumulativo de jurisdição], ou seja, remunerar serviço extraordinário”. Agora, a nova regra deve ampliar esse universo de juízes.
Barrionuevo afirmou ainda que uma execução já iniciada, quando a ação está na fase de cumprimento da sentença, deve ser considerada como novo processo, em respeito a normas do CNJ. Há especialistas em direito administrativo que discordam dos argumentos.
“É uma interpretação da lei em benefício próprio. Faz uma interpretação em 2023 com base em uma lei de 1981”, disse Vera Monteiro, professora da FGV Direito SP e vice-presidente do conselho da República.org —instituto que discute melhorias da gestão de pessoas no serviço público. “O serviço tem carga reduzida, e a acumulação passa a ser a regra.”
Monteiro destacou que, ao longo dos anos, além de avanços tecnológicos, houve uma Constituição pelo caminho, a de 1988, e a própria lei de 2015, que conceituou o benefício dos magistrados.
“Quando fui vice-presidente do TST, regulamentamos pelo CSJT originariamente a gratificação em parâmetros razoáveis, que justificassem o recebimento da gratificação, ou seja, que o juiz tivesse um acervo de mais de 1.500 processos, não contando a execução como processo novo, já que é a continuação do [processo na fase de] conhecimento [quando o pedido é apresentado à Justiça]”, afirmou.
Na sessão do CSJT, venceu o argumento do princípio da simetria, segundo o qual juízes e integrantes do Ministério Público têm os mesmos “direitos e deveres”. A interpretação permitiu a criação da acumulação de funções administrativas e processuais extraordinárias.
Como mostrou a Folha, o CJF (Conselho da Justiça Federal) já havia criado esse benefício para a Justiça Federal no dia 8 de novembro. A decisão foi tomada após o CNJ, no dia 17 de outubro, estabelecer a equiparação com o Ministério Público, como citou o conselho trabalhista.
O benefício contempla férias, folga e até aqueles integrantes afastados para comandar associações de classe, espécies de sindicatos. Pela regra, é concedido um dia de folga a cada três de excesso de serviço, que pode ser convertido em dinheiro. Juízes têm 60 dias de férias por ano.
No acórdão que regulamentou o benefício do CJF constou que “a Magistratura, especialmente a Federal, vem se constituindo em uma carreira menos vantajosa e menos atrativa em termos remuneratórios comparativamente à do Ministério Público da União”. Um juiz federal ganha como um juiz trabalhista.
Para o professor titular de direito administrativo da FGV Direito SP Carlos Ari Sundfeld, esse argumento está distante da realidade. “Eles [juízes] acham que a sua remuneração é muito baixa. O problema é que existe uma visão distorcida do que é o pagamento pelo trabalho no Brasil”, afirmou.
Segundo ele, o que ocorre é um “pagamento de modo artificial de vantagens para supostamente resolver um problema de baixa remuneração”.
Na avaliação de Sundfeld, a questão deve ser debatida no Congresso. Além disso, para ele, funções administrativas são inerentes às atividades dos juízes, que as vêm desempenhando por anos.
No caso da Justiça do Trabalho, dirigir um fórum ou participar de conselhos ou colegiados temáticos instituídos por meio de resoluções ou outros atos normativos do CNJ, CSJT, TST, Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho dá direito ao penduricalho.
Estão também contemplados magistrados que atuam como juiz auxiliar de presidência, vice-presidência e corregedoria de TRT (Tribunal Regional do Trabalho), entre outros.
A Justiça trabalhista inovou ainda ao ampliar o potencial dos pares beneficiados. Terá direito ao extra quem cumprir metas do CNJ, como “julgar mais processos que os distribuídos” e “julgar processos mais antigos”.
Questionado sobre o impacto financeiro dos benefícios, o CSJT afirmou que “as mudanças serão abarcadas pelo próprio orçamento da Justiça do Trabalho, sem necessidade de acréscimos de outras fontes”.
Para Sundfeld, esses benefícios moralizam as carreiras e o caminho será o corte de verbas. “A verdade é que está sobrando dinheiro”, disse, ao ressaltar a crise fiscal brasileira.
Transcrito da Folha de S. Paulo
Foto: Rafa Neddermeyer/ABr