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Lula assiste a China engordar Brics com ditaduras e Estados falidos

A cúpula do Brics, bloco composto por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, anunciou nesta quinta-feira (24) a ampliação de seus membros. Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã e foram convidados a se unir ao grupo. O anúncio foi feito pelo presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, durante coletiva de imprensa. 

“Decidimos convidar Argentina, Egito, Etiópia, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes para se tornarem membros permanentes do Brics. A nova composição passará a valer a partir de 1º de janeiro de 2024”, disse Ramaphosa. “Valorizamos o interesse de outros países em construir uma parceria com o Brics”, completou.

Em seu perfil nas redes sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comentou a ampliação do bloco.

“A relevância do Brics é confirmada pelo interesse crescente que outros países demonstram de adesão ao agrupamento. Como indicou o presidente Ramaphosa, é com satisfação que o Brasil dá as boas-vindas ao Brics à Arábia Saudita, à Argentina, ao Egito, aos Emirados Árabes Unidos, à Etiópia e ao Irã”.

A Folha de S. Paulo traz uma análise ded Igor Gielow sobre a entrada desses países no grupo:

Quando surgiu como ideia nos anos 2000, o Brics fazia sentido ante uma realidade mutante. A China emergia com força para o posto de potência desafiante do século 21, com os desafiados Estados Unidos envolvidos em suas guerras sem sentido.

Brasil e Rússia viravam xodós dos mercados com a forte demanda por commodities e os altos preços do petróleo, e no fim da festa a África do Sul chegou para marcar a presença do continente africano, grande playground das ambições chinesas com seus investimentos da Iniciativa Cinturão e Rota.

á a complexa Índia vinha com o peso de sua economia e população, que viria a ultrapassar a chinesa neste ano. Como bloco, o Brics encarnava uma multipolaridade que rejeitava o domínio americano estabelecido no pós-Guerra Fria, ainda que na prática seus membros estivessem fazendo negócios com o Tio Sam como sempre.

Ao longo dos anos, do ponto de vista político, navegou entre a utilidade retórica a governantes de ocasião e a mera irrelevância. Seu único ramo concreto, o banco ora presidido pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff, é um instrumento de “soft power” chinês na essência, não por acaso sediado em Xangai.

A Guerra Fria 2.0 lançada em 2017 por Donald Trump contra a assertividade de Xi Jinping, seguida pela convulsão que o mundo vive após uma pandemia devastadora e a volta dos canhões à Europa, cortesia de um dos fundadores do Brics, Vladimir Putin, alterou esse cenário.

A invasão de 2022 da Ucrânia e a reação ocidental, na forma de sanções draconianas à Rússia e o apoio militar a Kiev, aceleraram o processo de divisão mundial. Grosso modo, Pequim, Moscou e aliados de um lado, EUA e o tal Ocidente coletivo, do outro. No meio, atores relevantes, mas de musculaturas díspares.

Caso de Brasil e Índia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acalentava, com sua volta ao poder após a devastação deixada na política externa de Jair Bolsonaro (PL), o sonho de tornar-se um líder mundial inconteste. Meteu os pés pelas mãos com suas idas e vindas sobre a guerra e é contestado em seu próprio quintal, do pequeno Uruguai à nova esquerda andina.

Enquanto isso, os indianos iam à Lua, literalmente até. De forma figurativa, Narendra Modi deu um salto espacial à influência de seu país, virando o verdadeiro Lula idealizado: cortejado com visitas de Estado e negócios militares com EUA e França ao mesmo tempo em que, falando em paz, se nega a condenar Putin e amplia a compra de petróleo barato russo.

Isso permite ao país permanecer num Brics cada vez mais chinês e ser o maior antagonista de Pequim na Ásia, alinhando-se cada vez mais com Washington no Indo-Pacífico, como o grupo Quad (com Japão e Austrália também) demonstra. Se a convivência será possível no futuro, é insondável enquanto o bloco mantiver sua inapetência política.

Com tudo isso, a cúpula da grande expansão do Brics foi um espetáculo de Xi, que busca ser o líder do autoproclamado Sul Global. Rótulos em diplomacia são úteis para sistematizar processos e vender notícia, mas simplificam as coisas.

Veja o Eixo do Mal, pecha impingida pelo presidente George W. Bush ao trio Irã, Iraque e Coreia do Norte em 2002, na aurora de sua campanha militarista que marcou o início do século. Era uma falácia para designar os bodes expiatórios da ocasião. O Sul Global, os antigos não alinhados da primeira Guerra Fria, é uma construção imaginária dadas as disparidades de interesses.

O termo carrega naftalina ideológica antiamericana, mas é dito com boca cheia por Modi, para ficar em um exemplo. Hoje, o Brics abarca uma ditadura rival dos EUA (China), uma autocracia aliada a Pequim (Rússia) e três democracias em estágios diferentes de desenvolvimento, com boas relações com o Ocidente (Brasil, Índia e África do Sul).

A composição proposta no convite a novos membros altera esse balanço, embora sempre seja possível justificar abraço em qualquer capeta. Se todo mundo entrar, o grupo ganhará três ditaduras árabes (Arábia Saudita, Emirados e Egito), uma teocracia integrante do antigo Eixo do Mal (Irã) e dois Estados em graus variáveis de falência, a Argentina em crise aguda e a Etiópia recém-saída de mais uma guerra civil.

Os petrodólares dos representantes do Golfo Pérsico justificam qualquer coisa, claro, e Lula poderá cantar vitória por finalmente ter incluído a Argentina no pacote —embora a possibilidade do radical Javier Milei levar a Presidência no país vizinho embaralhe tudo.

A desdolarização, uma das pedras de toque das nações do Brics, ganhará novos capítulos e servirá à retórica de autonomia ao gosto do cliente: Putin precisa dela porque está desplugado do sistema internacional, Xi quer ampliar o escopo do yuan, Lula busca falar grosso.

Nos EUA e na Europa, o Brics ampliado será visto como uma versão sinófila do Eixo do Mal, o que é tão reducionista quanto acreditar em Sul Global. Na prática, será preciso esperar para ver se a fanfarra dará lugar a mecanismos novos de integração ou se o bloco seguirá sua vocação de irrelevância, agora um pouco mais a serviço de Pequim no seu embate com Washington.

Fontes: Agência Brasil e Folha de S. Paulo

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