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Mais de 3,5 mil adolescentes se tornaram mães na Paraíba entre janeiro e agosto deste ano

“Eu tinha muita pressão baixa, desmaiava quase todos os dias. Não sabia de nada, nada. Tive que aprender tudo, dar banho, trocar fralda. Estava sozinha com meu esposo e meu filho.” Assim descreve Karla Heloysa Araújo Freitas (foto, com os filhos), que engravidou pela primeira vez aos 15 anos e teve seu segundo filho aos 17. Sua história exemplifica os obstáculos que muitas jovens enfrentam ao se tornarem mães na adolescência: complicações físicas, emocionais e a falta de apoio familiar. A realidade é mesmo desafiadora para essas adolescentes, e os números comprovam isso: entre janeiro e agosto deste ano, ao menos 14 meninas, de 11 a 19 anos, deram à luz na Paraíba por dia, totalizando 3.530 nascimentos. Os dados são da Secretaria de Estado da Saúde e do Ministério da Saúde. 

A gravidez na adolescência tem caído ano após ano na Paraíba, mas o problema ainda está longe de ser resolvido. Em 2019, 9.453 jovens se tornaram mães no estado. Nos anos seguintes, os números seguiram em queda, com 8.856 em 2020, 8.844 em 2021 e 7.202 em 2022, atingindo a menor marca em 2023, com 7.023 nascimentos. Já em 2024, considerando apenas o mês de julho, 389 meninas entraram em trabalho de parto em todo o território paraibano, sendo nove delas aos 14 anos, sete aos 13 e três com 12 anos de idade. Em agosto, por sua vez, dos 11 registros, um deles é de uma jovem de 14 anos.

Embora a tendência seja de queda, muito pelo trabalho de conscientização realizado com as adolescentes paraibanas, a complexidade da questão vem à tona ao olharmos para a faixa etária de 10 a 14 anos. A incidência da gravidez é mais rara, mas cada bebê que vem ao mundo representa a vida de uma menina profundamente impactada. Muitas vezes, essas gravidezes são fruto da falta de informação, da pressão social sobre a sexualidade ou da ausência de educação sexual adequada, com pais que ainda evitam falar abertamente sobre o assunto. E é justamente aí que mora o verdadeiro desafio.

Falta de apoio

Assim que iniciou sua vida sexual, Karla procurou ajuda médica por conta própria, mas jamais falou sobre o assunto em casa. Mesmo tomando anticoncepcional, engravidou e ouviu da família um ultimato: “vai ter que ir embora, morar com o pai da criança”. Com apenas cinco meses de gestação e um relacionamento de menos de um ano, casou-se e assumiu a maternidade, deixando os estudos. Longe da família e dos amigos, Karla teve que se reinventar em meio à solidão. “Sendo bem sincera, as amizades que eu tinha sumiram. Eu vivia 24 horas, só eu e meu filho. Sofri muito. Acredito que tive depressão pós-parto, mas nunca soube. Não tinha ninguém para conversar.” Tudo que aprendeu foi sozinha, “na marra”, como ela mesma conta.

Hoje, aos 20 anos, casada e com dois filhos, ela reflete os desafios enfrentados por muitas meninas na Paraíba devido à falta de orientação e apoio. Se já não bastasse a maternidade precoce, elas ainda lidam com o afastamento familiar, que torna tudo mais difícil. A psicóloga Elba Possidônio destaca como essa ausência de diálogo agrava ainda mais a situação dessas jovens, que acabam sendo estigmatizadas pela sociedade. “Alguns pais passam a não deixar suas filhas andarem com essas meninas, e muitas acabam saindo da escola, o que traz prejuízos maiores mais tarde, dificultando a entrada no mercado de trabalho”, reflete. Mas o preconceito vai além: “ainda existem pais que, por motivos religiosos ou pelo patriarcado, colocam as meninas para fora de casa”.

O impacto psicológico desse abandono é devastador e pode perdurar por anos, até a vida adulta. “Ela sofre o trauma do preconceito, do abandono, e pode desenvolver transtorno pós-traumático, ansiedade e até estresse ao ponto de provocar complicações na gravidez, como um aborto espontâneo ou uma eclâmpsia”, analisa Elba. Para muitas, o desespero de lidar com uma gravidez tão jovem é agravado pelo medo de encarar o futuro sozinhas, especialmente quando o pai da criança desaparece. “O menino se assusta e corre. E quem fica com a criança? Ela e a família dela, quando tem apoio. Mas, muitas vezes, essa menina é deixada sozinha para lidar com tudo.”

Além disso, muitas vezes, as famílias também não estão preparadas para falar sobre sexualidade, e isso acaba sendo o estopim para complicações futuras. Em vez de abordar o tema, preferem ignorá-lo, com medo de “incentivar” algo que, na verdade, precisa ser discutido. “A vacina contra HPV, por exemplo, é a única que previne câncer. Mas já ouvi pais dizerem: ‘não vou deixar minha filha tomar essa injeção porque isso vai incentivá-la a ter sexo.’ Eles preferem ignorar só para não ter que falar sobre”, comenta a psicóloga.

Por isso, Karla já se prepara hoje para garantir que, no futuro, não falte diálogo em casa. Ela pretende conversar com os filhos sobre sexualidade e seus desdobramentos, desde cedo, para que não passem pelo mesmo que ela. “Vou mostrar o que é uma camisinha, explicar que ajuda a evitar a gravidez. Com certeza, o diálogo é tudo”, afirma. Ela reconhece que, nos dias de hoje, tudo acontece mais cedo, e a falta de conversa pode deixar os jovens ainda mais vulneráveis.

Gravidez e os impactos no corpo das adolescentes

A gravidez na adolescência traz sérios riscos tanto para a mãe quanto para o bebê. Segundo a ginecologista e obstetra Mariana Freire, as jovens gestantes estão mais expostas a complicações como pré-eclâmpsia, diabetes gestacional e hemorragias pós-parto. “A gravidez na adolescência aumenta o risco de mortalidade materna, síndromes hipertensivas, depressão pós-parto e outras complicações sérias”, alerta a médica. E esses riscos também se estendem também ao bebê, como bem explica. “O recém-nascido tem maior chance de nascer prematuro, com baixo peso ou até malformações congênitas, como a síndrome de Down”, explica a especialista. Dessa forma, quanto mais jovem a adolescente, maiores são as chances dessas complicações ocorrerem.

Além disso, embora os hormônios já estejam funcionando desde a primeira menstruação, o corpo da adolescente, ainda em desenvolvimento, muitas vezes não está preparado para suportar a gestação. E isso pode gerar a necessidade de intervenções no parto. “Ele pode precisar ser operatório, com o uso de fórceps ou vácuo extrator, justamente pela falta de maturidade física e psicológica da adolescente”, completa a ginecologista. Considerando que no Brasil a taxa de cesarianas é alta, meninas que têm seu primeiro filho ainda jovens, por exemplo, e fazem uma segunda cesárea depois podem ter mais cicatrizes internas, aumentando o risco a cada cirurgia realizada.

Embora os impactos físicos sejam significativos nessas jovens, é possível mitigá-los com a adoção de uma rotina saudável e acompanhamento médico adequado, que, em alguns casos, pode até incluir o pediatra. Segundo Mariana Freire, a prática regular de atividade física é recomendada, justamente pela baixa idade, para fortalecer a musculatura e proteger a coluna lombar, já que o crescimento da barriga traz dores inevitáveis. O cuidado com a pele também precisa ser redobrado, a fim de evitar estrias no pós-parto, que pode afetar ainda mais a autoestima dessas adolescentes. “Já é difícil para uma mulher adulta, imagina para uma adolescente. O impacto emocional é até mais forte do que a própria gestação”, conclui a médica.

Conscientizar é fundamental

Conscientizar adolescentes sobre a importância da prevenção nunca foi tão necessário, e ações como a Caravana do Adolescente estão ajudando a transformar essa realidade na Paraíba. Segundo Juliana Marques de Oliveira e Conceição Araújo, técnicas da equipe de Saúde da Criança e do Adolescente da SES, essa iniciativa multisetorial percorreu as três macrorregiões do estado no mês de maio, reunindo jovens e falando diretamente sobre o protagonismo juvenil e os cuidados necessários para evitar a gravidez precoce. “Foi uma ação potente, que sensibilizou os adolescentes sobre a gravidade na adolescência e a necessidade de atenção à saúde física e mental”, explica Juliana.

Além disso, as técnicas destacaram a importância do acesso à informação e da distribuição de métodos contraceptivos como pontos indispensáveis para empoderar os jovens no estado. Conceição Araújo ainda ressaltou outro ponto fundamental: a capacitação dos profissionais de saúde para acolherem as adolescentes de forma mais humanizada, garantindo que elas recebam o cuidado adequado.

 

Texto de Priscila Perez para o Jornal A União deste domingo, 8/9
Foto capa: Lucas Mendes: https/Pexels.com

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