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Mais jovens estão bebendo cada vez mais cedo

Mudanças culturais e tecnológicas, como o uso de redes sociais, transformaram a maneira como pessoas que nasceram em períodos diferentes bebem. Enquanto a geração X (nascidos entre 1965 e 1980) cresceu num contexto em que o consumo de álcool era amplamente associado à socialização e à curtição do efeito da embriaguez, os millennials (1981 a 1996) e a geração Z (1997 a 2012) adotaram perspectivas mais cautelosas e estratégicas sobre o uso de bebidas, seja pensando na saúde ou no comportamento.

Mas apesar das condutas distintas, uma tendência se mantém: os jovens estão começando a beber cada vez mais cedo, afirma Maurício de Souza Lima, médico hebiatra (especialista na saúde adolescentes) do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) do IBGE, a experimentação alcoólica entre adolescentes no Brasil passou de 52,9% para 63,2% entre 2012 e 2019. O relatório Vigitel de 2023, do Ministério da Saúde, também mostra um crescimento no consumo abusivo de álcool na população em geral, de 18,4% para 20,8% entre 2021 e 2023.

Para alguns millennials, a ressaca física se tornou um fator determinante na moderação do consumo. O jornalista Emanuel Colombara, 39, lembra da sua primeira experiência com álcool, aos 16 anos, e como, com o tempo, passou a considerar a ressaca um “preço alto a se pagar”.

Já Fernanda Vargas, sommelier e especialista em vinhos da mesma geração, transformou sua relação com o álcool ao valorizar a apreciação da bebida, e não o excesso: “A ideia é beber menos e aproveitar mais, não beber para ficar bêbado.”

O produtor audiovisual Vinicius Borges, 29, admite que seu maior receio em relação ao álcool não é o impacto na saúde, mas sim os possíveis constrangimentos sociais.

O comportamento dele reflete uma tendência da geração Z: 30% dos jovens reduziram o consumo para ter mais autocontrole, afirma também o levamento da Go Magenta.

O arquiteto João Vitor Dias, 26, reforça essa visão: “Valorizamos mais a experiência do que beber até ficar bêbado”.

A psicóloga Vanessa Amorim, especialista em terapia cognitiva-comportamental, destaca que a geração Z desenvolveu um olhar mais crítico sobre o consumo. “O álcool, que já foi símbolo de status e sofisticação, perdeu parte de seu glamour, algo evidente na redução da sua presença na cultura pop, como filmes e séries.”

No entanto, o médico Maurício de Souza Lima cita a influência das redes sociais na cultura de excesso, que coloca o consumo de álcool como uma forma de mostrar que as pessoas estão aproveitando o fim de semana e que o álcool é parte essencial dessa experiência. “As redes sociais contribuem para a normalização dos excessos, criando a ideia de que beber é sinônimo de diversão e status”, explica.

Isso reforça uma mentalidade de compensação, em que as pessoas buscam se cuidar durante a semana, mas se permitem exagerar no álcool aos sábados e domingos, como se isso não fosse prejudicial. “Há uma falsa sensação de segurança, como se os hábitos saudáveis da semana anulassem os riscos do consumo excessivo no fim de semana”, alerta Souza Lima.

O médico explica que, independentemente da bebida, a quantidade de álcool pode ser parecida. Por exemplo, uma dose de vodka ou gin (50 ml), uma taça de vinho (150 ml) e uma lata de cerveja (350 ml) têm quase a mesma quantidade de álcool –cerca de 14 gramas.

O hábito de beber funciona ainda como uma válvula de escape para o estresse para algumas pessoas, principalmente entre os homens. A cultura de repressão emocional faz com que muitos recorram ao álcool em vez de buscar apoio psicológico, completa a psicóloga Vanessa Amorim.

Uma pesquisa publicada em fevereiro deste ano no The Lancet reforça que o álcool é uma causa evitável de câncer, já que não existe uma dose segura e a conscientização desse risco é baixa.

No mesmo mês, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou um documento apoiando a inclusão de advertências nos rótulos de bebidas alcoólicas, seguindo o exemplo da Irlanda, mas enfrenta oposição da indústria.

A psicóloga e o médico observam que o álcool segue um caminho semelhante ao do cigarro, com campanhas de conscientização cada vez mais evidentes sobre seus malefícios e uma possível redução no consumo ao longo do tempo.

 

Site da Folha de S. Paulo

Foto: Helena Lopes/Pexels

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