+
Últimas notícias

Na Paraíba, um a cada 17 bebês não tem nome do pai no registro

Lílian Viana e Thais Cirino*

Ter a certidão de nascimento com o nome do pai é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Mesmo assim, na Paraíba, dos pouco mais de 15,2 mil nascimentos registrados neste ano, em quase 900 documentos a informação estava ausente. Isso significa que, por dia, oito bebês chegaram ao mundo sem o reconhecimento de seus genitores.

Os dados são do Portal da Transparência do Registro Civil, que faz o levantamento diariamente e o disponibiliza por cada região do país.Em todo o Nordeste, dos 187 mil nascimentos registrados nos primeiros meses deste ano, 14,6 mil não tinham o nome do pai.Na Paraíba, o total de crianças que têm apenas o nome da mãe no documento soma 6%, segundo a entidade, menor que a média brasileira e da região Nordeste, de 7% e 8%, respectivamente. Em todo o país, a situação só é melhor nos estados do Paraná, Minas Gerais e Santa Catarina, com 5% cada.

Embora a situação da Paraíba seja considerada menos grave em relação a outros estados do Nordeste, o cenário é alarmante, já que os números têm crescido a cada ano. No primeiro semestre de 2023, por exemplo, esse percentual era de cerca de 5,6%. Já em 2022, de janeiro a dezembro, o percentual foi de 5,15%. “Embora seja menor que muitos estados e menor que a média brasileira, esse número é preocupante, porque estamos em uma escalada ascendente. Esse número já foi de 4%. Precisamos agir para diminuir esse percentual e, quem sabe, acabar de vez”, alerta o defensor público, Rodrigues Júnior, que também é coordenador do Núcleo de Proteção à Infância e da Juventude (Nepij) da Defensoria Pública do Estado da Paraíba (DPE-PB).

A comerciante Elza Lima faz parte das estatísticas das mulheres que não conseguiram registrar sua filha com o nome do pai. Sua luta começou há 35 anos, época em que, socialmente, a figura da mãe ainda era condicionada ao estado civil da mulher. “Antes, a sociedade virava as costas para a mulher e o seu filho, em vez de punir aquele que deveria estar presente e, simplesmente, escolheu não ser pai. Pelo visto, parece que isso não mudou muito porque minha filha passou pelo mesmo problema, só que ela conseguiu registrar meu neto com mais facilidade”, relata Elza, mãe de Julianae avó de Joaquim.

Morando com a filha, também mãe solo, Elza comenta que sente um pouco mais fácil a questão do registro de nascimento e a pressão social sofrida pelas crianças com pais ausentes e mães solo. “Minha filha também é mãe solo, mas, na hora do registro, ela conseguiu colocar o nome do pai no meu neto. Na minha época, eu não consegui. Fui expulsa de casa e fiquei sozinha, com a minha filha. Acho que essa facilidade maior para registrar acaba diminuindo os casos de crianças sem o nome do pai, né?”, avalia.

 

Bayeux lidera falta de reconhecimento na Região Metropolitana

 

Dos 223 municípios do estado, 138 tiveram casos de crianças registradas sem o nome do pai neste início do ano. O percentual mais alto foi verificado em Vista Serrana, no Sertão, onde40% dos documentos foram emitidos com o dado do genitor ausente. A cidade de Coxixola aparece em segundo lugar, com 33% dos casos. Já na Região Metropolitana de João Pessoa, o maior percentual ficou com Bayeux (15%).

Em relação ao número de casos, a capital paraibana lidera com 207 registros em situação de ausência paterna dos 4.097 documentos emitidos, ou seja, 5% do total.Bayeux vem em segundo lugar com 29 dos 191 registros emitidos sem a informação. Na sequência estão Santa Rita, com 24 dos 366 nascimentos ausentes (7%);Cabedelo,com 10 dos 112 nascimentos sem o nome do pai (9%); e Conde, com sete dos 79 registros sem os dados completos(9%).

No interior do estado,em Patos, dos510 nascimentos, 48 estavam com a informação ausente(9%), situação que se repete em Cajazeiras (9%), Sousa (5%) e Catolé do Rocha (4%). Em Campina Grande, dos 2.257 nascimentos registrados neste ano, 131 não incluíram o nome do pai (6%).

Para a psicóloga e psicanalista, Naiara Cavalcanti, psicóloga e psicanalista, a ausência do pai no registro de nascimento tem impactos relevantes na vida da criança, mesmo que a mãe seja presente. “Para a psicanálise, a função paterna busca oferecer segurança, proteção e limites claros. A ausência desse papel deixa uma marca profunda, que persiste ao longo da vida, apesar dos esforços das mães para preencher esse vazio”, destaca.

A profissional ressalta, ainda, que a ausência paterna pode prejudicar o desenvolvimento psíquico e social, desde a infância até a vida adulta. “Cada indivíduo e cada família têm uma dinâmica única, tornando impossível prever exatamente como cada criança reagirá à ausência paterna. Mas é inegável que essa falta é uma variável central no desenvolvimento do psiquismo. A experiência clínica nos mostra que crianças com figuras paternas ausentes podem apresentar inseguranças, baixo rendimento escolar, problemas de autoestima, dificuldades em lidar com normas; e podem apresentar comportamentos desafiadores. Em casos extremos, podem desenvolver tendências antissociais, além de se envolverem precocemente em relacionamentos disfuncionais e abusivos”, alerta Naiara.

O pessoense Waldir Alvessabe bem como é o sentimento da ausência paterna. Mesmo com uma infância feliz, ao lado da mãe e dos irmãos, ele carregava o vazio da convivência com o pai. “Eu ficava muito triste na escola, quando tinham as festas, as reuniões, e eu não tinha meu pai para ir comigo, e nem para brincar comigo, como acontecia com os meus colegas”, relata.

Determinado a encontrar seu pai, Waldir pesquisou em redes sociais e iniciou um processo de investigação da paternidade, na Defensoria Pública da Paraíba. Até que, em 2020, após 40 anos de busca, ele achou Seu Miguel, morador de Sertãozinho, cerca de 113 km de distância de João Pessoa. “Eu e minha filha entramos em contato com a rádio comunitária da cidade dele, que conseguiu achá-lo. Na mesma hora, ele se identificou e entrou em contato comigo e me chamou para ir até lá. Foi o dia mais feliz da minha vida. A gente se emocionou muito. Depois desse primeiro encontro, a Defensoria nos encaminhou para fazer o exame de DNA e confirmar tudo”, detalha.

 

Diretos negados

A falta do reconhecimento paterno não provoca apenas a perda afetiva. Além do conhecimento da ancestralidade e origem familiar, o direito ao auxílio material, financeiro, alimentos, direitos previdenciários e sucessórios das crianças ficam comprometidos com a ausência da informação.

“O reconhecimento paterno garante diversos direitos à criança, a exemplo da pensão alimentícia, direitos previdenciários e sucessórios (herança) e a plano de saúde corporativo – quando a empresa do pai oferece como benefício aos funcionários”, explica o defensor público Rodrigues Júnior.

Por isso, o reconhecimento da paternidade é um direito da criança, independente da vontade do pai querer conviver ou não, ou dos pais serem casados ou não.O defensor esclarece, ainda, que existem duas maneiras de realizar o registro da paternidade: voluntariamente ou por meio judicial. “Nós incentivamos, sempre, o reconhecimento voluntário da paternidade. Mas, quando não é possível, é muito importante que a mãe procure a Defensoria Pública, para podermos dar entrada no processo investigação da paternidade, para que seja feita a presunção de paternidade, garantido os direitos ao estado de filho”, detalha o defensor. Em João Pessoa, a DPE funciona na Rua Monsenhor Walfredo Leal, 503, Tambiá.

Para facilitar o acesso a esses registros, a DPE-PB realiza, periodicamente, o mutirão “Meu Pai Tem Nome”. Durante a ação, a instituição atende famílias que desejam reconhecer a paternidade, seja de forma voluntária ou através do exame gratuito de DNA, ofertado pelo Hemocentro.Na ocasião, também é realizado o reconhecimento da paternidade (e maternidade) socioafetiva, reconhecimento jurídico da maternidade e/ou paternidade com base no afeto, sem que haja vínculo de sangue entre as pessoas, ou seja, quando um homem e/ou uma mulher cria um filho como seu, mesmo não sendo o pai ou mãe biológica da criança ou adolescente.

O último mutirão foi realizado no último dia 16 e encaminhou 26 famílias ao processo de reconhecimento de paternidade.“A gente busca estagnar esse número e reduzir para que essa população e essas crianças possam ter direitos garantidos. Por isso, reforçamos sempre que, mesmo com raiva, mesmo magoada com o pai da criança, procure a Defensoria Pública para que possamos ajudar a todos”, conclui o defensor

 

Reprodução/Matéria publicada no Jornal A União deste domingo, 19/4

Foto ilustrativa: Arina Krasnikova/Pexels

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.