Nobel da Paz vai para ativista de direitos humanos iraniana presa em Teerã
O Prêmio Nobel da Paz de 2023 foi para a ativista iraniana dos direitos humanos Narges Mohammadi, 51, atualmente presa em Teerã por “espalhar propaganda contra o Estado”. O anúncio foi feito na manhã desta sexta-feira (6) pelo comitê norueguês do Nobel.
“Ela apoia a luta das mulheres pelo direito de ter vidas plenas e dignas”, afirmou o comitê. “Esta luta, em todo o Irã, tem sido alvo de perseguição, prisão, tortura e até morte.”
Mohammadi é assediada pelo regime iraniano há 30 anos por seu ativismo, iniciado quando ela ingressou na universidade, e por artigos escritos em favor dos direitos das mulheres no país. Seu marido, Taghi Rahmani, que já ficou detido por 14 anos também por sua atuação política, vive exilado na França com os dois filhos gêmeos, Ali e Kiana.
Para Rahmani, o prêmio irá fortalecer a luta pelo direito das mulheres. “O mais importante é que este é, de fato, um prêmio para a mulher, a vida e a liberdade”, disse ele à agência de notícias Reuters. Após a premiação, a ONU pediu ao regime iraniano a liberdade de Mohammadi. Pouco depois, a Fars, agência de notícias semioficial iraniana, afirmou que Mohammadi foi premiada por suas “ações contra a segurança nacional”. “Narges Mohammadi recebeu o prêmio dos ocidentais”, disse o veículo. Até o momento, nenhuma autoridade do regime em Teerã comentou a láurea.
A ativista já havia sido presa em 2009, quando ficou oito anos na cadeia. Libertada em 2020, voltou a ser detida em 2021, enquanto participava de cerimônia pela memória de uma pessoa morta durante protestos contra o regime islâmico em 2019. Ela cumpre pena de mais de 10 anos.
Mesmo na prisão, Mohammadi continua com suas ações políticas. Após a morte de Mahsa Amini sob custódia da polícia moral do país, em setembro de 2022, ela tem encorajado manifestações e condenado a resposta repressiva de Teerã.
O anúncio do Nobel ocorre no momento em que grupos de direitos humanos afirmam que uma adolescente iraniana foi hospitalizada em coma após um confronto no metrô de Teerã por não usar o hijab, o véu islâmico. As autoridades iranianas negam os relatos.
“Como muitos ativistas dentro da prisão, estou tentando encontrar formas de apoiar o movimento”, afirmou ela em entrevista por escrito ao jornal The New York Times, neste ano. “O povo do Irã está fazendo a transição para fora da teocracia da República Islâmica. A transição não será pular de um ponto para o próximo. Será um processo longo e difícil, mas as evidências sugerem que definitivamente acontecerá.”
Mohammadi também é vice-chefe do Centro de Defensores dos Direitos Humanos, uma organização não governamental liderada por Shirin Ebadi, advogada e ex-juíza vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2003.
Segundo o comitê, a láurea deste ano ainda reconhece as milhares de pessoas que se manifestaram contra as “políticas de discriminação e opressão” do regime iraniano. “O lema adotado pelos manifestantes –‘Mulher, Vida, Liberdade’– expressa adequadamente a dedicação e o trabalho de Narges Mohammadi”, afirmou.
Mohammadi é a 19ª mulher a ganhar o Prêmio Nobel da Paz em 122 anos —a última contemplada havia sido a jornalista Maria Ressa, das Filipinas.
No ano passado, os agraciados foram o ativista Ales Bialiatski, da Belarus, o Memorial, grupo de direitos humanos da Rússia, e o Centro para Liberdades Civis da Ucrânia —o que levou o governo do presidente Vladimir Putin, na Rússia, para o centro do debate pelo segundo ano consecutivo.
Ao todo, 351 candidatos haviam sido indicados à láurea neste ano. A cifra é a segunda mais alta da história da premiação, atrás apenas do recorde de 2016, quando houve 376 concorrentes ao Nobel da Paz. Ao todo, 137 pessoas já foram premiadas desde 1901.
A curiosidade sobre a lista de nomes, porém, só poderá ser sanada daqui a 50 anos. Os candidatos e aqueles que os indicaram —que, entre outros, envolvem líderes de países e quem eventualmente já foi laureado— ficam sob uma espécie de sigilo por cinco décadas.
A ausência de informação leva a uma corrida, muitas vezes frustrada, de apostas sobre os mais cotados. Para esta edição, eram ventilados nomes como o do cacique Raoni, indígena brasileiro do povo caiapó, e organizações como a Corte Internacional de Justiça, da ONU e o Grupo de Análise de Dados sobre Direitos Humanos.
O Nobel foi concedido pela primeira vez em 1901. Inicialmente, eram cinco categorias: paz, literatura, química, física e medicina. Uma sexta —economia— foi adicionada décadas mais tarde, em 1969.
Até a metade do século 20, os vencedores da categoria paz eram políticos que procuravam promover a paz internacional, a estabilidade e a justiça por meio da diplomacia e de acordos internacionais.
Desde o fim da Segunda Guerra, o prêmio passou a reconhecer esforços nas áreas de desarmamento, democracia e direitos humanos. Na virada para o século 21, o foco foi ampliado para incluir iniciativas que tentem conter a crise climática causadas pelo homem.
Há alguns anos, o Nobel também vem recebendo críticas devido às suas escolhas para o prêmio da paz.
Em 2017, a ativista Aung San Suu Kyi, laureada em 1991, foi criticada por seu silêncio em relação à crise humanitária envolvendo os muçulmanos da etnia rohingya em Mianmar, que viraram alvos do Exército e foram obrigados a fugir. Em 2019, o laureado foi o premiê da Etiópia, Abiy Ahmed, contemplado por ter encerrado a guerra com a Eritreia —um ano depois, porém, ele liderou outro confronto no norte do país, com separatistas da região do Tigré, até hoje em vigor.
Já em 2009, o então presidente dos EUA, Barack Obama, estava ainda em seu primeiro ano de mandato quando foi laureado. O próprio democrata disse não saber exatamente o motivo de ter sido agraciado.
Não houve premiação do Nobel de Paz em 19 ocasiões. O comitê norueguês explica que, caso nenhuma das obras analisadas seja considerada de real importância, o prêmio é reservado para o próximo ano. Mas também houve períodos —na Primeira e na Segunda Guerra— nos quais a premiação foi parcialmente interrompida.
Entregue apenas a autores vivos, o prêmio nasceu para cumprir o testamento do químico Alfred Nobel. O curioso é que, em vida, o sueco ficou conhecido por ter inventado um artefato utilizado em guerras: a dinamite. Seu pai era dono de uma fábrica de explosivos em São Petersburgo, e foi lá que o jovem Nobel, com pouco mais de 15 anos, interessou-se pela nitroglicerina, elemento essencial do explosivo.
A descoberta não tinha o objetivo de ser usada em campos de batalha. A ideia inicial de Nobel era que o artefato lhe ajudasse em seu trabalho: como engenheiro, construía pontes e prédios em Estocolmo, e a dinamite poderia implodir pedras para tal fim. Ele patenteou a invenção nos EUA em 1867, quando tinha 34 anos.
Pouco antes de morrer de hemorragia cerebral, aos 63, deixou em seu testamento que 94% de seus ativos deveriam ser destinados à criação de um fundo para premiar iniciativas que ajudassem a humanidade.