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O Brasil sobrevive às bobagens

“A imprensa, pedra angular da democracia, tem o papel de informar os cidadãos, mas não só. É ela que mantém ‘accountable’ os Poderes e as instituições; que investiga, revela e traz à luz do dia os fatos e as verdades inconvenientes. Qualquer turbulência eventual que esse processo possa trazer no curto prazo, ela se esvai no constante fortalecimento das instituições ao longo do tempo”.

Não, não foi ninguém da esquerda que disse isso, mas um expoente da direita que morreu, segunda-feira: o ex-ministro da Fazenda (na época da ditadura) Delfim Neto. A frase é parte de um artigo publicado em 2021 no jornal Folha de S. Paulo. Portanto, pessoal da direita radical, aprenda com o seu mestre. Pelo menos ele foi uma pessoa de grande inteligência, valor raro e corroído entre vários novos ” ícones” da direita no Brasil, pródigos em verborragias ocas.

Nós, jornalistas, vivemos um tempo difícil com a campanha que bolsonaristas fazem para atacar, desqualificar e desacreditar a imprensa profissional. Invertem a verdade, afirmando que é a imprensa – e não suas bolhas nas redes sociais – que produz as fake news.

Analisemos suas declarações, a começar pela primeira frase desse recorte: “A imprensa, pedra angular da democraria (…)”. Quem não comunga com governos totalitários, sejam eles de direita ou de esquerda, há que concordar com Delfim Neto. Sem uma imprensa livre, não há democracia. Imprensa livre, no entanto, não significa estar livre de responsabilidades pelo que se publica, até porque a imprensa é regulamentada legalmente, diferentemente das redes sociais, território fértil, este sim, das desinformações.

“[A imprensa] traz à luz do dia os fatos e as verdades inconvenientes”, continua Delfim.

Pois é, por isso que muitos governos de plantão sempre se estressam com notícias que não lhes convêm. Vale a pena guerrear? A que preço? Se o que se informa não conduz com a realidade, que o veículo de comunicação se retrate ou seja punido de acordo com a legislação. Afinal, liberdade de expressão não é um direito absoluto, que dispensa responsabilização.

Continuemos: “Qualquer turbulência eventual que esse processo possa trazer no curto prazo, ela se esvai no constante fortalecimento das instituições ao longo do tempo”.

É bom que isso fique claro: turbulências sempre acontecerão, mas elas somem se as bases democráticas estão fortalecidas, se as instituições são respeitadas, se os Poderes mantêm sua independência e, principalmente, a harmonia entre si.

Portanto, não é a imprensa a vilã das ameaças de erosão da democracia. A guerra da desinformação – que ninguém minimize ou se engane – é o monstro devorador de princípios democráticos e dos direitos fundamentais, e também o grande vetor incendiário da paz pública.

Mas uma das frases de que mais gosto do ex-ministro é:  “Nós não temos competência para acabar com o Brasil. O Brasil vai sobreviver a todas as bobagens que nós fizermos”.

Amém, ministro.

 

Por Gisa Veiga

2 comentários sobre “O Brasil sobrevive às bobagens

  • A reflexão é interessante, mas será se a imprensa não tem optado por publicar notícias que tenham valor de mercado e não as que são de interesse público?
    Me parece que os métodos atuais da imprensa devem merecer revisão, principalmente depois da decisão do STF onde o diploma de jornalismo não é obrigatório.

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    • O problema também está aí, gente que não entende nada de jornalismo fazendo “jornalismo”. Mas imprensa séria, mesmo, só jornalistas profissionais que fazem.

      Resposta

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