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Política

O poder da religião na política da Paraíba

(Transcrito do Jornal A União*)

A religião é um fenômeno social que está presente na maioria da vida e do cotidiano dos paraibanos. Os dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que o número de igrejas na Paraíba é maior do que a quantidade de estabelecimentos de saúde e de educação somados. O Jornal A União buscou verificar a relação da religião e a elaboração de leis na Assembleia Legislativa da Paraíba.

Através de um levantamento feito no Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL) da ALPB verificamos* que apenas neste ano foram apresentados 45 projetos de leis que de alguma forma estão relacionados à religião. A grande maioria trata do reconhecimento de festividades religiosas, nos diversos municípios paraibanos, como patrimônio histórico, cultural e imaterial do Estado da Paraíba.

No entanto, a religião está presente em outros espaços no Poder Legislativo estadual. Como na cruz, presente no alto do plenário da Casa de Epitácio Pessoa e na Bíblia que é lida no início de cada sessão. A leitura da Bíblia foi instituída pela Resolução 1.834/2019, proposta pelo deputado estadual Felipe Leitão. O autor justifica que a propositura está em consonância com o direito de manifestação religiosa contida na Constituição Federal.

“Ora, em um estado laico, não ateu, não há proibições de manifestação de fé sendo esta livre, desde que não respalde crimes, tais como crimes sob o argumento de fé, a exemplo de atentados terroristas. Ademais, um texto bíblico mencionado antes da abertura dos trabalhos diários reforçará os esteios da Casa Legislativa paraibana posto que coadunam com os mesmos valores de justiça social, igualdade, equidade, dignidade, proteção ao hipossuficiente, acessibilidade, altruísmo, etc”, afirma Felipe Leitão na justificativa a proposição da resolução.

Mais recentemente, na Sessão Ordinária do dia 05 de junho deste ano, a ALPB aprovou o projeto de lei que reconhece a saudação “A Paz do Senhor Jesus” como patrimônio cultural de natureza imaterial do Estado da Paraíba. O deputado Estadual Galego Souza (PP), autor da propositura, afirma que os evangélicos hoje representam cerca de 22% da população brasileira de acordo com o IBGE e que não pode ser desconsiderada a influência cultural desta parcela da população.

“Um dos costumes mais conhecidos dos evangélicos é o de se cumprimentarem de uma maneira peculiar com a expressão “A paz do Senhor Jesus”. A saudação é uma tradição cristã que todos se cumprimentam com um aperto de mão, hábito herdado desde os tempos dos apóstolos de Jesus que saudavam os irmãos, tanto pessoalmente quanto através de suas epístolas, no início e no fim delas”, argumenta Galego de Souza na justificativa do projeto de lei.

O professor e pesquisador da influência de religiosos nas políticas públicas, Alex Soares, explica que a atuação das diversas denominações da igreja evangélica principalmente nas comunidades periféricas do Brasil faz com que seja a religião que mais ganha novos adeptos. “Como reflexo, os pastores se tornam não apenas referência religiosa, mas também na política. Passam a ser verdadeiros líderes políticos e passam a influenciar nos votos dos fieis”, comenta Alex Soares.

Na quarta-feira, a ALPB também realizou uma Sessão Especial em homenagem aos evangélicos, requerida pela deputada Estadual Lucinha Lima (PSD), que afirmou que a sessão serviria para homenagear os grandes líderes evangélicos da Paraíba. “O reconhecimento destes líderes é de fundamental importância por serem arregimentadores de várias pessoas que professam credo livre e reafirmam o direito à liberdade religiosa constante em nossa Constituição Federal. É um passo definitivo desta Casa para o reconhecimento das autoridades eclesiásticas que tanto contribuem para o desenvolvimento do nosso estado, espiritualidade do nosso povo e amenização de dores”, destaca na solicitação da Sessão Especial.

De acordo com a doutora em Sociologia, Wilka Barbosa, as crenças e os valores religiosos possuem uma grande influência em diversos campos da sociedade, como na cultura e na política. “No momento em que a sociedade brasileira, com sua laicidade, tem mandatários políticos religiosos na sua bancada governamental, deparamo-nos com desafios, uma vez que não são todas as religiões que ganham esse poder e visibilidade”, afirma.

Wilka Barbosa defende que não é proibido um religioso assumir um cargo político, no entanto, ressalta o problema de quando o cargo é utilizado para a reprodução de condutas tradicionalistas e fundamentalistas.

“Temáticas que deveriam ser tratadas a partir do viés da política pública, levando em consideração a realidade social, acaba sendo santificada ou demonizada, como é o caso do estupro, do aborto, da educação sexual como um todo. Diante disso, cabem os questionamentos: quais são as religiões que ganham força política? para quem elas governam? Desse modo, a laicidade do Brasil está posta em xeque e as políticas públicas também”, opina Wilka Barbosa.

Para o pesquisador Alex Soares, os grupos religiosos, principalmente evangélicos e alguns católicos têm se aliado a uma parcela conservadora da população, fazendo com que conseguisse lograr mais êxito nas eleições do que representantes de outras religiões.

“Como consequência da falta de representatividade de pessoas de outras religiões, podemos aumentar ainda mais pautas que podem levar ao preconceito de crença, a manifestações livres de cultos religiosos e o aumento de pautas conservadoras que não prejudicam só a pessoas de religiões com menos adeptos, mas a toda a sociedade via pautas de costumes”, explica Alex Soares.

Texto de Tiago Bernardino para o Jornal A União deste domingo, 16/6

 

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