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O poder do “não”

Os consultórios de psicologia seguramente estão cheios de pacientes com dificuldades de dizer “não”. Não a um relacionamento abusivo ou que perdeu o sentido, não a um conselho que não pediu, não a um convite aparentemente bacana de um amigo, não a uma proposta indecente.

É libertador aprender a dizer “não”. E até a então desconhecida Jennifer Castro negar seu assento na janelinha do avião a uma criança birrenta, nunca um “não” foi tão celebrado no Brasil.

Ficou famosa da noite para o dia. A mãe do birrento quis “lacrar” em cima da moça que, silenciosa e sem alarde, sequer reagiu à gravação de vídeo usando sua imagem, que ela não permitiu, frise-se. Foi um tiro no pé para a mulher que apelava, demagogicamente, para um gesto de empatia por parte de Jennifer, quando deveria frear o showzinho do garoto e impor limites, ensinando-lhe que, na vida, nem sempre se tem o que se deseja.

Dizer e receber um “não” requer exercício, aprendizado, bom senso. Muita gente se sabota por não querer magoar outra pessoa, por temer enfrentar uma situação que poderá ser embaraçosa, por querer evitar críticas ou, simplesmente, por comodismo. E de sim em sim, a pessoa vai se anulando, se machucando, se entediando e, às vezes, explodindo pela sobrecarga de permissividade.

Numa prova de concurso, houve um quesito em que se apresentaram questionamentos sobre o seguinte texto de Augusto Cury: “Sem sonhos, a vida não tem brilho. Sem metas, os sonhos não têm alicerces. Sem prioridades, os sonhos não se tornam reais. Sonhe, trace metas, estabeleça prioridades e corra riscos para executar seus sonhos. Melhor é errar por tentar do que errar por se omitir”. A resposta correta foi: “Dizer ‘não’ é assumir posicionamentos mesmo que isso signifique crítica ou rejeição”.

Quando eu era jovem, disse muito “sim” por insegurança, por temer exclusão. Minhas primeiras negativas a situações incômodas foram difíceis, quase sem firmeza, mas produziram um efeito impressionante no sentido de descortinar, para mim, o poder daquela posição que eu assumia em cada oportunidade que se apresentava. Houve uma seleção natural de amigos e amigas, por exemplo, o que me foi imensamente salutar. E passei a exercitar mais e mais essa prática, ao longo dos anos.

Óbvio que é preciso bom senso para não confundir certas negativas com intransigência. Equilíbrio é a palavra-chave.

Uma das vantagens de passar dos 60 anos é observar que poucos se aventuram a questionar nossos nãos.

Por Gisa Veiga

Artigo publicado originalmente no Jornal A União de quarta-feira, 11/12

 

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