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Ponto de equilíbrio

Nunca fui gorda, mas me incomoda o modo como as pessoas agem com virulência extrema diante de outras que estariam acima do peso. “Passaram do ponto”. Que ponto?

A atriz Paolla Oliveira demorou para aceitar, de boa, os coxões que muitas adorariam ter. Paulatinamente, ela resolveu se desvencilhar dessa vigilância torturante e fazer as pazes com seu corpo de forma definitiva.

“Gorda”, dizem, em forma de xingamento, como se esse fosse um gravíssimo defeito de caráter. A “gorda” posou para fotos e vídeo durante um ensaio de Carnaval, com suas fartas coxas e nádegas, e ganhou críticas cruéis de homens e mulheres, mas, também, aplausos, muitos aplausos por mostrar seu corpo real. E belo!

“Homens chamando Paolla Oliveira de gorda. Senhor, não me dê nunca asas de ser uma gordinha como ela, senão ando nua pela cidade”, reagiu, carinhosamente, uma seguidora da atriz nas redes sociais onde o vídeo foi postado.

A atitude de Paolla foi retratada como “coragem”. É lamentável que um ato tão natural tenha que ser considerado assim. Sempre foi um fardo pesado, especialmente para a mulher, manter o corpo firme, sem excesso de gordura, para atender a exigências de uma sociedade que se acha saudável. Claro que, em alguns casos, emagrecer é questão de saúde ou, simplesmente, de bem-estar. Eu mesma não gosto de ultrapassar meu peso ideal — aquele de acordo com a altura que, coincidentemente, é o mesmo para que eu me sinta confortável com minha imagem. Minha regra, porém, não serve para todos. Ponto. Mas muitos não perdoam a gordura alheia, ainda que eles mesmos não tenham o corpo de um deus grego ou de uma miss Universo. A crueldade em comentários nas redes sociais é exposta sem qualquer filtro ou pudor. O que deu nessa gente doente e perversa?

Há cerca de dois anos, se não me trai a memória, a atriz Betty Faria foi alvo de xingamentos e comentários vis sobre seu corpo. Ela, já uma idosa, foi flagrada na praia com trajes de banho, expondo pele flácida onde antes, quando jovem, só havia pele lisinha e dura. Queriam o quê? Que ela fizesse pacto com o diabo e permanecesse jovem, enquanto uma pintura com sua imagem, num quadro de parede, fosse envelhecendo, como aconteceu com um personagem de Oscar Wilde em “O retrato de Dorian Gray”? É pecado envelhecer? É pecado engordar? Que eu saiba, pecado é a truculência de muitos, a falta de piedade, a crueldade, a inveja.

Ah, a inveja! Essa vale como uma mola propulsora de instintos violentos. Pessoas que não conseguem alcançar o mínimo sucesso em nada do que fazem, mal resolvidas, que carecem de admiração pelo que são, essas são as mais virulentas e venenosas.

Voltando ao corpo de Paolla: não consigo achar defeito nos coxões da beldade. Por isso, não consigo entender porque tanta gente se sentiu incomodada, como se toda aquela fartura fosse uma agressão. Passou do ponto? Do seu ponto de vista? Do ponto G? Do ponto de ebulição? Do ponto cardeal? Não? Então, ponto final.

 

Por Gisa Veiga

Publicado originalmente no Jornal A União

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