Por onde anda a indignação?
Gisa Veiga
Como jornalista “do batente”, editando este jornal, eu me deparo constantemente com notícias de racismo, feminicídios, estupros e outros abusos, uma atrás da outra, ocorrendo neste ou em outros estados ou países. É sempre um déjà vu desagradável.
Certas notícias, quando se tornam corriqueiras, tendem a nos anestesiar os sentidos. Foi assim na pandemia, quando os primeiros casos foram noticiados e causaram grande comoção. À medida em que os números iam avançando, a impressão que se tinha era de que passaram a causar menos espanto, ainda que eles nos aproximassem de uma dura realidade e uma eventual morte prematura.
Dou graças a Deus porque continuo me indignando ao me deparar com casos de injustiças e violências, ainda que, hoje em dia, pareçam quase “banais”, de tanto que aparecem nas manchetes de jornais de todo o Brasil, e não apenas no nosso.
Debato-me contra o estado de torpor que se abate sobre tanta gente diante do noticiário diário brasileiro, diante de cenas de miséria e abandono. Um torpor que recai, inclusive, sobre algumas autoridades brasileiras insensíveis ou mesmo abusivas da Justiça.
Normalizar situações de quebra de direitos humanos, de cenas de violência, de feminicídio e racismo tornou-se quase uma regra no Brasil. Outro dia, numa conversa com conhecidos, o assunto era a recente votação na Câmara dos Deputados que perdoou dívidas de partidos que não cumpriram com a reserva legal de cotas para negros e mulheres nas candidaturas. A conversa resvalou para todo tipo de cotas para negros, como em concursos, por exemplo.
“Para que cotas para negros? Por que não incluir os pobres brancos?”, perguntou um do grupo, dando claras razões para que eu chegasse à conclusão de que ele jamais leu uma linha sequer sobre o que embasou as ações afirmativas, de modo geral. Esquece que negar o racismo e suas mazelas até os dias de hoje é, sim, ser racista.
A Câmara dos Deputados deu provas de que é machista e racista, sempre levantando a bandeira do retrocesso. Merecia uma reação mais forte da sociedade que, sinceramente, não vi até agora. A maioria esmagadora da bancada paraibana votou pelo perdão dos partidos e poucos, pouquíssimos, falaram a respeito. Cadê os que se indignaram contra isso?
Acho que fui uma das poucas brancas – quiçá a única – a integrar a Comissão de Combate ao Racismo da OAB-PB. Ouvi histórias pavorosas que pensei só serem possíveis no século passado. Histórias terríveis de preconceito, de exclusão, de golpes à autoestima. E sobre a luta árdua e diária de combater esses atos.
Não é fácil ser negro no Brasil.
Não é fácil ser mulher no Brasil, quando muitas vezes as próprias vítimas são vistas como culpadas por abusos de homens, quando ganham menos que eles no desempenho de trabalho idêntico, quando são excluídas ou menosprezadas em várias situações outras do cotidiano.
Não é fácil ver políticos fecharem os olhos a tanta injustiça – e patrociná-las, o que é mais grave. É preciso resistir ao atraso, à intolerância, ao preconceito. É importante jamais esmorecer ou normalizar situações insustentáveis no dia a dia da sociedade.
É imperioso dar asas à indignação!
Texto publicado originalmente no Jornal A União desta quarta-feira, 16/7
Fico feliz por saber que apesar de tudo ainda existem pessoas como você Gisa, que mesmo tendo contato com tantas notícias terríveis, não se acostumam com a dor dos excluídos de nosso mundo. Nos faz crer que a Humanidade ainda tem jeito. Parabéns por sua grandeza de alma!
Obrigada, Isabel.