Poucos restaurantes e bares de JP adotam cardápios em Braille
Em vigor há mais de uma década, as Leis n° 11.882/2010 do município de João Pessoa e a Lei n° 9.800/2012 do estado da Paraíba, obrigam estabelecimentos que comercializam alimentos e bebidas, como bares e restaurantes, a disponibilizem em suas dependências cardápios impressos em Braille. Todavia, apesar de todo esse tempo, poucos estabelecimentos cumprem a norma. E alguns até possuem o cardápio, mas estão desatualizados.
O diretor da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Luciano Lima, admitiu que a organização não consegue fazer um acompanhamento mais profundo dessa questão, mas que frequentemente questiona os associados, em um grupo formado em uma rede social, se eles estão cumprindo a lei. “De quatro em quatro meses, mais ou menos, a gente faz esse questionamento lá no grupo, mas só 5% a 10% respondem positivamente”, revela Luciano, que disse orientar os estabelecimentos a se adequarem às normas. Ele acrescentou que tem verificado uma maior adequação por parte dos estabelecimentos localizados em “áreas turísticas”, em relação aos de “bairro”.
“Eu vejo que quando eles confirmam ter o cardápio, a frequência é maior naqueles localizados na orla, nos bairros é mais difícil”, reforça. Segundo Kessia Liliana, superintendente do Procon-PB, os relatos ouvidos de pessoas com deficiência visual também mostram o número pequeno de estabelecimentos que cumprem a norma.
“Conforme relatos de deficientes visuais, apesar de todo esse tempo, poucos estabelecimentos cumprem a norma. E alguns até possuem o cardápio, mas estão desatualizados.” Ela frisou que o órgão fiscaliza regularmente os estabelecimentos, porém, no final e início de ano, esse monitoramento é focado mais em bares e restaurantes, porque nesse período há um maior fluxo de consumidores. “A gente tem feito continuamente. Quando entramos em um restaurante, já cobramos a exigência do cardápio em Braille, inclusive alguns estabelecimentos já foram autuados, mais de uma vez, porque não tinham se adequado”, conta.
Ela ressalta ainda que, com a pandemia, alguns restaurantes passaram a adotar o cardápio digital, “no entanto, é algo a mais que eles oferecem, pois é necessário ter a versão em Braille, impresso e o digital. Para que ao consumidor, não reste nenhuma dúvida do preço que está sendo praticado”. Desafios Kessia Liliana observou que nas fiscalizações há cada vez mais estabelecimentos se adequando às leis. Apesar de a situação ainda não ser a ideal, ela diz que, no começo, os empreendedores tinham bastante dificuldade por não encontrar locais indicados para confeccionar os cardápios. Contudo, hoje já existem várias gráficas que fazem a impressão do material e citam, como exemplo, o Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha e o setor de Imprensa Braille de A União.
O diretor administrativo do Instituto dos Cegos, André Barbosa, conta que só às vezes, os cardápios não estão atualizados. São antigos, que eles fizeram em algum momento, muitas vezes por força de alguma fiscalização. Vanesa Veloso, que é deficiente visual, contou que já foi em alguns restaurantes e quando solicitou o cardápio em Braille, surpreendentemente, eles tinham, só que existia um problema, estava desatualizado. “Eu acredito que acontece mais quando tem fiscalização do Procon e geralmente eu percebo que a procura por nossos serviços aumentam no início do ano”, afirma.
O mesmo sentimento é compartilhado pela gerente operacional de Braille de A União, Hanna Pachu. De acordo com ela, desde que o setor de Imprensa Braille começou a fazer os cardápios, em 2021, só foram impressos sete exemplares. “A procura pelos cardápios ainda é baixa. Acreditamos que eles buscam nosso serviço muito por conta da fiscalização, para o cumprimento das legislações. Normalmente, os estabelecimentos vêm até nós por intermédio da Funad (Fundação Centro Integrado de Apoio à Pessoa com Deficiência). Eles entram em contato com a Fundação por ser conhecida, e lá eles repassam para nós o contato. Já fizemos até uma campanha com o marketing da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC) sobre o tema, mas não tivemos aumento na produção”, declara Hanna.
Bom exemplo
Um restaurante localizado no bairro do Bessa, em João Pessoa, é um modelo a ser seguido, pois tem oferecido o cardápio em Braille aos seus clientes, praticamente desde quando as leis foram promulgadas. Lá, eles têm a opção em Braille tanto para a versão “normal” do cardápio como para a do happy hour. O gerente do estabelecimento, Fabiano Soares, conta que eles sempre tiveram esse cuidado e, mesmo quando fazem uma atualização da lista de pratos serviços no local, também atualizam a versão em Braille.
“Se não me falha a memória, desde 2012 temos um cardápio especial para pessoas com deficiência visual, e sempre estamos atualizando. Porém, recebemos muita gente que necessita de acessibilidade, mas nem sempre elas solicitam o cardápio”, revela o gerente. “Hoje, a gente está só com um cardápio, que acabamos de atualizar, porque, como eu falei, a demanda ainda é um pouco pequena. Talvez seja porque muita gente conhece pouco da lei e acaba não solicitando. Porém, já pedimos para imprimir mais, para que possamos atender à toda demanda”.
Denúncias
A superintendente do Procon-PB, Kessia Liliana, explica que caso a pessoa com deficiente visual vá a um restaurante, bar ou qualquer outro estabelecimento alimentício que esteja com o cardápio em Braille desatualizado, deve fazer uma denúncia. “Se tem o cardápio lá em Braille, mas não está atualizado, o próprio consumidor pode fazer uma denúncia ao Procon. A gente recolhe uma cópia do cardápio, e passa para um especialista avaliar”.
CDC em Braille
Em outubro de 2023, o governador do Estado, João Azevêdo sancionou a Lei Estadual n° 12.847/2023, que torna obrigatória a manutenção de exemplar do Código de Defesa do Consumidor na linguagem Braille, nos estabelecimentos comerciais do Estado. Conforme a norma, os estabelecimentos terão o prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias para se adaptar ao disposto na lei. Em caso de não cumprimento, os infratores estarão sujeitos à aplicação de advertência por escrito e multa administrativa.
“Muitos estabelecimentos comerciais até já nos solicitaram doação de CDC em Braille, os que nós tínhamos, nós doamos. Estamos aguardando uma nova remessa, porque é uma coisa cara. Inclusive, já fizemos pedido da confecção do código em Braille. Essa é uma missão nossa, é o dinheiro das multas sendo devolvido em prol do consumidor, revela Kessia Liliana. Em relação a essa obrigatoriedade, Fabiano Soares conta que o estabelecimento que gerencia já fez a solicitação do CDC e, em breve, pretende disponibilizá-lo aos clientes. “Como é uma lei recente, fica difícil ter disponível assim tão rápido, por conta da demanda. Por isso que a gente não fez de imediato, mas assim que ficamos sabendo, procuramos providenciar”.
Texto de Alinne Simões para o Jornal A União – edição deste domingo, 3/3
Foto: Edson Matos para o Jornal A União