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Promotoria de JP cobra mudança de nomes de ruas e bairros que homenageiam ditadores

Medida quer garantir o cumprimento de recomendações feitas pelas comissões Nacional e Estadual da Verdade e que visam à implementação de política pública de direito à memória das vítimas de violações de direitos humanos, durante a Ditadura Militar

 

A Promotoria de Justiça de João Pessoa oficiou, nessa quinta-feira (30/01), a Câmara de Vereadores e o Município de João Pessoa para que, no prazo de 15 dias úteis, informem as medidas adotadas para alterar os nomes de logradouros públicos, vias de transporte, edifícios e instituições públicas que se refiram a agentes públicos ou a particulares que, notoriamente, tenham tido comprometimento com a prática de graves violações de direitos humanos durante o período da Ditadura Militar, que vigorou no Brasil entre 1964 e 1985.

Os ofícios integram a Notícia de Fato 001.2025.004218, instaurada pelos promotores de Justiça da Capital que atuam na defesa da cidadania, Fabiana Maria Lobo da Silva e Francisco Lianza Neto, para verificar o cumprimento dessa medida, que foi recomendada nos relatórios finais da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba.

Segundo os representantes do MPPB, mesmo após a redemocratização do País e há mais de 10 anos da publicação do relatório final da CNV, o Município de João Pessoa possui, até o presente momento, diversos espaços públicos homenageando figuras relacionadas ao período ditatorial. “Com efeito, a Capital paraibana ainda preserva resquícios da Ditadura Militar, mantendo, em bairros e ruas, nomes de figuras apontadas como responsáveis por graves violações de direitos humanos no Relatório Final da CNV”, explicaram.

Violação de direitos e comissões da Verdade

Os promotores de Justiça destacaram que, durante o período ditatorial – marcado principalmente pelo Ato Institucional número 5 (AI-5) -, houve o fechamento do Congresso Nacional, a suspensão de liberdades civis, censura, repressão, tortura e o desaparecimento de presos políticos. “Com o objetivo de investigar e esclarecer as graves violações de direitos humanos ocorridas no País nesse período, foi criada, em 2012, a Comissão Nacional da Verdade, instituída pela Lei Federal 12.528, de 18 de novembro de 2011”, explicaram.

Após dois anos e sete meses de trabalho, a CNV apresentou, em dezembro de 2014, relatório final dividido em três volumes, no qual identificou 377 agentes do Estado como responsáveis por crimes durante o regime; catalogou centenas de casos de tortura, desaparecimentos e execuções e recomendou medidas para prevenir novas violações, incluindo a desmilitarização da polícia e reformas nas Forças Armadas.

“Dentre as recomendações da CNV está a de ‘promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações’”, detalharam os promotores de Justiça.

Eles também informaram que, no âmbito estadual, foi criada a Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba, por meio do Decreto 33.426/2012, a qual, em Relatório Final publicado no ano de 2017, também recomendou que os locais com nomes de apoiadores do regime ditatorial sejam renomeados com nomes de pessoas que morreram lutando pela liberdade e democracia.

Os promotores de Justiça informaram a existência de uma lei municipal que veda a alteração de nomes próprios públicos consolidados há mais de 10 anos, mas defenderam que o dispositivo legal não deve prevalecer, quando confrontada com os valores constitucionais do Estado Democrático de Direito e da dignidade humana. “Essa lei municipal deve ser interpretada à luz da Constituição Federal de 1988, sob pena de padecer de vício de inconstitucionalidade”, argumentaram.

A promotora de Justiça Fabiana Lobo destacou ainda a existência de um movimento nacional que exige o cumprimento da recomendação da CNV. “Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou uma ação movida pela Defensoria Pública da União e pelo Instituto Vladimir Herzog e determinou que a Prefeitura de São Paulo estabelecesse um cronograma para mudar nomes de ruas e instalações que homenageiam pessoas ligadas à Ditadura Militar. A decisão se baseou em uma lei de 2013 e no Programa Ruas de Memória, instituído em 2016 e que tem como objetivo mudar o nome de ruas e instalações públicas municipais que homenageiam pessoas e datas ligadas às violações de direitos humanos”, disse.

Casos

Dentre os casos exemplificados pelo MPPB de agentes públicos ligados à Ditadura Militar que dão nome a logradouros e bairros da Capital paraibana estão o marechal de Exército, Humberto de Alencar Castello Branco (primeiro presidente da República, após o golpe militar e criador do Serviço Nacional de Informações. Ele dá nome à Avenida Presidente Castelo Branco e ao bairro Castelo Branco) e o marechal de Exército e presidente da República, Arthur da Costa e Silva (que editou o Ato Institucional número 5, o AI-5,  considerado o mais duro decreto do período militar. Ele dá nome a um bairro e a uma rua do município).

Também são mencionados os generais e presidentes da República, Emilio Garrastazú Médici (em cujo governo foram criados os Destacamentos de Operações de Informações-Centros de Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi) e Ernesto Beckmann Geisel. O primeiro dá nome a uma rua do bairro Funcionários e o segundo, a um bairro do município.

Confira as recomendações das comissões:

# Recomendação 49 da CNV: “Com a mesma finalidade de preservação da memória, a CNV propõe a revogação de medidas que, durante o período da ditadura militar, objetivaram homenagear autores das graves violações de direitos humanos. Entre outras, devem ser adotacas medidas visando:
a) cassar as honrarias que tenham sido concedidas a agentes públicos ou particulares associados a esse quadro de graves violações, como ocorreu com muitos dos agraciados com a Medalha do Pacificador;

b) promover a alteração da denominação de logradouros, vias de transporte, edifícios e instituições públicas de qualquer natureza, sejam federais, estaduais ou municipais, que se refiram a agentes públicos ou a particulares que notoriamente tenham tido comprometimento com a prática de graves violações”.

# Recomendação 2 do Relatório Final 2017 da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba:

“Resgatar nossa história, fortalecer nossa memória: renomear todas as ruas, parques, praças, escolas, túneis, pontes, viadutos, cidades etc, que hoje se utilizam do nome de gente que esteve envolvido ou apoiou a ditadura (sejam militares ou civis). Nada melhor para fazer justiça a nossa história do que a renomeação de tudo isso, com os nomes daquelas e daqueles que morreram na luta por liberdade e democracia.

Justificativa
Essa mudança de nome é uma reivindicação de uma parcela significativa da sociedade civil brasileira que almeja o fim da herança da ditadura em nomes de espaços públicos espalhados pelo território brasileiro. É triste ver o nome dessa gente nas cidades, túneis, pontes, viadutos, bairros, ruas, parques, praças, escolas, teatros. Pessoas que direta ou indiretamente cometeram o crime de lesa humanidade (tortura física ou psicológica) incomoda lembrar”.

 

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