TEMPORADA DE RAIOS: Paraíba registrou 85 mil descargas atmosféricas em janeiro
Relâmpagos cortam o céu da Paraíba, anunciando o início de um dos fenômenos mais instigantes da natureza: a temporada de raios. Nos primeiros meses do ano, o estado enfrenta – tradicionalmente – o período de maior incidência de descargas atmosféricas, impulsionado pelas chuvas intensas que transformam o clima paraibano. De acordo com a Energisa, só no primeiro mês deste ano, mais de de 85 mil descargas atmosféricas foram registradas em todo estado. Isso representa um aumento de mais de 37% em relação a janeiro de 2024.
Segundo a Energisa, o ano passado fechou com impressionantes 460 mil raios, o maior índice registrado nos últimos cinco anos. Para efeito de comparação, em 2021, a
média foi de 200 mil, de acordo com o Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
E se 2024 se destacou pelo número de raios, também foi o ano em que os municípios de Pombal, Paulista, Brejo do Cruz, Catingueira e Cajazeiras, todos no Sertão paraibano, despontaram entre os mais atingidos, segundo a concessionária de energia. Em seu quadro de estatísticas, a região oeste da Paraíba, que se estende de Triunfo a São José do Sabugi, concentrou a maior parte das ocorrências, com 350.873 registros, enquanto a região leste, onde estão cidades como João Pessoa, Conde e Santa Rita, teve apenas 11.538 raios. Já a central, onde ficam os municípios de Monteiro, Campina Grande e Lagoa de Dentro, contabilizou 103.643 descargas elétricas ao todo.
Diante desses números, surgem duas perguntas inevitáveis: por que os raios se intensificam nesse período do ano e por que o Sertão é a região mais afetada? De acordo com o meteorologista Ranyére Nóbrega, professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a resposta está na formação das nuvens cúmulo-nimbos, típicas de regiões com grande amplitude térmica. “Os raios têm origem em nuvens de grande desenvolvimento vertical, onde partículas de gelo e vapor de água colidem, gerando íons que se conectam aos do solo e formam as descargas elétricas”, detalha. Segundo ele, esse fenômeno ocorre principalmente no Sertão e Agreste, onde o calor intenso do dia contrasta com noites mais frias. Já no Litoral, a estabilidade do clima e as chuvas mais longas dificultam a ocorrência de descargas elétricas.
Somada às nuvens, a composição do solo também exerce uma forte influência nessa dinâmica. Como explica Ranyére, no Sertão, a presença de minerais na terra facilita a condução de energia, tornando a região mais propensa a raios. Com os metais atuando como condutores naturais, os íons formados nas nuvens se conectam facilmente com os do solo, completando o circuito das descargas atmosféricas. Essa análise é complementada por Gilvan Vieira de Andrade, doutor em Engenharia Elétrica pela mesma universidade, que aprofunda a relação entre relevo e tempestades. “O Sertão reúne condições ideais: solos altamente condutivos e áreas de relevo elevado que intensificam a concentração de descargas atmosféricas. Quando esses fatores se combinam com as condições climáticas locais, o resultado é um ambiente perfeito para a formação de raios”, explica o especialista.
Além disso, as características do relevo paraibano explicam, e muito, como se dá a distribuição de raios no estado, tudo em razão do Planalto da Borborema. Gilvan é quem detalha: “no meio do estado, temos um relevo mais elevado que vai descendo em direção ao Litoral. E, quanto mais baixo o terreno, maior a distância entre a nuvem e o solo, o que reduz a incidência de descargas”. Não à toa, João Pessoa é uma das cidades mais seguras do mundo em relação a raios. Já no Brejo e no Sertão, a altitude maior aproxima as nuvens do solo e, ao mesmo tempo, cria um ambiente mais seco, tornando os raios mais intensos.
Também entra nessa equação a baixa umidade observada no Sertão paraibano. Gilvan explica que a ionização do ar em regiões secas ocorre com mais facilidade, favorecendo as descargas. “O Planalto da Borborema barra a umidade do mar. Por isso, Patos, Cajazeiras, Sousa e outras cidades do interior têm um clima bem mais seco e árido. Sem umidade, o ar ioniza mais rápido”, analisa. No Litoral, por sua vez, onde a umidade é naturalmente mais elevada, os elétrons se dissipam mais facilmente, reduzindo a ocorrência de raios.
Coordenada – Mudanças climáticas potencializam a ocorrência de tempestades
Além disso tudo, temos um fator adicional que, pouco a pouco, vem transformando o clima paraibano: o aquecimento global. À medida que as mudanças climáticas elevam as temperaturas em todo o planeta, os eventos extremos se tornam mais frequentes e imprevisíveis. Ora as chuvas chegam com força incomum, formando tempestades severas, ora a estiagem se prolonga além do esperado, alterando os padrões atmosféricos da região. Como explica a meteorologista Ana Paula Paes, consultora da Energisa, essas alterações tornam as tempestades mais frequentes e intensas. “A atmosfera está cada vez mais quente e úmida, e isso favorece a formação de nuvens de tempestade e o aumento do número de descargas elétricas. No mundo todo, temos observado esse fenômeno”, reflete. E a Paraíba não foge à regra. Segundo ela, essa tendência já é perceptível no Sertão, onde a grande variação de temperatura entre o dia e a noite cria um ambiente propício para descargas elétricas mais frequentes e potentes.
A relação entre calor e o aumento das descargas atmosféricas é um ponto-chave para entender a escalada desse fenômeno. Segundo o professor da UFCG, Ranyére Nóbrega, as mudanças nos padrões climáticos favorecem a formação das cúmulo-nimbos, as nuvens responsáveis pelos raios. E quanto mais quente a atmosfera, maior a movimentação do ar dentro delas, intensificando as colisões entre as partículas de gelo. Além disso, ele também ressalta o impacto dos fenômenos El Niño e La Niña, que alteram a distribuição de calor e umidade na atmosfera. “Com o El Niño, temos temperaturas mais elevadas porque chove menos e, assim, uma maior incidência de tempestades rápidas e fortes, levando a uma maior ocorrência de raios”, explica. Já o La Niña provoca o efeito oposto: “faz com que chova mais, mas as nuvens acabam tendo um desenvolvimento menor, porque as temperaturas estão mais frias”.
Coordenada – De para-raios a cuidados preventivos: como se proteger?
Um único raio pode carregar uma energia equivalente a 1.500 chuveiros elétricos ligados ao mesmo tempo. Para se ter ideia do impacto, enquanto um equipamento comum consome entre 10 e 20 amperes, uma descarga atmosférica pode ultrapassar 30 mil amperes. E tudo isso em questão de milésimos de segundo, como explica o professor do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Franklin Martins Pereira Pamplona. “A energia dissipada por um raio é gigantesca e acontece de forma muito rápida, o que explica seu alto poder destrutivo”, destaca o doutor em Engenheiro Elétrica.
Mas, afinal, o que realmente é um raio? Nas palavras do professor, o raio é a descarga elétrica que ocorre entre a nuvem e o solo ou entre nuvens. Já o relâmpago é apenas a parte visível dessa descarga, a luz intensa que vemos no céu. O trovão, por sua vez, é o som produzido quando o ar ao redor do raio se expande rapidamente devido ao calor extremo. E se engana quem pensa que os raios sempre caem do céu para a terra. Se uma nuvem estiver descarregada e passar sobre um solo eletricamente carregado, o raio pode ser gerado de baixo para cima, o que é mais raro. Tudo depende da situação do solo e de como as energias eletrostáticas se acumulam.
Diante dessa potência toda, uma coisa é certa: não dá para ignorar a força da natureza. Por isso, é essencial adotar medidas de proteção, tanto para evitar acidentes quanto para minimizar os danos a equipamentos eletrônicos e edificações. Segundo Franklin Pamplona, o perigo não está apenas na queda direta do raio, mas também na forma como a energia se propaga pela rede elétrica. Ele alerta que equipamentos ligados à tomada podem conduzir a descarga e aumentar o risco de choques. “Se a sua casa não tem um protetor de surtos no quadro de energia, o mais seguro, durante uma tempestade, é tirar os equipamentos da tomada. Não basta desligar”, alerta. Isso é importante porque, se um raio atingir a rede elétrica, a descarga pode percorrer a fiação e queimar os aparelhos. Para evitar esse tipo de dano, ele recomenda a instalação de um Dispositivo de Proteção contra Surtos (DPS). “O DPS instalado no quadro de energia protege os eletrodomésticos, pois direciona essa carga para o aterramento.”
Em prédios, a segurança é maior devido à presença obrigatória de para-raios, mas essa proteção não se estende às casas vizinhas. “O sistema de proteção contra descargas atmosféricas protege apenas o edifício onde está instalado. Quem mora em casa térrea deve investir em um bom aterramento e em DPS para evitar problemas”, explica Franklin. Além disso, há no mercado tomadas e adaptadores com proteção contra surtos, que ajudam a evitar prejuízos em eletrônicos mais sensíveis, como computadores e televisores. “Se detectar uma anomalia na rede, o dispositivo bloqueia a passagem de corrente e evita danos aos aparelhos”, reforça.
Também vale ficar longe de árvores, evitar contato com estruturas metálicas – incluindo portas e janelas – e não utilizar telefone com fio. “Raios sempre buscam o caminho mais fácil para o solo. Quem está segurando algo conectado à rede elétrica pode acabar se tornando esse caminho”, alerta. Campos abertos, como praias e áreas descampadas, também representam riscos. Por isso, se não houver abrigo por perto, a recomendação é se afastar de qualquer ponto mais alto. Entretanto, caso esteja no trânsito, permaneça dentro do carro para evitar problemas. “O veículo fechado funciona como uma gaiola de Faraday, conduzindo a descarga pela lataria e dissipando a energia no solo. Desde que a pessoa não toque nas partes metálicas internas, estará protegida.”
2024 em números (*olhar o mapa da Energisa para entender a divisão do estado)
- Região oeste – 350.873 registros
- Região central -103.643 registros
- Região leste – 11.538 registros
Texto de Priscila Perez para o Jornal A União deste domingo, 9/2
Foto de Omar Bougherra/Pexels